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CAPÍTULO II: AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA NOS ESTADOS UNIDOS

II. 3. Constituição da Agenda Política Federal

A necessidade de uma profunda alteração na resolução dos problemas que marcaram a sociedade tornou-se prioritária na década de sessenta. Tal como sugere LISA

MILLER (2001), até ao final da década, o governo federal norte-americano havia desempenhado um papel muito pouco notório no contexto securitário dos estados, dado ser uma competência de cada estrutura governamental estatal. Como refere a Autora, os acontecimentos, durante este período, geraram a perceção de incapacidade por parte dos governos locais americanos em lidar com o fenómeno criminal. Por esta razão, acentuou-se a necessidade de assistência do governo federal na resolução deste dilema.

Com base na necessidade evidenciada que apontava no sentido de adoção de políticas cuja prioridade central fosse a prevenção, a intervenção por parte do governo federal assentou numa reforma das políticas de segurança. Segundo LUCIE CERNA

(2013), uma reforma política representa mudanças estruturais no setor intervencionado. A Autora defende que a opinião pública vigente sobre a área de intervenção e sobre as capacidades das estruturas governamentais em dar resposta a um problema cujas raízes se encontram identificadas também influencia o processo de reforma política.

A perceção de que o crime e as desordens civis constituíam um problema, cuja magnitude significava uma falta de capacidade em dar resposta por parte das estruturas estatais e locais, evidenciou-se pela colocação desse problema na agenda política. Podemos encarar a origem deste acontecimento nos Estados Unidos da América, com a mensagem do Presidente LYNDON B.JOHNSON ao Congresso norte-americano.

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Na perspetiva de JOHN KINGDON (2014, p. 3), o conceito de agenda política representa uma coletânea de assuntos aos quais, tanto os governos como elementos externos aos governos, mas próximos do poder político dedicam especial atenção. O Autor defende ainda que apesar de existir uma miríade de problemas e de assuntos que possam ser alvo de uma intervenção política, o processo do agendamento político vem encurtar essa lista, direcionando o seu foco para determinados assuntos.

Adaptado à realidade federalista norte-americana, THOMAS BIRKLAND (2011, p. 170) afirma que a agenda política não é um instrumento exclusivo de uma só entidade governamental. Desde o estado federal, até às localidades, passando pelos estados, todos apresentam uma lista de assuntos que se constituem como prioridades de ação. A agenda política, em qualquer um dos níveis políticos, é composta por assuntos sobre os quais torna-se prioritário desenvolver medidas imediatas.

A par do processo do agendamento político, importa também perceber de que forma é que determinados assuntos surgem em detrimento de outros. Assim, tendemos a concordar com JOHN KINGDON (2014, p. 90) quando este afirma que os assuntos que incorporam a agenda política devem-se a dois fatores: a análise de indicadores, e através dos focusing events.

Os indicadores são o resultado de uma monitorização de um determinado problema que é realizado de forma periódica no tempo e sobre o qual existem dados disponíveis sobre a sua evolução (KINGDON, 2014, p. 91). A par desta monitorização, o Autor refere ainda que o desenvolvimento de estudos ajuda a contribuir para perceber qual a magnitude do problema. No que diz respeito aos focusing events, estes caracterizam-se por serem raros, com uma dimensão considerável ou por representarem um perigo no seio da sociedade (BIRKLAND, 2011, p. 180). No entendimento de JOHN

KINGDON (2014,p.94), os focusing events não dispõem de dados prévios que permitam assessorar o decisor político na tomada de consciência de estar perante um problema.

No que diz respeito ao agendamento político dos problemas, ao analisar a mensagem de LYNDON B.JOHNSON ao Congresso norte-americano, constatamos que os

altos índices criminais são percecionados como um indicador, sendo assim incorporados na agenda política65. O recurso a estatísticas relativas ao número de crimes cometidos, bem como aos impactos económicos do crescimento deste fenómeno, demonstra que este não é percecionado como um focusing event.

No mesmo âmbito, também as múltiplas desordens civis registadas no país constituíram-se como um problema que foi incorporado na agenda política, apesar da não

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Sobre este assunto vide JOHNSON,L. (1965). Special Message to the Congress on Law Enforcement and

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menção no discurso de JOHNSON. Este processo de agendamento político verifica-se pela criação da NACCD, a comissão estabelecida para analisar o fenómeno das desordens. Dado que os focusing events ocorrem com poucos sinais ou até mesmo nenhuns (BIRKLAND, 2011, p. 180), consideramos as desordens civis como focusing events, não só pela dimensão de violência que assumiram, mas também pelo perigo evidente que representavam na sociedade.

Assim, os Estados Unidos da América caracterizam-se por serem um país no qual existem diversos atores no contexto político, estando envolvidos no processo de tomada de decisão política. A par das considerações de MAURICE VILE (2007, p. 257), o país não apresenta um canal único no que diz respeito ao processo de produção de políticas públicas. O Autor refere ainda que, não obstante a multiplicidade de atores políticos poderem causar entraves na produção de políticas, esta pluralidade permite que as estruturas governamentais, estatais e locais possam implementar políticas que o governo federal não prossegue ou simplesmente rejeita.

Por fim, esta primeira intervenção governamental, no final da década de sessenta, resultou do agendamento político por parte do governo federal de problemas que sempre se encontraram incumbidos aos governos estatais e locais para resolver (FEELEY e SARAT, 1980, p. 3). A magnitude dos problemas registados representou uma falta de capacidade por parte dos estados em apresentar uma resposta eficaz, tendo assim como consequência a intervenção federal.