• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO III: DA COOPERAÇÃO TRANSATLÂNTICA

III. 3. Contributos no Panorama da Segurança Portuguesa

Um dos principais objetivos deste estudo do contexto securitário norte-americano estabeleceu um maior enfoque nas políticas públicas de segurança que surgiram nos finais da década de sessenta. A importância desta época reflete-se na atuação do governo federal estadunidense face aos fenómenos de índole criminal e de violência que se fizeram sentir por todo o país.

Na segunda metade do século XX, as principais políticas do governo federal norte-americano pretenderam representar a mudança de um referencial securitário que se pautava por ser iminentemente repressivo. Primeiramente, nos finais da década de sessenta e início da década de setenta, e posteriormente já em plena década de noventa, os contornos das políticas de segurança analisadas acentuaram a necessidade de intervenção do governo federal em assuntos que pertenciam à esfera de cada estado, mas ao mesmo tempo foram representativas da possibilidade de não ingerência do nível político federal sobre os níveis estaduais e locais.

De uma forma geral, as políticas que se geraram nos Estados Unidos da América não encontram forma semelhante nas políticas desenvolvidas em Portugal. As bases estruturais das políticas analisadas encontram-se diretamente relacionadas com o modelo político de cada um dos Estados. Consequentemente, um ponto comum ao OCCSSA, ao JJDPA e ao VCCLEA reside no facto de se tratar de políticas com um enfoque no financiamento e consequente auxílio das estruturas estaduais e locais, com o objetivo de se adotarem novas filosofias de abordagem da resolução do fenómeno criminal. Tal como afirmam MALCOM FEELEY e AUSTIN SARAT (1980, p. 89) um dos objetivos da concessão de financiamento residiu na minimização do papel federal, realçando assim a importância de os estados resolverem e lidarem com o problema de dimensão local.

59

Assim, no que concerne à fundação das políticas de segurança norte-americanas analisadas, não verificamos semelhança no sistema securitário nacional. Todavia, e numa análise mais casuística, torna-se importante relevar não só pertinentes aproximações, mas também apontar possíveis contributos entre o contexto securitário norte-americano e os princípios securitários nacionais.

Nesta senda, o OCCSSA, e mais concretamente a criação do LEAA, surgiu como uma resposta federal ao problema criminal pelo governo norte-americano. A tomada de posição do Congresso estadunidense em considerar o fenómeno criminal como um fenómeno com um carácter iminentemente local resultou na criação das SPA. O objetivo primário desta estrutura residia na gestão dos fundos do governo federal e na sua atribuição às propostas de programas, afigurando-se como uma medida inovadora. Na opinião de MALCOM FEELEY e AUSTIN SARAT (1980, p. 54), a justificação do legislador para a criação destas agências residia no facto da “[…] eficácia das respostas governamentais aos problemas criminais ser significativamente dificultada pela falta de coordenação entre os vários departamentos das forças de segurança e os responsáveis pela justiça”.

No que diz respeito à criação destas estruturas de caráter mais local, podemos encontrar semelhanças às SPA norte-americanas nos CMS estabelecidos no ano de 1998, em Portugal. O facto de a composição das duas estruturas englobar entidades como as forças de segurança, as estruturas governamentais, representantes dos cidadãos e outras entidades, é demonstrativo nas semelhanças encontradas, ressalvando as naturais dimensões.

Relativamente ao OCCSSA, outro dos pontos que consideramos relevante trata- se da necessidade evidenciada pelo governo federal de que os níveis estatais e locais adotassem novas abordagens aos contornos do fenómeno criminal vigente à época. Neste sentido, JOHN HUDZIK (1984) apontou, no relatório acerca da LEAA, diversos programas desenvolvidos junto da comunidade e assentes num estudo compreensivo e detalhado dos problemas criminais da área. Programas como o CCPP e o NP tiveram bastante apoio junto das comunidades nas quais foram desenvolvidas, bem como demonstraram resultados favoráveis a curto-prazo113.

No que diz respeito ao JJDPA e à criação de uma agência federal cujo objetivo primordial reside na prevenção da delinquência juvenil, tratou-se uma política que também pretendia dar uma resposta à influência do fenómeno da delinquência juvenil na magnitude do problema criminal. Mais uma vez, o financiamento de programas com enfâse na redução da delinquência e violência juvenil apresentou-se como a base estrutural das políticas norte-americanas.

113

60

Por sua vez, em Portugal, as referências à delinquência juvenil sempre estiveram presentes nos programas de governo constitucionais desde 1974114. Todavia, a primeira grande medida concreta desta natureza residiu na fundação do Programa “Escola Segura”, lançado no ano letivo de 1996/1997 pelo MAI, tendo como principal objetivo “[…] a criação de condições de segurança em toda a comunidade escolar, seja através da melhoria da eficácia dos meios humanos e materiais existentes para esse fim, seja […] pela adoção de novas metodologias de prevenção primária e secundária […]” (OLIVEIRA, 2006, p. 299). Apesar da diferença das bases estruturais de cada medida, a preocupação pela delinquência juvenil tornou-se evidente não só no contexto securitário norte- americano, mas também no contexto securitário português.

