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2.1 A abordagem etnográfica na pesquisa educacional

O desafio para alcançar os objetivos propostos nesta pesquisa esteve intimamente relacionado ao desafio de definir os procedimentos metodológicos. Por se tratar de um trabalho com o propósito de investigar as expectativas e os significados da alfabetização para adultos egressos do Projeto de Ensino Fundamental de Jovens e Adultos 1º Segmento (Proef-1), tendo como foco a perspectiva do sujeito alfabetizado, a partir da análise integrada de seus relatos, vemos a necessidade de recorrer a estudos sobre os procedimentos de coleta de dados na pesquisa do tipo etnográfico. A decisão de recorrer aos pressupostos da etnografia nesta pesquisa justifica-se pelo fato de seus princípios orientadores também serem aplicados em estudos que se propõem investigar as ações e as interações estabelecidas pelos sujeitos em ambientes fora do contexto escolar.

No decorrer do processo de investigação, recorremos a determinadas estratégias de coleta de dados eleitas à luz de reflexões teóricas, a fim de tornar coerentes as escolhas e o direcionamento do trabalho. Os estudos de Green, Dixon and Zaharlick (2005); André (2005); Peirano (1995); e Healt (1982) sobre a etnografia e seu desenvolvimento no campo educacional orientaram a escolha de alguns instrumentos, como a entrevista, a ida ao campo, a observação e a descrição. A escolha desses instrumentos implicou a compreensão dos aspectos que caracterizam um estudo do tipo etnográfico. Ter em mente os princípios dessa linha de investigação foi importante, uma vez que há sempre o risco de se confundi-la com a etnografia no sentido estrito.

O debate em torno do significado da etnografia não é recente. No início dos anos 80 do século XX, num estudo intitulado Ethnography in

Education: defining the essentials, desenvolvido a partir de idéias colhidas num

seminário sobre etnografia, Health (1982) indaga sobre o significado da etnografia e problematiza as características fundamentais que identificam um estudo etnográfico. Tais questões são discutidas num momento em que os

pressupostos da teoria etnográfica foram disseminados no campo da pesquisa educacional. Nesse trabalho, a autora em questão aponta os eixos que diferenciam a etnografia, no sentido pleno do termo, dos estudos etnográficos — desenvolvidos em qualquer espaço institucional, como, por exemplo, escolas, hospitais, etc. — que fazem uso de alguns dos métodos e teorias da etnografia. Ao afirmar que os métodos e as teorias usados pelos antropólogos são os diferenciadores da etnografia pura dos estudos etnográficos, Health apresenta os princípios da pesquisa etno-histórica, da unidade de estudo, do

trabalho micro-etnográfico, das investigações lingüísticas e da análise de artefatos, e indica como alguns desses métodos podem ser aplicados na

pesquisa etnográfica na educação.

A discussão sobre a lógica etnográfica de investigação tem gerado um conjunto de críticas de trabalhos que se intitulam “etnográficos”. Tradicionalmente, os educadores têm-se apropriado dos métodos etnográficos sem a devida compreensão das bases teóricas, dos propósitos e das metas assumidos pelos antropólogos. Pesquisas de observação somadas à utilização de certos métodos qualitativos têm sido consideradas suficientes para serem qualificadas como etnográficas.

Green, Dixon and Zaharlick (2005) defendem que é possível falar em etnografia e educação, enquanto abordagem de pesquisa, e apresentam a etnografia como um modo de fazer pesquisa, organizada em certos procedimentos e pautada numa concepção de cultura. As autoras apontam alguns princípios considerados fundamentais para entender a etnografia em educação, enquanto lógica de investigação: a etnografia deve ser entendida como o estudo da cultura e envolver uma perspectiva contrastiva e holística.

O estudo de práticas culturais, de acordo com Green, Dixon and Zaharlick, busca a compreensão de padrões culturais e das práticas cotidianas do grupo. Mais do que a simples descrição dos acontecimentos, a idéia é compreender o significado social dos fatos. É o estudo do grupo sob a ótica da

perspectiva êmica22.

