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Os estudos socias da varia¸c˜ao lingu´ıstica, segundo Penelope Eckert, tˆem sido realizados a partir de trˆes “ondas” de investiga¸c˜ao sociolingu´ıstica, que n˜ao apenas empregam diferentes metodologias, mas que representam modos

distintos de ver a varia¸c˜ao (Eckert,2005).

Como explica Eckert, de acordo com os estudos que fazem parte da “primeira onda” (first wave), a varia¸c˜ao lingu´ıstica reflete o pertencimento a categorias pr´e-determinadas socialmente, sendo o uso da varia¸c˜ao o parˆametro utilizado para determinar o pertencimento ou n˜ao a essas categorias sociais. Estudos dessa linha de investiga¸c˜ao, que formam a base dos estudos do significado social da varia¸c˜ao, demonstram a distribui¸c˜ao das variantes entre as classes sociais e destacam a relevˆancia da norma-padr˜ao entre as comunidades

de fala (Eckert,2005: 4).

Estudos pertencentes `a “segunda onda”(second wave), por sua vez, em vez de focalizar as categorias demogr´aficas mais amplas, focalizam categorias mais dinˆamicas `a medida que ´e investigada a natureza do significado social local. Ainda que em momentos posteriores esse significado social local tamb´em possa ser relacionado com as estruturas sociais mais amplas, h´a, nessa linha de investiga¸c˜ao, um destaque maior para as estruturas locais.

J´a na “terceira onda”(third wave) de investiga¸c˜ao, da qual Eckert ´e pioneira, procura-se demonstrar que ´e a partir do uso da varia¸c˜ao que as categorias e o

significados sociais s˜ao constru´ıdos. Definido por Campbell-Kibler(2009: 136)

como o “conte´udo social conectado a determinado comportamento lingu´ıstico

na mente do falante/ouvinte”,26o “significado social” das variantes lingu´ısticas

dispon´ıveis, em vez de simplesmente refletir categorias sociais pr´e-definidas, ´e localizado na performance, na atividade lingu´ıstica. Assim, uma vez que o fluxo da vida cotidiana – que inclui altera¸c˜oes individuais, altera¸c˜oes na

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Original: Social meaning, then, is social content tied in the minds of a given speaker/hearer to a particular piece of linguistic behavior

comunidade e nos tempos – ´e cont´ınuo e dinˆamico, a constru¸c˜ao do significado social da varia¸c˜ao ´e igualmente apresentada como um processo em andamento

(Eckert,2005, 2008).

Baseada na ideia de que vari´aveis n˜ao tˆem significados fixos e est´aticos, mas sim diversos significados em potencial, Eckert prop˜oe o conceito de campo indexical (indexical field ), que seria “uma constela¸c˜ao de significados relacionados ideologicamente, alguns dos quais podem ser ativados no uso

situado da vari´avel”.(Eckert, 2008: 453)27

Eckert explica que:

Vari´aveis tˆem campos indexicais e n˜ao significados fixos porque os falantes usam as vari´aveis n˜ao apenas para refletir ou reafirmar o seu lugar pr´e-ordenado no mapa social, mas para fazer movimentos

ideol´ogicos. (Eckert,2008: 464)28

Por meio da reutiliza¸c˜ao estrat´egica de recursos lingu´ısticos, ao que Eckert se refere como um processo de bricolagem, os estilos de cada pessoa v˜ao sendo ajustados de situa¸c˜ao a situa¸c˜ao:

Vari´aveis s˜ao em princ´ıpio associadas a significados bastante abstratos, derivados de padr˜oes de larga-escala em comunidades estratificadas e sobrepostas (imaginadas ou n˜ao). As vari´aveis ent˜ao adquirem significa-

dos mais locais e mais precisos `a medida que s˜ao vivificadas em estilos

reconhecidos localmente, que s˜ao, por sua vez, constru´ıdos atrav´es

de reconhec´ıveis combinac˜oes de recursos compartilhados. (Eckert,

2005: 5)29

Embora as ideias de “bricolagem”e de “movimentos ideol´ogicos” possam sugerir que se trata de escolhas conscientes, a op¸c˜ao pelo emprego de uma ou outra variante depende em certa medida dos conceitos poss´ıveis j´a armazena- dos. Como resultado das cont´ınuas an´alises e interpreta¸c˜oes da fala daqueles com quem interagimos, o que se d´a por meio de nossa habilidade de analisar

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Original: A constellation of ideologically related meanings, any one of which can be activated in the situated use of the variable.

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Variables have indexical fields rather than fixed meanings because speakers use variables not simply to reflect or reassert their particular pre-ordained place on the social map but to make ideological moves.

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Original: Variables come to be associated with fairly abstract meanings, derived from large-scale patterns in layered and overlapping communities (imagined or otherwise). They can then take on more local and precise meanings as they are vivified in locally-recognized, which are, in turn, built on recognizable combinations of shared resources.

O significado social da variac¸˜ao lingu´ıstica

a varia¸c˜ao a nossa volta, emergem esquemas interpretativos (Eckert, 2008).

