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CAPÍTULO I − ESTADO E SOCIEDADE: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE CONTROLE SOCIAL

1.2 CONSTITUCIONALISMO E LIMITAÇÃO DOS PODERES DO ESTADO

A idéia de limitação dos poderes do Estado através do exercício compartilhado e descentralizado do poder dos governos e da sociedade aprofunda-se através das reflexões de Montesquieu (1979), em sua obra Do Espírito das Leis, de 1748, e de Jean-Jacques Rousseau (1997), em Do Contrato Social, de 1762.

Montesquieu indica a necessidade de separação e autonomia dos poderes, como artifício institucional eficaz que permite o exercício da liberdade de ação política. Uma esfera Executiva, uma Legislativa e outra Judiciária, operando de forma autônoma e com potências de soberania equivalentes fazem com que a idéia de liberdade política esteja indissoluvelmente ligada aos regulamentos da lei, sendo a liberdade da ação política a fonte

que permite a existência de um governo com poder moderado, pois todas as suas esferas têm capacidade limitada de ação, e funcionam como contra-poder à expansão das outras esferas (JOUVENEL, 1978, passim).

Rousseau (1997, passim) propõe que é preciso encontrar os princípios de direito político de uma sociedade que se diferencia do Estado, e utiliza o governo como o artífice no qual a tensão entre o individual e o coletivo é resolvida através de uma equação que compatibiliza o poder da coletividade e a liberdade individual. Neste pacto, os homens manteriam a liberdade através de uma associação em que fossem defendidos e protegidos enquanto pessoas e proprietários, através de uma força coletiva pela qual cada um, unindo-se aos demais, só obedeceria, contudo a si mesmo, pois a vontade geral coincidiria com a parcela de vontade individual que foi pactuada.

No entendimento promovido por Montesquieu em Do Espírito das Leis e por Rousseau em Do Contrato Social, a limitação do exercício do poder como princípio constitucional é resultante de um pacto político que exalta a razão prática, e serve de anteparo ao Estado despótico tomista ou o Leviatã hobbesiano (WORMUTH, 1942, passim).

O sentido moderno de constitucionalismo está na idéia de que a Constituição pode ser definida, como indica o constitucionalista José Afonso da Silva (2002, passim) como a ordenação sistemática e racional da comunidade política através de um documento escrito no qual se declaram liberdades e direitos, e se fixam os limites do poder político.

A partir desta ótica, o texto constitucional passa a significar a elaboração de um projeto racional de organização humana, síntese de idéias fundadoras de um pacto de convivência política (WHEARE, 1956, passim). Neste contrato, a ordenação sistemática e racionalizada dos interesses da sociedade é garantida através de direitos fundamentais que têm como princípio a divisão e a desconcentração dos poderes, formatando um campo político de intercâmbio de interesses.

Norberto Bobbio (1987, passim) indica que o termo Constituição tem um significado basicamente descritivo, próprio das ciências naturais. Assim, Constituição é a própria estrutura de uma comunidade política organizada, a ordem necessária que deriva da designação de um poder soberano e dos órgãos que o exercem.

A noção de constitucionalismo e de Constituição como corpo de leis reunidas em um documento escrito, com autoridade superior às leis ordinárias, surge a partir do final do século XVIII, como resultado dos movimentos de modernização do Estado e de suas estruturas jurídicas (WORMUTH, 1942, passim; JOUVENEL, 1978, passim). De acordo com Francis

Wormuth (1942, passim), o constitucionalismo veio a ser, então, o movimento ideológico e político para destruir o absolutismo monárquico e estabelecer normas jurídicas racionais, obrigatórias para governantes e governados.

Pode-se caracterizar o constitucionalismo moderno como um movimento que promove a racionalização do Estado e a despersonalização do poder, ao enfatizar a elaboração de um documento escrito, através de um poder popular originário e instituinte da soberania do texto constitucional (WHEARE, 1956, passim).

Nesta ótica, o constitucionalismo supõe uma Constituição escrita, documentada, correta, definitiva e acessível, de modo a que todo cidadão exerça de forma digna seus direitos, protegida contra as arbitrariedades do poder, com procedimentos de reforma dificultados ao extremo. Uma Constituição que defina direitos fundamentais para que o cidadão seja protegido do arbítrio do Estado, através de uma organização racional do poder, tendo como princípio fundamental a divisão de poderes ou de funções, de modo a limitar e desconcentrar a atuação do poder do Estado e dos governos (SILVA, 2002, passim).

O professor de direito constitucional José Afonso da Silva (2002, passim), em sua obra

Poder Constituinte e Poder Popular, descreve o constitucionalismo como o movimento

político, social e cultural que, sobretudo a partir de meados do século XVIII, questiona nos planos político, filosófico e jurídico os esquemas tradicionais de domínio político, sugerindo, ao mesmo tempo, a invenção de uma nova forma de ordenação e fundamentação do poder político. Este constitucionalismo, como o próprio nome indica, pretende opor-se ao chamado constitucionalismo antigo, isto é, o conjunto de princípios escritos ou consuetudinários alicerçadores da existência de direitos estamentais perante o monarca e simultaneamente limitadores do seu poder.

Ainda segundo José Afonso da Silva e Francis Wormuth (2002, passim; 1942, passim), o constitucionalismo é uma teoria que, lastreada no princípio do governo misto e limitado, estabelece uma indispensável garantia dos direitos do cidadão em uma dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade.

Neste sentido, o constitucionalismo moderno representa uma técnica legislativa centrada especificamente na limitação do poder com fins de garantir as liberdades individuais e coletivas dos indivíduos. O conceito de constitucionalismo transporta, assim, um claro juízo de valor. É, no fundo, uma teoria normativa da política, tal como a teoria da democracia ou a teoria do liberalismo.

Pode-se afirmar que o constitucionalismo moderno caracteriza-se pela existência de um regimento jurídico escrito, que opera a universalização dos direitos e liberdades, com suas respectivas garantias, e pelo aperfeiçoamento de mecanismos que limitam o exercício do poder.

Em termos históricos, a primeira Constituição com esta lógica é a inglesa, que surge em um contexto político-cultural que incorporou a tradição do direito dos costumes, dispensando, pela originalidade do pacto de convivência político, um documento escrito. A Constituição norte-americana, oriunda da guerra da independência, é a primeira realização institucionalizada do constitucionalismo moderno, seguida pela Assembléia Nacional Constituinte francesa, que se instaura com a revolução de 1789.

Na contemporaneidade, o constitucionalismo se traduz através de uma contundente crítica às concepções de cidadania, democracia e participação política consagradas pelas experiências liberais, social-democratas e do socialismo real vividas ao longo do século XX, assentadas basicamente na dualidade Estado-sociedade civil.

Existe o pressuposto de que o conceito de cidadania proposto pela modernidade, de pacto político de exclusão e inclusão, é seletivo e inadequado, forçando a ampliação dos mecanismos de participação política de forma direta junto com mecanismos cada vez mais amplos e diversificados de controle social do exercício do poder por governantes (HABERMAS, 1997, passim).

Associa-se ainda a esta idéia a crescente participação direta da população na gestão da coisa pública, através de instituições de caráter público não estatal e não governamental que compartilham com os governantes as tarefas de gestão e administração da sociedade, como é o exemplo do Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (PROVITA-RIO).