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De acordo com Cagliari (1981, p. 101), “o som é uma consoante quando nas cavidades supraglotais ocorre um bloqueio à corrente de ar ou um estreitamento do canal de tal modo que a corrente de ar ao passar por ele produz fricção local”.

Câmara Jr. (1989 [1970], p. 48) afirma que o português constitui-se de 19 fonemas consonânticos, conforme o que se apresenta no quadro abaixo:

Quadro 6: Consoantes do português brasileiro

/p/ roupa /b/ rouba /t/ rota /d/ roda /k/ roca /g/ roga /f/ mofo /v/ movo /s/ aço /z/ azo /ʃ/ acho /ʒ/ ajo

/m/ amo /n/ ano /ɲ/ anho

/l/ mala /ʎ/ malha

/R/ erra /ɾ/ era

Fonte: Adaptado de Câmara Jr. (1989 [1970], p. 48).

Quadro 7: Quadro de consoantes do inglês

Fonema Exemplo Transcrição Fonema Exemplo Transcrição

/p/ Patient /’peiʃnt/ /ʃ/ ship /ʃɪp/

/b/ Bat /bæt/ /ʒ/ treasure /’treʒər/

/t/ Take /teɪk/ /h/ horse /hɔ:rs/

/d/ Day /deɪ/ /x/ loch /lɑ:x/

/k/ Key /ki:/ /tʃ/ chair /tʃer/

/g/ Gate /geɪt/ /dʒ/ jazz /dʒæz/

/f/ Fact /fækt/ /m/ mother /’mʌðər/

/v/ vocal /vəʊkl/ /n/ snack /snæk/

/θ/ Thin /θɪn/ /ŋ/ going /’goʊɪŋ/

/ð/ This /ðɪs/ /w/ walk /wɔ:k/

/s/ Salt /sɔ:lt/ /r/ rent /rent/

/j/ young /jʌŋ/ /l/ small /smɔ:l/

/z/ zebra /zi:brə/

Fonte: Adaptado de OXFORD (2010, versão em CD-ROM).

Pela comparação dos dois quadros é possível perceber que, enquanto o português possui 19 fonemas consonânticos, o inglês possui 25. Isso faz com que os aprendizes de língua inglesa façam adaptações no momento da produção desses fonemas devido ao não conhecimento deles, uma vez que não fazem parte do inventário de fonemas de sua língua materna. Em virtude disso, é que o aprendiz também não consegue distinguir a oposição fonológica que há entre alguns fonemas semelhantes, tratando-os como alofones de um mesmo fonema.

Cagliari (2002, p. 28) também discute esta questão:

é interessante notar o que acontece quando uma pessoa encontra-se diante de uma língua estrangeira. Quando ela desconhece o funcionamento do sistema fonológico desta língua, sua tendência é julgar o que encontra em função do sistema fonológico de sua própria língua. Dessa maneira, o estrangeiro tende a considerar como alofones dos fonemas daquela língua, pela simples razão que, em sua língua, aqueles sons não estão em oposição fonológica. Por exemplo, um falante de Português, que não conhece a Língua Inglesa, pode confundir os fonemas [s] e [θ] ou [z] e [ð], achando que existe oposição apenas entre [s] e [z], como acontece na Língua Portuguesa.

Câmara Jr. (1989 [1970], p. 35) defende que

o grande problema de quem fala uma língua estrangeira não é a rigor a má reprodução dos alofones, mas o de emitir os verdadeiros traços distintivos dos fonemas, sem insinuar, sem sentir os traços distintivos dos fonemas mais ou menos semelhantes da língua materna, às vezes com confusões perturbadoras e cômicas.

Muitos desses sons consonantais representam um grande problema para falantes de PB. Adaptações podem ser observadas na produção da fricativa dental desvozeada /θ/ e na fricativa dental vozeada /ð/. Essas consonantes normalmente são substituídas por outras similares presentes no PB. No caso de /θ/, em início de palavras, como think e thing, a adaptação é feita com a oclusiva alveolar desvozeada [t], talvez por influência da grafia; em alguns casos, pela fricativa labiodental desvozeada [f] ou ainda pela fricativa alveolar [s]. Dessa forma, as pronúncias, que deveriam ser /θiŋk/ e /θiŋ/, acabam sendo realizadas como [ti͂ki] e [ti͂gi] ou [fi͂ki] e [fi͂gi] ou ainda [si͂ki]. Como os falantes do PB não estão acostumados com palavras terminadas com a consoante [ɡ] e [t], há também a tendência de inserir a vogal epentética /i/ no final da palavra (discutiremos melhor os casos de epêntese mais adiante). Quando o fonema /θ/ aparece em final de palavra, o mais comum é que este som seja produzido como a fricativa labiodental desvozeada [f]. Em palavras como bluetooth ['blu:tu:θ], atualmente muito utilizada também no português, a pronúncia ocorre como [blu'tufi]. Neste caso, também há a inserção da vogal epentética /i/.

