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CONSTITUIÇÃO DA DIVISÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA ATUAL

No documento O grande ABC paulista: o fetichismo da região (páginas 192-200)

Ainda sobre o mesmo esquema, mas agora traduzido para o plano cognitivo e do conhecimento, temos:

CONSTITUIÇÃO DA DIVISÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA ATUAL

1938 Município de São Bernardo passa a A Prefeitura continua funcionando no distrito chamar-se Município de Santo André de Santo André

1944 Criação do Município de São Bernardo Antiga Freguesia e Vila de São Bernardo Do Campo

1948 Criação do Município de São Caetano Antigo Subdistrito de São Caetano Do Sul

1953 Criação dos Municípios de Mauá e Antigo Subdistrito dePilar Ribeirão Pires

1959 Criação do Município de Diadema Antiga Vila da Conceição

1964 Criação do Município de Rio Grande da Antigo Subdistrito de Rio Grande Serra

Fonte: Petrolli, V. Diário do Grande ABC: a construção de um jornal regional, São Bernardo do Campo - 2000 in MELLO, 2001.

Naqueles mesmos anos, o ABC testemunhou alguns resultados do andamento da revolução de 1924, ocasião em que ocorreu a reabertura da Santa Casa de Misericórdia, impedida de funcionar por falta de uma política pública de recursos que a abastecesse em suas demandas e serviços. Nessas

circunstâncias, os andreenses tomaram em caráter temporário para si aquela instituição, a fim de colaborar com os feridos advindos das frentes de batalha nas divisas do Estado de São Paulo.

“Cessado o movimento revolucionário promovido pelo general Isidor Dias Lopes, a Câmara Municipal se congratula com o governo federal – Presidente Artur Bernardes (...).” (GAIARSA, 1968; pág.75)

Passado tal episódio, esse estabelecimento jamais tornaria a cerrar as portas ou a deixar de cumprir suas atividades assistenciais, tornando-se uma espécie de ícone de resistência local de época.

2.3 - As emancipações políticas como resposta às demandas econômicas -

Frações sociais envolvidas nesse litígio, a seguir de 1930 e a forja identitária; os anos 50 e a introdução do setor automotivo

Feitas as primeiras considerações sobre a formação abecedense, passemos às vésperas da Revolução de 30, anos de importância cabal para o fenecimento da preeminência agrário-exportadora no plano nacional e a estréia da ascendência produtiva urbano-industrial.

“A mudança de liderança política, resultante da ascensão de Vargas à presidência, tornou-se conhecida como Revolução de 30. (...) pode ter parecido apenas mais um capítulo da história das lutas das elites em lenta transformação, que dominaram a política desde a independência, em 1922.(...) O país permanecia esmagadoramente agrícola (mais de 70 por cento dos trabalhadores estavam na agricultura, em 1920).” (SKIDMORE, 1982; pgs.25-6)

Mesmo após a proclamação da república em 1889, as tensões geradas entre as lideranças políticas, permaneciam sobre as decisões a serem tomadas quanto à produção agrícola, seja com a discussão a propósito das vias de subsídios por unidades federais, seja em relação às regras de cobrança de impostos ou as formas de circulação e exportação, enfim, giravam em torno do setor primário. Os proprietários fundiários organizavam a produção de insumos e com isso a divisão do trabalho consoante às metas para as quais se conduziam, isto é, a quantidade, o tipo de cultura, o mercado ao qual se dedicavam.

De seu lado, a vida da administração pública representava peça fundamental para a concretização desses objetivos e dos caminhos traçados pelo

capital agrário que o comandava direta ou indiretamente, baseando-se no poder que até então usurpavam. Afinal, é reconhecido o fato de, não raro, os próprios donos de terras acumularem funções dirigentes, ou então se fazerem valer por meio dos contatos estabelecidos no corpo da administração pública.

Nesse sentido, o episódio da Revolução de 30 constituiu apenas uma página a mais da dinâmica de conformação territorial brasileira, se revisto o papel determinante exercido pelas frações capitalistas em questão – fato nada inédito nesse cenário –, ou seja, intimamente ligado ao setor primário. Entretanto, essa passagem da história trouxe à tona as necessidades vigentes e também consensuais daquele momento, que eram executar certas reformas no interior da própria República, a fim de introduzir, em definitivo, formas de relações e de ações distintas das precedentes. Com isso, os contornos da geografia anterior seriam profundamente modificados tornando-se exeqüíveis.

