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Neste cap´ıtulo, eu apresentei e discuti: (i) o que s˜ao modelos de l´ıngua baseados no uso; (ii) duas teorias de mudan¸ca lingu´ıstica baseada no uso – a

teoria de sele¸c˜ao de enunciados proposta por Croft(2000) e teoria proposta

por Mufwene(2008); (iii) os avan¸cos recentes no que diz respeito `a modelagem

matem´atica da mudan¸ca lingu´ıstica, que tem sido realizada por linguistas em parceria com f´ısicos sociais; (iv) as contribui¸c˜oes dos estudos relacionados a fenˆomenos de hipercorre¸c˜ao/hiperacomoda¸c˜ao realizados no ˆambito da sociolingu´ıstica; (v) e, por fim, trabalhos recentes realizados sob o r´otulo de terceira onda de investiga¸c˜ao sociolingu´ıstica, que enfatizam o dinˆamico processo de constru¸c˜ao do significado social da varia¸c˜ao lingu´ıstica.

A ideia central do cap´ıtulo, portanto, ´e a de que o conhecimento lingu´ıstico individual armazenado est´a constantemente sendo reatualizado a partir do uso da l´ıngua, o que significa que:

Nada entra na l´ıngua sem ter sido antes experimentado na fala e todos os fenˆomenos evolutivos tˆem sua raiz na esfera do indiv´ıduo. Foi preciso que uma pessoa o improvisasse, que outras a imitassem e o repetissem,

at´e que se impusesse ao uso. (Saussure,1995 [1969]: 196)

Embora as ideias saussurianas, do modo como s˜ao tradicionalmente in- terpretadas e propagadas, pare¸cam incomp´ativeis com as ideias de teorias

baseadas no uso,34 algumas passagens do Curso de Lingu´ıstica Geral [CLG]

revelam um Saussure mais dinˆamico e que admite a constante remodela¸c˜ao da l´ıngua atrav´es da fala, tais como:

Sem d´uvida, esses dois objetos est˜ao estreitamente ligados e se implicam

mutuamente; a l´ıngua ´e necess´aria para que a fala seja intelig´ıvel e

produza todos os seus efeitos; mas esta ´e necess´aria para que a l´ıngua

se estabele¸ca; historicamente, o fato da fala vem sempre antes (...) ´e ouvindo os outros que aprendemos a l´ıngua materna; ela se deposita

em nosso c´erebro somente ap´os in´umeras experiˆencias. (Saussure, 1995

[1969]: 27)

34

Saussure ´e, inclusive, citado por te´oricos baseados no uso para destacar a mudan¸ca no foco de in- vestiga¸c˜ao lingu´ıstica nas ´ultimas d´ecadas, j´a que estudos da l´ıngua em uso conquistaram um espa¸co importante nas agendas de pesquisa da Lingu´ıstica apesar de tradionalmente o objeto de investiga¸c˜ao lingu´ıstica ter sido a l´ıngua.

Outro exemplo dessas passagens ´e a afirma¸c˜ao de que a l´ıngua ´e um “tesouro depositado pela pr´atica da fala em todos os indiv´ıduos pertencentes

`a mesma comunidade”(Saussure, 1995 [1969]: 21), que sintetiza o postulado

central das teorias baseadas no uso de que a l´ıngua se constr´oi a partir da experiˆencia concreta com a l´ıngua. As marcas que se formam nos indiv´ıduos podem ser entendidas como os esquemas que emergem do uso efetivo da l´ıngua, ou seja, as abstra¸c˜oes feitas a partir de instˆancias de uso e que ficam armazenadas na nossa gram´atica com diferentes grau de arraigamento..

Assim, apesar de a leitura canˆonica que se faz do Curso de Lingu´ıstica Geral [CLG] ser a de que Saussure, por considerar a fala o lugar do caos e da vontade individual e a l´ıngua o verdadeiro objeto de estudo da Lingu´ıstica, cavou um abismo entre l´ıngua e fala, ´e interessante verificar que algumas passagens do CLG – ainda que poucas – resumem a proposta central dos modelos de l´ıngua baseados no uso e, mais especificamente, os pressupostos te´oricos que norteiam este estudo.

Cap´ıtulo 2

Infinitivo flexionado

A flex˜ao do infinitivo, que entre as l´ınguas romˆanicas ´e poss´ıvel apenas em portuguˆes, tem intrigado aqueles que procuram propor regras para orientar a

escolha entre as formas flexionada e n˜ao-flexionada. Cunha & Cintra(2008),

por exemplo, diante da complexidade envolvida nesse peculiar fenˆomeno da l´ıngua portuguesa, admitem que quase todas as regras propostas parecem ser insuficientes.

