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F OCALIZANDO AUTORES , TRAJETÓRIAS E INTERPRETAÇÕES

2.1. Considerações teóricas

A partir da estrutura reflexiva — teórica e metodológica — criada por Fernand Braudel com a qual se decompõe o tempo histórico em temporalidades, pode-se dizer que a cada temporalidade corresponde uma espacialidade e que estas duas dimensões

se dão concomitantemente, ou seja, de modo integrado: uma não existe sem a outra.6

Este é um ponto importante a ser explorado.

O modo de pensdr — que pode ser compreendido como teoria e como método — encaminhado por Fernand Braudel não apenas permite que se perceba a presença da geografia no âmbito do exercício analítico de natureza histórica, mas, através dos argumentos que aqui se desenvolvem, permite encaminhar um modo de pensdr d

geogrdfid. Não se trata de um método, no sentido empírico da palavra.7 Não se trata de

uma metodologia originária da história a ser aplicada na geografia. Trata-se de recolher, desse modo de pensar a história (que incorpora a geografia), um modo de pensar a geografia. Por tal motivo é que se diz, desde o título do presente estudo:

dportes teóricos pdrd d geogrdfid — através do foco a ser dado na dimensão espaço- temporal em Fernand Braudel.

Por outro lado, o recorte temporal não se pauta por uma cronologia lógica linear, como pode parecer, talvez, para alguns. As temporalidades da longa, média e curta duração convivem no presente; é no tempo presente e, a partir dele, que se volta o olhar para aquilo que foi constituído na longa, na média e na curta duração e que continuam se constituindo no tempo-presente:

Rabiscamos o movimento da história no presente. Será incompreensível dizer que somos, simultaneamente, passados, presentes e futuros vividos e imaginados? xigo todos os tempos no plural porque selecionamos momentos em todos os tempos. Assim, contextualizados, coletivamente, somos, de alguma maneira,

6 Está, aqui, novamente, a presença indiscutível da geografia nos interiores da história.

7 Para um aprofundamento acerca da discussão que envolve a questão do método, sugere-se,

portadores de passados, de presentes sobre os quais transbordam futuros. O nosso discurso parece ser invadido por um toque ficcional? Vivemos o futuro no presente? Os historiadores para que se percebam produzindo ciência, necessitam de distanciamentos temporais e, do presente, voltam os seus olhos para o passado. Assim, os historiadores convencionais percebem as transições. Entretanto, a arrogante percepção analítica, dita científica, também produzida por muitos historiadores, está sempre irremediavelmente amarrada ao presente. A imagem que construímos do passado é condicionada pelo que vivemos no presente. Portanto, penso a existência, apenas, da história contemporânea. Não me convence o referido distanciamento e, tampouco, frente a tais argumentos, me conformo com a impossibilidade, proferida por historiadores, de produzirem a história do presente. (HISSA, 2011, p. 258).

Esta é uma leitura que se pode desenvolver acerca da epistemologia da história; e, assim, dos seus métodos de interpretação. Ela está articulada às temporalidades de Fernand Braudel que se sobrepõem às espacialidades ou às territorialidades. Na mesma medida em que as temporalidades se distinguem, elas se dão e atuam no tempo-presente. O tempo-presente se dá na esfera do lugar, mas, no entanto ele é referenciado por esferas espaciais/temporais que se dão como círculos concêntricos em torno do lugar e que atuam sobre ele.

A convergência entre História e Geografia, dois campos disciplinares supostamente autônomos — que com a própria história da construção do pensamento científico também construíram distanciamentos a despeito das óbvias proximidades —, portanto, pode ser percebida ou compreendida a partir dessa breve menção que, por sua vez, não é uma metáfora: o tempo-presente se dá nd esferd do lugdr; ou, o tempo-presente

se dá no âmbito dds territoridlidddes. O tempo-presente é o lugar onde se faz a co-presença dos sujeitos, como observa Milton Santos (2008), assim como a vizinhança, a solidariedade e a possibilidade da comunhão — como potencialidades transgressoras e oponentes ao modo hegemônico de viver8 ou, mais precisamente, às racionalidades

impostas pela ordem global. É assim, portanto, que o denominado tempo-presente dá- se nos lugdres-territórios, onde existem possibilidades de compreensão história acerca de processos de transformação socioespacial.