Em um processo semelhante ao ao arraigamento de estruturas lingu´ısticas na

gram´atica, como discutido por Langacker (2000), tais padr˜oes de pensamento,

resultantes da forma com que os usos s˜ao percebidos e interpretados, podem ser refor¸cados cognitivamente de modo a influenciar usos e interpreta¸c˜oes futuras. Processos cognitivos n˜ao-conscientes, portanto, parecem estar relacionados `a ativa¸c˜ao de um ou de outro significado social.

Segundo Campbell-Kibler (2008), entre alguns dos fatores que podem

influenciar a associa¸c˜ao de determinados conceitos a determinadas variantes, tamb´em est˜ao as informa¸c˜oes que os ouvintes tˆem a respeito de seus interlo- cutores. Isso porque, segundo ela, em uma intera¸c˜ao comunicativa, o ouvinte tem uma certa vis˜ao do falantes, que pode ser fruto de intera¸c˜oes anteriores ou simplesmente de expectativas decorrentes da situa¸c˜ao comunicativa:

As rea¸c˜oes do ouvinte a recursos espec´ıficos da perfomance n˜ao apenas influenciam o comportamento de um determinado falante mas o pr´oprio comportamento futuro do ouvinte em rela¸c˜ao `aquele falante, assim

como seu pr´oprio uso desses recursos.(Campbell-Kibler,2008: 639)30

No entanto, apesar de afirmar que o fortalecimento de esquemas in- terpretativos desempenha um papel crucial na percep¸c˜ao sociolingu´ıstica, Campbell-Kibler explica que:

As percep¸c˜oes s˜ao moldadas por usos e an´alises anteriores de uma

determinada vari´avel, mas n˜ao s˜ao completamente determinadas por

essa hist´oria.(Campbell-Kibler,2008: 639)31

Ou seja, apesar de os significados sociais armazenados influenciarem a forma com que as variantes s˜ao interpretadas, a cada intera¸c˜ao, a cada instante, reinterpreta¸c˜oes e posicionamentos est˜ao acontecendo, podendo emergir novos esquemas. Considerando que n´os, seres humanos, tentamos compreender o significado social das formas lingu´ısticas a cada intera¸c˜ao, Eckert afirma que ´e

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Original: Listener’s reactions to specific resources within a perfomance influence not only the behavior of a given speaker but the listener’s own future behavior toward that speaker, as well as their own deployment of the resources themselves.

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Original: The perceptions are shaped by previous uses and analyses of the variable, but not fully determined by this history.

na intera¸c˜ao di´aria que a varia¸c˜ao produz e adquire significado social (Eckert,

2008: 472).

Desse modo, a flexibilidade do significado social das variantes utilizadas proposta por Eckert ´e resultante das diferentes experiˆencias lingu´ısticas de cada um, o que ´e compat´ıvel com os modelos dinˆamicos de l´ıngua baseado

no uso (ver se¸c˜ao 1.1).32 Por exemplo, embora tradicionalmente a vari´avel

dominante e padr˜ao seja geralmente tratada como n˜ao-marcada enquanto a n˜ao-padr˜ao ´e marcada e possui significado social, Eckert aponta que a pr´opria

marca¸c˜ao ´e t˜ao fluida quanto as comunidades que usam a l´ıngua (Eckert,

2005).

Interessada em investigar como os ouvintes avaliam variantes dispon´ıveis,

Campbell-Kibler (2008) investiga diferentes intepreta¸c˜ao da vari´avel -ing do

inglˆes, mesmo quando usada pelos mesmos falantes, nos mesmos contextos

lingu´ısticos . Por meio de um experimento matched-guised,33 Campbell-Kibler

demonstra que os ouvintes associam o uso da variante velar -ing a conceitos como “educa¸c˜ao”, “inteligˆencia”, “articula¸c˜ao”, estando tal interpreta¸c˜ao associada `a vis˜ao de que a forma velar ´e a forma completa e, portanto, mais trabalhosa, enquanto a forma apical ´e a forma reduzida e demanda menos esfor¸co. Al´em disso, a autora demonstrou que os ouvintes interpretam o uso de -ing a partir da impress˜ao que formam dos falantes, impress˜ao essa

baseada no estilo da fala e no conte´udo do enunciado.

Com base em estudos realizados na ´area da psicologia social (Bargh

& Chartrand, 1999), que demonstram que muitos processos avaliativos e

perceptivos s˜ao realizados automaticamente, Campbell-Kibler diz nem as interpreta¸c˜oes feitas pelos ouvintes nem as inten¸c˜oes dos falantes s˜ao necessa- riamente a¸c˜oes conscientes. Segundo a autora, tais processos podem ter se tornado arraigados de modo que s˜ao feitos automaticamente, embora ainda seja desconhecida a rela¸c˜ao entre tais processos supostamente autom´aticos e

as ideologias e os julgamentos conscientes (Campbell-Kibler, 2008: 641).

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Essa compatibilidade entre as propostas da terceira onda de investiga¸c˜ao sociolingu´ıstica e os modelos dinˆamicos de l´ıngua baseados no uso ´e retomada no cap´ıtulo 5.

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Ap´os ouvir grava¸c˜oes com as diferentes variantes investigadas, neste tipo de experimento, os partici- pantes da pesquisa respondem a um question´ario a respeito de suas impress˜oes a respeito dos falantes na grava¸c˜ao.

Considerac¸˜oes finais

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