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De acordo com as autoras em questão, ERICKSON, F. (1986), em Qualitative research, afirma que o desenvolvimento da etnografia se deu, sobretudo, com o surgimento da antropologia como disciplina, no século XIX, somado aos interesses da expansão colonial pelas nações colonizadoras. Relatos mais detalhados e completos dos exploradores acerca das comunidades remotas da África e da Ásia tornaram-se mais detalhados e completos,

A busca do etnógrafo da educação está em tornar visíveis práticas cotidianas internalizadas no grupo e, portanto, tomadas como “naturais”. Para tanto, é necessário mergulhar num processo de estranhamento do que é percebido como comum, em busca de uma teoria da cultura construída no interior das práticas sociais. A construção da teoria da cultura está atrelada à lógica de investigação, tanto na história intelectual do etnógrafo que se

posiciona como membro, quanto na ecologia intelectual23 da qual faz parte.

Quando se considera uma perspectiva contrastiva, estamos tratando de modo a tornar visíveis diferentes aspectos e práticas no interior de uma dada cultura. Segundo as autoras em questão, há três formas de materializar a perspectiva constrastiva no trabalho de pesquisa: utilizando a triangulação (dados-métodos-teoria); considerando a relevância contrastiva, que permite observar e explicar práticas e processos êmicos, ou seja, o conhecimento

cultural no grupo; e identificando os pontos relevantes24, fatos que se tornam

visíveis por meio das diferenças de enquadre.

No que se refere à perspectiva holística, Health (1982) já alertava sobre as dificuldades de os estudos etnográficos delimitarem as fronteiras que separam uma comunidade analisada das demais comunidades, ou seja, de se estabelecer um elo entre as questões singulares e o contexto geral (generalização). Para Health, o desafio da etnografia está em estabelecer o

ganhando configuração científica. Ao final do século XX, a descrição minuciosa sobre “o que era o grupo” e não “o que deveria ser mudado no grupo” passa a se constituir num critério definidor da “boa” prática etnográfica no trabalho de campo. DOBBERT (1984), no estudo intitulado Ethnographic research: Theory and application for modern schools and societies, discute que, até os anos 1960, na prática da observação, imperava a perspectiva do etnógrafo. A descrição do grupo se dava sob a ótica de um estranho, diferente da perspectiva que toma o ponto de vista dos integrantes do grupo na compreensão dos fenômenos. Desse modo, a perspectiva ética remete à descrição pura dos fatos, sob a ótica do pesquisador, enquanto que na perspectiva êmica, o pesquisador toma o significado que os participantes atribuem às suas ações sem estabelecer julgamentos. O processo descritivo na pesquisa etnográfica está em constante busca da perspectiva êmica (ver GREEN, DIXON and ZAHARLICK, Pp. 23-24).

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O conceito de ecologia intelectual foi proposto por TOULMIM, S. (1972) em Human

uderstanging e remete à idéia de que o conhecimento científico é constituído nas relações junto

a membros de uma comunidade que compartilham formas de agir, pensar, fazer ciência. O argumento de Toulmim é que não existe uma ciência, mas “ciências” construídas pelos grupos que compartilham idéias semelhantes. A ciência é constituída pelo grupo que cria um conjunto coletivo de conceitos, práticas e ações e que são adotados em comum. A teoria, para ser válida, necessita ser aceita pela comunidade, e os participantes da ecologia intelectual definem maneiras de lidar com o saber e produzir conhecimento. Para melhor detalhamento da questão, ver GREEN, DIXON and ZAHARLICK, Pp.19-21.

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Pontos relevantes na etnografia são os diferentes pontos de vista, compreensão, interpretação no âmbito das práticas culturais. “São pois, aqueles em que as diferenças de

entendimento, ação, interpretação e/ou participação se tornam marcadas” (GREEN, DIXON

diálogo entre as situações observadas no grupo pesquisado com outros contextos.

Entender que a etnografia envolve uma perspectiva holística, de acordo com Green, Dixon and Zaharlick (2005), é considerar que o estudo do grupo perpassa a compreensão das relações estabelecidas entre parte-todo. A questão que se coloca, porém, é mais abrangente, uma vez que a dificuldade está no entendimento do significado de todo. O todo pode ser uma comunidade ou parte de um conjunto que se identifica numa unidade social. Sua dimensão, portanto, não é limitada. No interior de uma comunidade, podem ser identificados diferentes todos.

