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Consolidação da problemática no contexto de análises relacionais do tema

No documento AR EPRODUÇÃO DOL UGAR E OD (páginas 45-50)

1. A COMERCIALIZAÇÃO DE POSSES DE TERRAS EM ASSENTAMENTOS RURAIS COMO TEMA DE PESQUISA.

1.3. Consolidação da problemática no contexto de análises relacionais do tema

De acordo com Raffestin (1993, p. 31), a problemática para um determinado estudo científico deve ser relacional, pois “A existência é tecida por relações, é um vasto complexo relacional [...]”. Segundo o autor, a problemática relacional pode ser, também, um “Mecanismo consistente em determinar, antes de qualquer análise, o estatuto de inteligibilidade capaz de justificar um sistema” (RAFFESTIN, 1993, p. 30). Pensemos o sistema como um conjunto de idéias que estão interligadas por uma lógica coerente. Nesse contexto, a problemática justificaria tal lógica e os

4 Entendemos ser coerente pensar que a organização interna de um assentamento ocorre antes

mesmo de ele ser criado por lei. Primeiramente, a organização pode ser pensada e representada pelos seus participantes, antes mesmo de se tornarem assentados, por meio de seus sonhos, planos e expectativas.

propósitos do sistemas. Podemos, então, compreender o sistema como sendo o corpo de idéias, justificadas pela problemática, constituindo-se a base para a pesquisa científica.

A proposta empreendida de demonstrar as relações pessoais com o objeto de pesquisa e de apresentar o entendimento a respeito da Reforma Agrária, analisando alguns trabalhos relacionados, permitiu-nos compreender que não se pode dissociar opções pessoais, embasamento teórico-conceitual e conhecimento prévio do campo empírico; estes devem ser discutidos concomitantemente, pois esses três elementos constituem o fundamento da pesquisa. Tomando-se consciência desses conteúdos fundamentais, continuamos nossas discussões acerca da problemática. Podemos entendê-la, também, como

[...] implica um mecanismo, um processo, portanto, o da explicação de um corpo de conceitos tão unívocos quanto for possível sem os quais não se pode chegar a um conhecimento livre de ambigüidades do conhecimento imediato que se possa ter dos fatos. (Raffestin, 1993, p. 30)

Como constituição da problemática podemos incorporar o tema e os problemas que a cercam. Ao nos interessarmos pelo tema, podemos considerar diversas questões que podem, ou não, estar mediadas por um arcabouço teórico. Entendemos que a escolha de temas por meio de pressupostos teóricos, como únicos guias de decisões para pesquisa, não se conforma como instrumento eficiente. Como discutimos anteriormente, nossa decisão pelo tema foi motivada, sobretudo, por questões pessoais. Primeiro, no topo geral de nosso tema, encontra- se o assunto Reforma Agrária. Em seguida, podemos eleger, como segunda parte do tema, os assentamentos de Reforma Agrária. Em terceiro lugar está a escolha de um assentamento específico, que é o P. A. Divisa. Por último, resumimos nosso tema pela ênfase nos aspectos culturais, os quais serão investigados a partir da Geografia Cultural. Sendo assim, podemos afirmar que nosso tema de pesquisa é a

produção e reprodução do lugar no espaço da Reforma Agrária, a cultura dos sujeitos atuando como conteúdos mediadores no uso e apropriação do espaço local e a venda de lotes no Projeto de Assentamento Divisa.

A partir da delimitação do tema, atentamos para os meandros e armadilhas em que ele mesmo nos insere, por ser abrangente, apesar da pontualidade espacial e teórica. Sendo assim, os problemas que existem em torno do eixo temático e que mais nos interessam, na pesquisa, referem-se às seguintes questões: 1 – Por que têm ocorrido vendas de lotes nos assentamentos de Reforma Agrária? 2 – O que contribui para que as famílias beneficiárias de terras consigam se fixar no lote adquirido, reproduzindo-o como moradia e como espaço de trabalho? 3 – Por que as famílias não conseguem trabalhar a terra com habilidades e saberes equivalentes entre si? 4 - São as diferenças culturais que promovem o distanciamento das famílias quanto às organizações coletivas exigidas pelos órgãos gestores da Reforma Agrária? 5 – O lugar que é construído no assentamento, pelas famílias, é um espaço harmônico, coeso e sem contradições? 6 – Quais desafios estão postos para a produção e reprodução do lugar? 7 – Como as relações intra e extra- comunitárias contribuem para a produção e reprodução do lugar?