Ainda que fosse uma coalizão heterogênea, os revoltosos discutiam e conjecturavam sobre as medidas para alcançar maior espaço no conjunto das relações internacionais de modo a dilatar as frentes de acumulação. E, por meio daquelas, e de modo conseqüente, lançar o país na modernidade pela via das alterações no conteúdo das leis ou pela indução de transformações econômicas e sociais agora pensadas e estendidas a todo o país. Parece ter sido esta a tônica daquele período, isto é, a premência por mudanças e a erradicação dos moldes anteriores de se realizar as mediações quanto à reprodução/acumulação do capital, diante de uma situação interna de desconcerto e externa sob a égide de um colapso de repercussões mundiais. Como temos na citação, a seguir:

“O que os irmanava era uma vontade de experimentar novas formas políticas, numa tentativa desesperada de alijar o arcaico. O esforço resultou em sete anos de agitada improvisação (...). Em 1937, um Brasil exausto terminou sua experimentação política e iniciou oito anos de regime autoritário sob o Estado Novo. O homem que presidiu a era inteira de 1930 a 1945 foi Getúlio Vargas.” (SKIDMORE, 1982; pág.26)

De maneira paradoxal, essas mesmas circunstâncias abriram um flanco para o desenvolvimento de investimentos no setor industrial no estado paulista e, em especial, na capital e seus arredores. Ainda que uma tradução tímida em números, na somatória total da renda nacional, o ABC é de tal ascendência que

derivaram suas emancipações administrativas; esses outrora distritos voltados à mera tarefa de fornecer o suporte de produtos indispensáveis à capital e ainda que determinados pela lógica de aparelhamento de uma economia familiar.

Assim, a correspondência entre as forças implicadas em tal hegemonia e o Estado, passou pela redefinição institucional do teor das atuações pretéritas. Quer dizer, surgiu como imperativa, a adoção de novas estratégias políticas a fim de redirecionar a produção ao mercado interno, e mais do que isso, em permuta à primazia agroexportadora. Para concretizar tal escopo, e superar terminantemente os antigos preceitos sobre os quais se movimentavam o capital agrário, e, destarte o próprio eixo econômico do país, bastou vigorar os termos lacerantes, incididos em suas respectivas receitas por meio a forçosa elevação de preços daqueles componentes de que dependia a manutenção produtiva voltada ao mercado externo.

Nessa direção, empréstimos em dinheiro às atividades agrícolas, as cotações desses produtos, ou mesmo impostos sobre seus lucros, foram alterados de modo drástico, mas não sem contar com reações de protestos diante dos novos pleitos e termos. Importa salientar que com o anterior desempenho da cultura de café, muitas das fábricas dela consuetudinárias foram revalidadas em suas funções, ao tempo que ampliavam os negócios fora da agroexportação. Este foi, por exemplo, o caso das fábricas de sacas de juta ou mesmo dos galpões de armazenamento impetrados pelo café, sem contar o impulso promovido aos serviços bancários e comerciais que passaram por reformas profundas, de modo a atender ou ao menos acompanhar a introdução de tais mudanças. 26

Assim sendo, o aumento de despesas com fatores produtivos alocados com fins de exportação, passou a corroer a acumulação de capital empregada no campo, onerando a sua rentabilidade.

Desse modo, o conjunto da oferta e da demanda por tais rudimentos indicou, inclusive, a necessidade de compor leis trabalhistas que fixassem o 26 Temos em pleno São Bernardo, dentre tantos os casos que servem para ilustrar esse processo, o estabelecimento fabril que, dedicado à produção de colchas e cobertores, teve conjuminada pelas mãos de seu herdeiro e proprietário, a fundação da Companhia Telefônica da Borda do Campo.

salário-mínimo como quantia de subsistência necessária à reprodução da mão-de- obra, todavia, transferida e ocupada nas cidades. Tal balanço realizou-se tendo por parâmetro a quantidade de força de trabalho que o operário poderia dispor, considerando até mesmo a migração intermunicipal ou campo-cidade. Em outras palavras, este cômputo teve por horizonte os fluxos migratórios internos e sua transformação em exército de reserva de trabalho, muito distante de qualquer variação em sua colocação no interior das relações sociais produtivas.