Erickson (apud Green, Dixon and Zaharlick) considera que “o todo” não é o tamanho da unidade de análise, mas é a unidade de análise que o etnógrafo identifica como “todo”, seja esse todo uma comunidade, um sistema educacional, uma sala de aula ou o começo de uma aula. Nesse sentido, a visão analítica deve levar em conta como as partes se relacionam com esse “todo”. A delimitação dos limites do evento a ser analisado perpassa o conceito da relação parte-todo. A definição desses limites leva em conta como a situação, em termos de aspecto cultural, é tomada pelo grupo. A idéia é perceber como os eventos são localmente realizados no grupo e em seguida compreendê-los, levando em conta outras instâncias mais amplas.

Outro aspecto que merece atenção nas discussões acerca de pesquisas do tipo etnográfica refere-se à ida ao campo. De acordo com Green, Dixon and Zaharlick (2005), o trabalho de campo etnográfico envolve uma abordagem interativa-responsiva como lógica-em-uso. Isso significa que as decisões não são tomadas, a priori, sem que antes ocorra o contato com os membros. As decisões são tomadas, portanto, somente após o início da coleta dos dados e a análise, após seu término.

Mas que relações há entre a pesquisa de campo e a etnografia? Quais as críticas dirigidas às pesquisas de natureza etnográfica? Por que o debate em torno da etnografia é polêmico? Onde estão situadas a pesquisa de campo e a etnografia no contexto da pesquisa científica brasileira? Essas questões são debatidas por Peirano (1995), no ensaio A favor da etnografia, cujo título já revela o ponto de vista da autora em defesa da etnografia como lógica de investigação. Tal defesa está ligada à busca de uma verdadeira etnografia, que

será alcançada com a retomada da abordagem comparativa e a criação de um novo tipo de escrita antropológica, princípios estes defendidos por Nicholas

Thomas25.

Peirano (1995) discute cinco argumentos que consagraram N. Thomas como grande crítico da etnografia tradicional: 1- a interpretação antropológica está centrada no estudo “dos outros”, sendo esse “outro” entendido como “ser diferente” e exótico; 2- a pesquisa de campo e a descrição etnográfica (ambas de natureza política) fabricam essa idéia do “outro”, homogeneízam-no e negam o significado de sua cultura; 3- a antropologia não está livre de problemas, daí a necessidade de eleger uma nova forma de escrita; 4- a noção de exótico deve ser criticada; 5- a antropologia comparativa (fora dos moldes da comparação positivista) deve ser retomada, com a criação de um novo tipo

de escrita antropológica (relacionando o geral com o local)26.

A reflexão de Peirano (1995) sobre esses argumentos é feita a partir do resgate das obras de Malinowski e de Evans-Pritchard, clássicos da literatura etnográfica. Ao focalizar a questão da co-autoria etnográfica — em Malinowski — e da visão da etnografia como tradução e da metodologia

concebida como impacto — em Evans-Pritchard —, a autora destaca que N.

Thomas vê a necessidade de se pensar em um processo de reinvenção da história teórica da antropologia, já que uma análise mais minuciosa dos textos sobre pesquisa de campo revela a reprodução de questões de ordem teórica e metodológica do início do século XX, as quais são tomadas como originais pelos antropólogos. Essas questões constituem nos problemas inerentes à

etnografia, que estão associados ao modelo canônico27 que impera na maneira

de entender a disciplina.

Peirano (1995) afirma que “nem todo bom antropólogo é

necessariamente um etnógrafo” (p.48), já que muitos não incorporam ao seu

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Considerado um “rebelde” na comunidade científica, principalmente pela produção da polêmica obra Against ethnography, N. Thomas é um dos principais teóricos pós-modernos (se não o principal) preocupado com o modo como os antropólogos anglo-saxões têm estudado tradicionalmente as sociedades coloniais. Diante da repercussão de seu pensamento, Peirano realiza uma Análise do Discurso de sua obra, retomando os principais aspectos que caracterizam a etnografia bem como seus problemas. Para uma discussão dessa questão, ver PEIRANO, 1995, Pp. 31-33.

26

Ver PEIRANO, 1995, Pp. 35-36.