Postas essas perguntas, temos uma tarefa importante na construção do trabalho científico. Organizar as idéias é um exercício essencial para a pesquisa. Para Eco (1990), “Fazer uma tese significa, pois, aprender a pôr ordem nas próprias idéias e ordenar os dados: é uma experiência de trabalho metódico [...]” (p. 5).

Compreendemos que, ao construir a problemática, estamos direcionando, por meio da organização dos problemas pertinentes a um tema, a pesquisa, que remeterá ao tratamento de um conjunto de dados e elementos da realidade que possuem relevância, enquanto estudo científico.

A partir da delimitação temática, escolha do local de pesquisa e dos problemas, podemos iniciar uma discussão teórica que nos forneça subsídios à leitura que pretendemos realizar da realidade. É a partir dessa organização e análise teórica que se movimenta a construção da problemática. Esta significa um diálogo produzido pela análise dos aspectos motivacionais do cientista, como direcionador do tema, discussão dos problemas que ele identifica, tomando-se a teoria como fundamento, e delimitação do espaço de estudo. Consideramos esses três aspectos como necessários para justificar a relevância da pesquisa e facilitar o entendimento para produção de uma problemática relacional.

Logo, o diálogo para produção do conteúdo analisado na realidade considera a complexidade das relações que, para Raffesttin (1993)

[...] é talvez o que torna tão difícil a abordagem relacional. Se, por razões de comodismo, descreve-se primeiro as relações bilaterais, não se pode esquecer que se trata de uma abstração, no sentido de que, na maior parte do tempo, as relações são multilaterais. (p. 32)

Em nossa pesquisa, optamos por dar ênfase aos aspectos culturais das famílias moradoras do assentamento. Também abordamos aspectos coletivos e individuais, políticos e econômicos, que contribuem para a produção e reprodução do lugar.

Entendemos que a compreensão da problemática que se manifesta concretamente, no interior da organização dos assentamentos de Reforma Agrária, exige-nos um traslado em direção ao sujeito, para analisá-lo em seu cotidiano. Não é uma proposta fechada, dentro de uma compreensão individual do homem. Apenas partimos da produção do espaço que se realiza ou se potencializa individualmente, a partir dos modos de vida, para compreender, com maior amplitude, os fatos que dizem respeito ao coletivo, às ações políticas, no contexto intra e extra comunitário.

Mergulhamos em uma produção do espaço que parte do individual, do singular para o coletivo e do coletivo para o particular. O indivíduo, em sua particularidade, é apenas a referência principal de estudo, mas não é a unidade final de produção do espaço. Entendemos que as ações e projeções individuais se manifestam no coletivo e o coletivo se apóia no individual, em um processo de clivagens e determinações mútuas, aliadas aos processos políticos e econômicos que estão subordinados e são subordinantes na prática cotidiana.

Nesse sentido, escapar do sujeito, em sua totalidade existencial, não trará resultados que contemplem a nossa problemática, já que ela está centrada nos aspectos humanos que envolvem um ser completo e uma abrangência espacial que não se resume aos aspectos materiais de produção, mas aos elementos abstratos e subjetivos do homem, o que podemos chamar de espaço mental ou espaço das representações.

Portanto, nossa problemática está centrada na prática de venda dos lotes e pretendemos analisar a relação que se estabelece entre essa prática e a produção e reprodução do lugar, partindo dos modos de vida dos sujeitos assentados como caminho para investigação dos problemas propostos. Nossa preocupação é de direcionar nossas atenções ao sujeito singular e coletivo, pois ele é capaz de nos explicar como a Reforma Agrária, após a criação dos assentamentos, tem sido desenvolvida. Sua participação em todo esse processo é fundamental, pois ele é agente possuidor de um modo de vida que se traduz em ações de transformação do lugar, podendo ou não garantir sua fixação nos lotes da Reforma Agrária. Essa questão geral e, ao mesmo tempo, pontual, é o fio condutor de nossa pesquisa. Sendo assim, o capítulo que se segue inicia nossa investigação partindo dos modos de vida das famílias assentadas.

No documento AR EPRODUÇÃO DOL UGAR E OD (páginas 45-50)