A referida convergência entre História e Geografia, entretanto, não se dá exclusivamente pelos motivos sublinhados. Trata-se, além disso, talvez, mais do que uma convergência. Há quem possa dizer que História e Geografia jamais poderiam ter sido apartadas? É certo que há a presença da Geografia Física que, além de promover uma cisão epistemológica no interior da própria Geografia, produz, certamente, alguns distanciamentos — referentes às distinções acerca da natureza dos objetos — entre a Geografia e a História. É certo, também, que a outrora ativa História Natural bem poderia, como no passado, testemunhar as possibilidades muito ricas, nesse campo, de entrelaçamentos envolvendo a Geografia e a História. Entretanto, na modernidade, nos espaços modernos construídos pela universidade, não existem, em profusão, possibilidades de reencontro entre conhecimentos científicos que mal se reconhecem no presente. Pelo contrário, são muito circunscritas ou limitadas as possibilidades de atravessamento interdisciplinar. Ainda assim, poder-se-ia afirmar que Geografia e História, ao longo do percurso construído pela ciência moderna, fazem alguns caminhos de proximidade. Mais do que isso, talvez, poder-se-ia afirmar que certas geografias e certas histórias, mais do que convergir, estão superpostas: tempo e espaço fazem única categoria. Como pensar a existência de uma sem a outra (quando, na modernidade, pensamos as duas em separado)?

Na contemporaneidade, tempo e espaço se apresentam de forma indissociável: é o que poderia ser dito, mas não é o que se confirma por meio do processo de fragmentação do conhecimento científico. Pelo contrário. O processo de parcelamento disciplinar obstrui a possibilidade de compreensão explícita do caráter indissociável envolvendo espaço e tempo — ainda que tal parcelamento, que diz respeito à construção dos limites entre disciplinas, como já se observa, seja artificial9 e um

movimento que atende, principalmente, às demandas efêmeras de um mercado instável. Entretanto, talvez, seja mais acertada a presente síntese que se refere à questão: “não se podem definir os domínios da temporalidade moderna nem os da territorialidade dos tempos modernos”.10 xiante disto, faz-se necessário levantar as

diversas questões que possam atuar por sobre o objeto definido, recortado. Para tanto,

9 Cf. TAVARES; HISSA (2011). 10 HISSA, 2010b.

em princípio, e em conformidade com os objetivos da presente pesquisa — uma leitura do mundo dos tempos e dos espdços, dentre tantas possíveis —, sirvo-me da interpretação fornecida por Fernand Braudel.

As temporalidades apresentadas por Fernand Braudel abrem novos caminhos — ou, talvez, mais precisamente, outros percursos epistemológicos — para a compreensão de um objeto. A noção das temporalidades nos informa sobre a consistência das coisas, dos nossos objetos. É a constatação de que para entendermos as ações humanas e o que delas decorre é preciso buscar a sua interpretação crítica e criativa, concomitantemente em suas origens remotas, em seus aspectos estruturais e em suas condições imediatas. Apenas uma pesquisa superficial e simplista poderia se ater à aparência primeira dos fatos, que não é de se desprezar, mas que explica muito pouco sobre o modo como eles foram engendrados e em que condições se estabeleceram. É preciso incluir, considerar, toda a diversidade de aspectos correlatos: geográficos ou espaciais, culturais, econômicos e políticos. A longa duração, pertinente às questões estruturais, explica as questões mais intrínsecas e definidoras de um objeto permitindo-nos conhecer a sua essência, aquilo que constitui a sua matéria mais profunda. Ela está relacionada a um tempo lento, em que as mudanças ocorrem gradual e lentamente.

A média duração, pertinente às questões conjunturais, econômicas e sociais, explica as questões constitutivas de um objeto à medida que ele se constrói na sua relação com o mundo em um nível afeto à vida material, à organização social do trabalho e à conformação do quadro institucional e cultural de uma sociedade. Ela está relacionada a um tempo médio, em que as mudanças podem ocorrer em porções de tempo que podem variar entre poucos e muitos anos. São, no entanto, mudanças de forte impacto sobre as sociedades trazendo novos arranjos culturais, econômicos e sociais.

A curta duração relaciona-se com o tempo individual e com o tempo presente dos acontecimentos. São manifestações daquilo que se engendrou na longa e na média duração sendo por elas explicadas. No entanto, a curta duração está ligada ao poder criativo de um ente social (indivíduo ou grupo de indivíduos), que efetiva uma ação, naquele momento estudado, na medida em que põe em prática uma vontade, que, em geral, é coletiva.

Retornaríamos, ainda, muito ligeiramente, às reflexões que se podem fazer acerca dos significados do tempo-presente: ele se dá nos lugares; ele se refere às temporalidades de curta duração. Talvez, essa relação possa ser mais explícita, aqui, entre espaço e tempo e, também, entre Geografia e História. Entretanto, ainda cabem reflexões a serem estendidas por meio de leituras, pesquisas e exercícios de caráter epistemológico de modo a explicitar as reldções de constituição11 entre Geografia e

História — entre espaço e tempo, portanto — a partir do foco a ser encaminhado para as temporalidades de média e de longa duração. Como perceber e compreender a Geografia — espacialidades e territorialidades — a partir de temporalidades que não sejam as de curta duração, ou que não sejam articuladas ao tempo-presente?