Outro exemplo de sons problemáticos são as fricativas [s] e [z]. No inglês, elas estão em oposição em final de palavras, ou seja, são responsáveis pela alteração de significado entre uma palavra e outra. As palavras house [haʊs] (substantivo) e house [haʊz] (verbo), por exemplo, apresentam oposição entre si. A primeira, [haʊs], significa “casa, habitação, domicílio, o espaço físico destinado à moradia”; já a segunda, [haʊz], significa “abrigar, morar, viver, habitar”. As duas formas são usadas em contextos semelhantes, mas o que vai distinguir se o falante está pronunciando o verbo ou o substantivo é o fonema final /s/ ou /z/. Em PB, esses fonemas, em final de palavra, não estão em oposição, como nos processos de sandi. Ao pronunciar “mês de agosto”, por exemplo, o /s/ da palavra “mês” é produzido como /z/ por assimilação do traço de vozeamento da consoante /d/, ficando “/mezdiagostʊ/”. O fonema /s/, inclusive, pode se realizar também como [ʃ] e [ʒ], em alguns contextos, como em [meʃ] para “mês”, e como em [meʒmʊ] para “mesmo”, no dialeto carioca.

/s, z, ʃ, ʒ/ são fonemas do português (pois estes dados são pares mínimos que demonstram o contraste fonêmico). A perda de contraste fonêmico entre /s, z, ʃ, ʒ/ em português ocorre apenas em posição final de sílabas e consiste de um caso de neutralização que justifica o fato de /S/ não constar da tabela fonêmica.

Podemos citar, como exemplo desse caso, as palavras mais e trás, que podem ser pronunciadas de maneiras diferentes, mas não têm seu significado alterado. No dialeto carioca, por exemplo, temos [maɪ̯ʃ] e [tɾaɪ̯ʃ]; enquanto que, em outros dialetos, é mais comum [maɪs] e [tɾaɪs]. Em contextos em que aparece uma vogal após o fonema /s/, este é pronunciado como /z/, por causa do processo de ressilabificação como, por exemplo, em “mais amada” [maɪ̯za'mada], “mais emocionante” [maɪ̯zemosio'nɐ̃tʃɪ].

Outro fonema que apresenta diferenças de pronúncia em PB e inglês é o fonema /r/. Em inglês, em palavras com esse fonema (representado pelo grafema <r>), independentemente da posição em que ele apareça (início, meio ou final de palavra), ele será pronunciado como a consoante retroflexa [ɹ]. Em PB, o mais comum é que esse fonema seja pronunciado como uma fricativa, principalmente em início de palavras. A consoante retroflexa aparece em alguns dialetos no PB, mas ela ocorre principalmente em posição de coda (travamento silábico), aparecendo em posição de onset apenas em alguns dialetos como o de Piracicaba/SP, por exemplo. Mesmo em palavras inglesas utilizadas no dia a dia, (como

rock, por exemplo), a opção que se faz é pelo uso da fricativa em início de palavra: [xɔk] ou

[hɔk].

O fonema /ŋ/ também não faz parte do inventário de fonemas do PB. Então é comum que os estudantes de inglês o interpretem como o arquifonema /N/, em palavras como going /’goʊɪŋ/, por exemplo, e o tratem como uma forma de nasalização da vogal anterior, o que é mais comum na língua portuguesa. Os fonemas /n/ e /m/ apresentam um comportamento semelhante em ambas as línguas. Em início de sílabas, o comportamento é igual. Há que se chamar a atenção para o comportamento do fonema /m/ em final de palavras. Em PB, o que acontece é a nasalização da vogal anterior, por isso o falante produzirá o som dessa vogal com uma qualidade mais nasalizada. Em inglês, entretanto, a produção deste fonema se dá de forma diferenciada neste contexto, não havendo nasalização, e deve ser pronunciado de modo a finalizar com os lábios totalmente fechados, como em madam /'mædəm/ e macadam /mə'kædəm/.

Além dos fonemas típicos de cada língua, é preciso também observar como é o comportamento das estruturas silábicas em cada uma delas, uma vez que essa estrutura

também influenciará a pronúncia dos aprendizes da língua estrangeira. Este será o próximo assunto abordado.