Entretanto, de acordo com Theodoro Henrique Maurer Junior, cujo tra- balho sobre a origem e sintaxe do infinitivo flexionado ´e considerado uma das melhores contribui¸c˜oes para o estudo do fenˆomeno, a complexidade ´e apenas aparente. Para ele, ´e poss´ıvel identificar regras fixas e claras “no emaranhado aparentemente t˜ao confuso do emprego do infinitivo flexionado e

do invari´avel”(Maurer Jr, 1968: 133). Maurer prop˜oe que, uma vez entendida

a origem do infinitivo flexionado portuguˆes, seu emprego se torna l´ogico e simples.

Sendo assim, para fundamentar a investiga¸c˜ao sincrˆonica desse fenˆomeno em portuguˆes brasileiro, inicio este cap´ıtulo apresentando a vis˜ao de Maurer a respeito da origem e da propaga¸c˜ao do fenˆomeno desde sua cria¸c˜ao. Em

seguida, `a luz das regras que tˆem sido propostas para guiar o emprego da flex˜ao no infinitivo, apresento e discuto o que eu chamo de constru¸c˜oes inst´aveis – constru¸c˜oes infinitivas cuja varia¸c˜ao j´a havia sido atestada por Maurer, bem como dados colhidos por integrantes do grupo LLIC desde o in´ıcio de 2009. Com isso, pretendo demonstrar que a complexidade do fenˆomeno n˜ao ´e apenas

aparente como afirma Maurer, mas que, como admitiram Cunha & Cintra

(2008), estamos diante de uma quest˜ao em aberto. Por fim, encerro o cap´ıtulo

com a delimita¸c˜ao das constru¸c˜oes inst´aveis cuja varia¸c˜ao ´e quantificada neste estudo de corpus.

2.1

Sobre a origem do infinitivo flexionado

Para Maurer, o infinitivo flexionado ´e um infinitivo que recebeu desinˆencias

verbais ap´os ter recebido um sentido pessoal (Maurer Jr, 1968: 68). O infini-

tivo teria adquirido pessoalidade por admitir sujeitos nominativos, conforme ilustram os exemplos abaixo:

(1) Ter eu sa´ude ´e bom. (p. 68)

(2) Ter ele sa´ude ´e bom. (p. 68)

Assim, uma vez que o sujeito nominativo conferiu `as formas infinitivas um sentido pessoal, Maurer explica que os falantes teriam transferido, por analogia, as flex˜oes do futuro do subjuntivo nos verbos regulares, constituindo, assim, as formas flexionadas: termos n´os, terem eles, terdes v´os.

O infinito com sujeito no caso nominativo precedeu certamente o infinito

flexionado e foi, sem d´uvida, o fator decisivo de seu aparecimento. (p.

70)

Essa transferˆencia que aconteceu no portuguˆes mas n˜ao em espanhol pode, segundo Maurer, estar relacionada `a alta frequˆencia de uso da forma pessoal do infinitivo no portuguˆes na faixa ocidental da Pen´ınsula Ib´erica, o que pode ter sido um fator decisivo para a cria¸c˜ao da forma flexionada na l´ıngua portuguesa. Para Maurer, por´em, outro fator importante para a emergˆencia

Construc¸˜oes inst´aveis

da forma infinitiva flexionada apenas em Portugal ´e a identidade parcial entre as formas do futuro do subjuntivo e do infinitivo na primeira e terceira pessoas do singular existente no portuguˆes, mas n˜ao no espanhol:

Tabela 2.1 Futuro do subjuntivo e Infinitivo em Portuguˆes

Futuro do subjuntivo Infinitivo

1p sing se eu falar para eu falar

3p sing se ele falar para ele falar

Tabela 2.2 Futuro do subjuntivo e Infinitivo em Espanhol

Futuro do subjuntivo Infinitivo

1p sing si yo hablare para yo hablar

3p sing si ´el hablare para ´el hablar

Ao ver de Maurer, a identidade parcial em portuguˆes ´e uma explica¸c˜ao vi´avel para a extens˜ao das outras desinˆencias pessoais para o infinitivo e, segundo ele:

N˜ao ´e de admirar que, uma vez criada a forma idiom´atica do infinito

portuguˆes, ela tenha acabado por invadir v´arias constru¸c˜oes nas quais, de acordo com os h´abitos sint´aticos romˆanicos, o infinito impessoal era corrente. (p. 92)

Interessado em investigar a propaga¸c˜ao da flex˜ao no infinitivo, Maurer quantificou seu emprego em textos liter´arios portugueses. Embora o emprego da forma flexionada seja muito antigo, “documentando-se desde os primeiros textos da l´ıngua”(p. 92), o autor verificou que era “extremamente rara a ocorrˆencia da forma flexionada no uso medieval”(p. 93). Apenas no s´eculo XVI, mais especificamente nos textos de Cam˜oes, ´e que foi constatada uma maior frequˆencia de uso da constru¸c˜ao pessoal.

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