27

O modelo canônico se fixa nas pesquisas de campo que, orientadas por teorias totalizadoras, realizam análises locais de eventos tomados como exóticos (ver PEIRANO, 1995, p.37).

trabalho a pesquisa de campo, um dos principais eixos constitutivos da etnografia. Sua preocupação está na tendência de uma teoria geral da cultura ocidental se sobrepor ao aspecto microscópico e artesanal da pesquisa

antropológica. Ao resgatar o pensamento de Edmund Leach28, adverte do

problema da diferença entre o “nós” e o “eles” ainda prevalecer nos estudos dos antropólogos.

No que se refere ao contexto brasileiro, de acordo com Peirano, a problemática da diferença materializada no “nós” em contraposição ao “eles” ainda prevalece no meio acadêmico, sendo apenas identificado numa outra perspectiva: diferente dos EUA e Europa, que se adentram em comunidades longínquas, no Brasil o estudo está centrado em “nós mesmos” e, nesse sentido, a idéia da diferença é construída diante da busca das “especificidades” dos grupos sociais.

Peirano vê a possibilidade de uma outra disciplina, como a psicanálise, contribuir no estudo etnográfico e de os dados etnográficos antropológicos se constituírem em alvo de reanálise. Ao antropólogo é dada a possibilidade de uma nova configuração interpretativa aos dados, e a incompletude dos estudos é vista positivamente em detrimento das análises fechadas. E, conforme Michael Fischer, “mesmo nas repetições históricas há algo novo que, com

sorte, pode ser vislumbrado” (Peirano, 1995, p.35).

Ainda a respeito da abordagem etnográfica, André (2005) afirma que a diferença entre a etnografia desenvolvida pelos etnógrafos e pelos estudiosos da educação está no foco de atenção dos pesquisadores: enquanto os primeiros preocupam-se com a descrição da cultura de um grupo (práticas, valores, linguagens, crenças, significados), os segundos se debruçam no processo educativo. “O que se tem feito, pois, é uma adaptação da etnografia à

educação, o que me leva a concluir que fazemos estudos do tipo etnográfico e não etnografia no seu sentido estrito” (p.28).

Diante dessa diferença de enfoque, certos procedimentos da etnografia não necessitam ser aplicados à pesquisa em educação, tais como a longa permanência no campo, o contato com outras culturas, a utilização de amplas categorias de análise de dados. Quanto ao tempo de imersão no

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campo, a autora também destaca que a presença do pesquisador será maior ou menor em função dos objetivos específicos do trabalho e, portanto, dependerá da sua disponibilidade, da sua experiência em trabalho de campo ou mesmo da sua aceitação pelos participantes do estudo.

André (2005) reitera os pensamentos de Health (1982) e Peirano (1995), ao afirmar que um trabalho pode ser apresentado como de natureza etnográfica quando o pesquisador faz uso de determinadas técnicas associadas à etnografia, como a observação participante, a entrevista e a análise de documentos. Subjacente ao uso dessas técnicas, há o princípio da interação constante entre o pesquisador e o objeto pesquisado, sendo o pesquisador o principal instrumento de coleta e análise. Nessa perspectiva, o instrumento humano, ou seja, o pesquisador se coloca numa posição ativa frente aos dados, fazendo uso das melhores técnicas de coleta, podendo rever as estratégias adotadas ao longo do desenvolvimento da pesquisa.

O estudo em questão parte da utilização de instrumentos da etnografia, cujo objetivo é, tendo como referência relatos singulares, estabelecer uma análise qualitativa do processo. Busca-se localizar, no interior das peculiaridades de cada sujeito pesquisado, aspectos que possam contribuir para desvelar os significados da alfabetização para adultos, inseridos num contexto urbano letrado, e, desse modo, compreender as razões que levaram os sujeitos a deixarem a escola. Especial atenção é dada a episódios referentes às práticas de letramento exercidas antes e após o processo de alfabetização e às novas relações estabelecidas nos diferentes espaços sociais em que ocorre o uso da leitura e da escrita.

