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2. ENQUADRAMENTO JURÍDICO ACTUAL

2.1 Constitucional

Pode ler-se no preâmbulo da Constituição da República Portuguesa (CRP), de 2 de Abril 1976, o seguinte:

«A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista.

Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa.

A Revolução restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais. No exercício destes direitos e liberdades, os legítimos representantes do povo reúnem-se para elaborar uma Constituição que corresponde às aspirações do país.

A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno.»

A nossa lei fundamental, assente num Estado de Direito democrático que prima pela dignidade de pessoa humana, não poderia deixar de conceber dois direitos fundamentais distintos, mas intimamente relacionados entre si, desde a sua formulação nas primeiras constituições liberais. O direito à liberdade e o direito à segurança são dois direitos fundamentais que se complementam e dão sentido um ao outro, são como duas faces da mesma moeda.45 O artigo 27.º da CRP consagra um direito à liberdade no sentido de liberdade física, de liberdade de movimentos, livre de opressões dos poderes públicos e um direito à segurança no sentido de garantia de um exercício seguro e tranquilo de Direitos, livre de

44 Sobre a evolução do Direito Constitucional português v. JORGE BACELAR GOUVEIA, Manual de Direito

Constitucional, Volume I, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, Outubro 2013, pp. 367 a 504.

45 Sobre as várias dimensões destes dois direitos fundamentais v. JJ. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA,

Fiscalização dos Serviços de Informações em Portugal – O Estigma da Secreta

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ameaças ou agressões de outrem. Não obstante este espírito securitário do legislador constituinte, a verdade é que só no ano de 1997 com a quarta revisão constitucional,46 o SIRP passa a ser merecedor de tutela constitucional, ainda que tímida e pouco visível. De facto a CRP – desde a redacção dada pela Lei n.º 1/97, de 20 de Setembro – apenas faz uma breve referência aos SI, determinando na alínea q) do artigo 164.º que os regimes do sistema de informações da República e do segredo de Estado são da reserva absoluta de competência legislativa da AR, assumindo, reforçadamente, qualquer um deles, ex vi do número 2 do artigo 166.º da CRP, a forma de lei orgânica.47

É também ao nível constitucional que os SI vêem a sua actividade inibida.48 A CRP continua a regular – desde a sua redacção originária dada pelo Decreto de 10 de Abril de 1976 – o direito à inviolabilidade de domicílio e o direito à inviolabilidade de correspondência e nas comunicações e em outros meios de comunicação privada.49 Os SI não podem obter ou recolher informações que impliquem a ingerência na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, porque estas intervenções restritivas só são permitidas às autoridades públicas e apenas no âmbito do processo penal.50 Estas intervenções restritivas necessitam de autorização do juiz. Autorizações estas que se devem limitar aos crimes particularmente graves e praticados por suspeitos que estão relacionados com os factos sujeitos à investigação, não sendo emitidas, estas autorizações, em termos de mero expediente porque elas carecem de uma apreciação rigorosa e têm que respeitar os princípios jurídico-constitucionais das leis restritivas,51 tais como o princípio da necessidade, da adequação, da proporcionalidade e da determinabilidade.52

Os SI, não obstante o seu papel fundamental na manutenção do Estado de Direito democrático, não têm consagração constitucional autónoma e expressa como têm por

46 Sobre as várias revisões constitucionais v. JORGE BACELAR GOUVEIA, Manual de Direito…, Op. Cit., Volume I, pp. 482 e ss.

47 Sobre a matéria do regime constitucional das leis orgânicas v. JORGE BACELAR GOUVEIA, Manual de Direito

Constitucional, Volume II, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, Novembro 2013, pp. 1115-1117. Sobre a categoria das leis orgânicas,

criada pela Lei Constitucional n.º 1/82 de 30 de Setembro, expressamente qualificadas como leis reforçadas, v. JJ. GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume II, 4ª Edição, Coimbra Editora, 2010, pp.58 e ss.

48 Sobre esta matéria v. JORGE SILVA CARVALHO, «Os limites à Produção de Informações no Estado de Direito Democrático» in Revista Segurança e Defesa n.º 2, Diário de Bordo Editores, Loures, Fevereiro 2007, pp. 102-107.

49 Cfr. artigo 34.º da CRP.

50 Em particular sobre a admissibilidade e formalidades das operações de escutas telefónicas, artigos 187.º e 188.º do Código Processo Penal v. PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código do Processo Penal à luz da Constituição

da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2008. Ainda

sobre o regime processual das escutas telefónicas v. ANA RAQUEL CONCEIÇÃO, Escutas Telefónicas-Regime Processual

Penal, Quid Juris, Lisboa, 2009.

51 Referidas no artigo 18.º da CRP.

52 Sobre a análise do artigo 34.º da CRP v. JJ. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República… Volume I, pp. 538 e ss.

exemplo as Forças de Segurança (FS) e as FA dignas de uma referência expressa na CRP nos artigos 272.º e 275.º, respectivamente, cujos regimes jurídicos estão igualmente sujeitos à reserva absoluta da AR. Esta ausência de menção expressa merece-nos censura e de certa forma mostra-se incompreensível por diversa ordem de razões, das quais nos permitimos destacar algumas:53 Primeiro, as matérias objecto das funções exercidas pelos SI não são menos dignas das funções exercidas pelas FS ou pelas FA. Segundo, o facto de determinadas matérias estarem sujeitas à reserva absoluta de competência legislativa da AR é demonstrativo do quão sensíveis são e da importância que têm na manutenção da democracia e da integridade e soberania do Estado.

As tarefas levadas a cabo pelos SI asseguram a soberania, contribuem para a segurança dos cidadãos e do Estado e garantem a ordem democrática, seria portanto pertinente que, numa futura revisão constitucional, o legislador constituinte tivesse em atenção a particularidade dos SI no quadro securitário português e colocasse conjuntamente em título próprio, por exemplo sob a epígrafe segurança nacional, as FA, as FS e os SI.54