No que concerne ao COPS, esta pretendia materializar a medida de financiar mais de 100.000 polícias nas forças de segurança do país, desde que a tal efetivo fossem cometidas as funções inerentes ao policiamento comunitário. Apesar de no contexto securitário nacional não podermos afirmar que exista uma medida de iguais características, a criação do PIPP, primeiramente anunciada no programa do XIV governo constitucional, mas cuja conceção e operacionalização deveu-se à PSP (ELIAS, 2018; GUERRA, 2018; OLIVEIRA, 2018), afigura-se como a política que mais se aproxima do equivalente nos Estados Unidos da América. Todavia, e tal como LUÍS ELIAS (2018) afirma, a falta de incorporações nas forças de segurança dificulta uma cimentação das políticas de maior proximidade da polícia, bem como uma maior atribuição de efetivos ao desempenho dessas tarefas.

Podemos então constatar que o processo do estabelecimento da agenda política, com a necessidade de adotar novas abordagens num contexto securitário foi percecionado muito mais cedo nos Estados Unidos da América do que em Portugal. Tal como afirma SUSANA DURÃO (2006, p. 16), a adoção de um discurso mais centrado em políticas de proximidade e de uma dimensão mais local da segurança em Portugal, aconteceu “[…] quase duas décadas mais tarde da sua implementação nos países anglo- americanos que as desenharam […]”. Note-se EDUARDO PEREIRA CORREIA e RAQUEL

DUQUE (2011b, p. 31) ao realçarem o facto de

[…] enquanto Portugal enfrentava as dificuldades naturais de transformação do Estado em pleno processo revolucionário democrático, os EUA punham em prática alguns estudos de conceção das políticas de segurança. Por forma a atravessar

114

Sobre as referências à delinquência juvenil elencadas nos programas do II, III, V, VI e XII governos constitucionais cfr. GOVERNO DE PORTUGAL (1978a), p. 102; GOVERNO DE PORTUGAL (1978b), p. 93; GOVERNO DE

61

diversas limitações, surgiram novos conceitos como community policing, […], como garantia da necessidade de uma resposta rápida bem como a adoção de uma atitude policial dirigida também para os problemas sociais e comunitários […].

Desta forma, afirmar a existência de uma influência das políticas norte-americanas nas portuguesas seria demasiado ambicioso e, porventura, assentaria em premissas erradas. Tal impossibilidade deve-se à forte descentralização administrativa que o modelo federalista dos Estados Unidos da América integra em si mesmo. No âmbito desta descentralização, surgem diversos atores no contexto político e por conseguinte no processo de tomada de decisão político, convergindo para tal diversos atores ao nível federal, estatal e local. As bases estruturais das políticas norte-americanas são completamente distintas das políticas fundadas em Portugal. O facto de o MAI assumir uma posição de mediador na execução destes contratos difere da posição adotada pelo estado federal norte-americano no lançamento das políticas norte-americanas, nas quais o nível federal pretende impulsionar a adoção de programas de prevenção criminal, mas incumbe aos diferentes estados a decisão de adotar essas abordagens.

Todavia, não podemos ignorar que existem de facto semelhanças não só na criação de estruturas a um nível mais descentralizado do poder central de cada Estado, bem como no desiderato e intenção de cada política pública em termos de potenciar a prevenção da criminalidade e uma maior proximidade junto de cada cidadão.

Deste modo, EDUARDO PEREIRA CORREIA e RAQUEL DUQUE (2011b, p. 31) defendem que as políticas públicas de segurança existentes nos Estados Unidos da América apresentam, atualmente, uma dimensão que em Portugal está longe de ser atingida. Apesar de ser patente a mudança do referencial securitário tanto nos Estados Unidos da América, como em Portugal, o contexto de novas ameaças e desafios securitários, como o terrorismo, deslocam o curso de ação dos Estados para respostas mais musculadas (ELIAS, 2018).

Em conclusão, no que diz respeito aos objetivos de uma maior aposta na prevenção da criminalidade e de uma maior proximidade com o cidadão, as políticas norte-americanas apresentam contributos passíveis de se traduzirem, porventura, numa nova geração de políticas de segurança em Portugal. Não obstante as distinções entre os alicerces dos modelos políticos dos estados, a cooperação entre o Estado norte- americano e o Estado português assume-se como um processo natural e frutífero. A atual conjuntura securitária global impõe aos estados que se estabeleçam mecanismos de cooperação e formas de atuar conjuntas para fazer face aos atuais desafios securitários.

62

III. 4. A MATERIALIZAÇÃO DA COOPERAÇÃO: DESAFIOS E PERSPETIVAS