2.2 Os participantes da pesquisa e o processo de coleta de dados

Frente às possibilidades de exploração da abordagem etnográfica, esta pesquisa foi conduzida por um trabalho de campo, em que foram feitas visitas aos locais de trabalho e às residências dos participantes, a fim de observar as interações em sua manifestação natural. É importante destacar que os primeiros contatos com os sujeitos ocorreram no segundo semestre de 2005, ainda na fase exploratória da pesquisa, momento em que se deu a seleção dos participantes.

A princípio houve o interesse de selecionar um grupo heterogêneo, composto por pessoas tanto do sexo masculino quanto do feminino e que fizessem parte da comunidade interna e externa da UFMG. Além dessa heterogeneidade, era fundamental um ponto em comum entre os participantes: todos deveriam ter sido alfabetizados no Proef-1 e evadidos tão logo tivessem adquirido as habilidades básicas da leitura e da escrita. Nesse primeiro momento, foram selecionadas quinze pessoas em potencial.

Ao longo da atividade de investigação, os critérios iniciais para a escolha dos participantes da pesquisa tiveram que ser reavaliados, tendo em vista algumas questões pertinentes. Destacamos, inicialmente, o problema da localização dos ex-alunos, uma vez que alguns dados presentes nas fichas de matrícula se encontravam desatualizados. A maior dificuldade estava na localização das pessoas da comunidade externa ou que prestaram serviços na Universidade por meio de empresas terceirizadas, ao contrário do que ocorreu nas tentativas de localização dos funcionários efetivos da UFMG.

Os contatos com os funcionários efetivos se deram por telefone e, em seguida, pessoalmente, no intuito de esclarecer os objetivos do trabalho e obter a autorização de participação no estudo. Inicialmente foram selecionados seis participantes, no entanto, ainda na fase exploratória, o silenciamento de um dos sujeitos frente às tentativas de contato indiciou o não interesse de participar da pesquisa.

Graue and Walsh (2003) trazem importantes contribuições a respeito da questão da ética no campo da investigação. A abordagem da ética adotada pelos autores centra-se no plano do respeito aos sujeitos pesquisados. Ao

tomar a ética como “ser justo”, remetem a Bruce Jackson29, que vê a

importância de colocar-se na posição do sujeito sempre que houver dúvidas se determinada ação é ética ou não. Imaginar-se envolvido em uma situação e sentir-se como mera amostra de estudo de que não queira participar é sinal de que não se deve submeter o outro às mesmas condições.

Graue and Walsh chamam a atenção para a necessidade de se obter a permissão do sujeito ou grupo pesquisado, uma vez que é “a permissão que

permeia qualquer relação de respeito entre as pessoas” (p.76). A princípio essa

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permissão seria negociada entre pesquisador e participante, no entanto, isso não costuma ser observado quando os sujeitos da pesquisa são crianças. Nas relações estabelecidas em nossa sociedade, são os adultos que detêm o poder, dão a permissão e fixam as regras. A crítica dos autores centra-se, portanto, no problema da nossa cultura não tomar o ponto de vista da criança que, na maioria das vezes, não é consultada (mas, sim, seus pais) sobre o desejo de fazer parte de um estudo.

Mesmo focalizando a questão ética na perspectiva da investigação com crianças, é possível transpor as discussões de Graue and Walsh para esta pesquisa. O comportamento ético está ligado à atitude que se leva ao campo e implica a interpretação subjetiva dos fatos. Assim, mesmo que o desejo de não fazer parte da pesquisa não tenha sido explicitado por um dos sujeitos eleitos, as ligações telefônicas não retornadas, as justificativas apresentadas para não receber a pesquisadora em sua residência, como a falta de tempo e o excesso de trabalho, se configuraram em indícios da sua decisão de não ser incluído no estudo. Coube a nós apenas respeitar a sua vontade e não estabelecer julgamentos sobre a sua recusa.

A tentativa de eleger somente pessoas que foram alfabetizadas no Proef-1 também se configurou num problema durante o processo de seleção dos participantes. Isso porque há que considerar as dificuldades de se delimitar a fronteira que separa o alfabetizado e o não alfabetizado.

Se a inserção do usuário efetivo no mundo da escrita se dá pela alfabetização (aquisição de uma tecnologia) e pelo letramento (o desenvolvimento de habilidades que garantem o uso efetivo dessa tecnologia)

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