“(...) propiciava o horizonte médio para o cálculo econômico empresarial liberto do pesadelo de um mercado de concorrência perfeita, no qual ele devesse competir pelo uso dos fatores; de outro lado, a legislação trabalhista igualava reduzindo – antes que incrementando – o preço da força de trabalho. (OLIVEIRA, 1972; pág.16)

Houve, então, a conversão dos contingentes que afluíam aos mercados urbanos a constituírem reservas de mão-de-obra que, por seu turno, se somaram a uma reconversão daqueles que já haviam passado por algum tipo de qualificação, sendo homogeneizados por meio desse “denominador comum”: o cálculo do salário mínimo. De tal sorte, o novo padrão de acumulação pretendido não careceu alterar os salários para baixo, bastou somente torna-los eqüitativos.

“(...) é a partir daí que um tremendo impulso é transmitido à acumulação, caracterizando toda uma nova etapa de crescimento da economia brasileira.” (OLIVEIRA, 1972;pág.18)

No entanto, as intervenções pretendidas rumo ao objetivo do enriquecimento das partes envolvidas ultrapassaram a regulamentação exclusiva do trabalho, alargando-se por sobre os demais fatores produtivos.

Ora, fixação e controle de preços; recolhimento de impostos específicos; redefinição da direção dos ganhos privados; transferência social de eventuais prejuízos; oferta de subsídios produtivos, eis os itens que compõem a carta de intenções do Estado, lista-base de ação, a fim de fazer valer a reorientação suscitada pelas alterações no jogo de forças entre os partícipes burgueses, a partir de 30.

São esses os quesitos que passaram a condicionar e predominar na reprodução da acumulação industrial no interior das próprias unidades fabris, e

que a partir de então subverteram as configurações do pragmatismo que caracterizaram a acumulação ulterior. Oliveira nos diz:

“Neste sentido, substituíram-se os preços do “velho mercado” por “preços sociais”, cuja função é permitir a consolidação do “novo mercado”, isto é, até que o processo de acumulação se oriente, com certo grau de automaticidade, pelos novos parâmetros, que serão o novo leito do rio.”(OLIVEIRA, 1972;pág.18)

Entretanto, em 1934, em meio a reivindicações por igualdade de ganhos para um mesmo ramo industrial, os operários bernadenses foram responsáveis pelo questionamento sobre o nivelamento salarial sem condicioná-lo a partir da qualificação funcional ou da idade e capacidade física do trabalhador. Pleiteavam, naquela ocasião, sete cruzeiros-dia. Em novembro daquele ano, os operários da Pirelli e da Conac entram em greve em busca da elevação de salários e da contração do tempo da jornada:

“Pedem aumento de 30%, obediência às leis de seguro contra acidentes e oito horas de serviço. Com 10 horas de trabalho, um operário ganhava pouco mais de duzentos cruzeiros por mês, ou sete cruzeiros por dia!” (GAIARSA, 1968;pág.96)

Donde concluímos que essas empresas multinacionais admitiram remunerações superiores ao oferecido por outras do mesmo ramo, isto é, pagavam os valores contestados em fábricas de semelhantes produtos. De tal sorte, podemos afirmar que naquele momento se deram reações adversas à perspectiva legal de implementar a modulação salarial de cunho nacional, acabando por se traduzir em meio aos conflitos locais por todo o território brasileiro.

Em 1935, encontramos registro sobre um movimento político nascido no distrito de São Caetano que esboçava o desejo de anexação à Capital e que foi atribuído a um indivíduo de nome Artêncio Lorenzini, denotando uma dinâmica inversa ao que viria a ser mais tarde, em 1948, isto é, o processo de emancipação municipal. Também nesse contexto encontramos várias iniciativas que movimentaram as atividades locais, – desde as empresas de construção civil aos mercados financeiros – como, por exemplo, a fundação de escolas profissionais, a contratação de empréstimos bancários para serviços de água e esgoto, assim

como a criação dos primeiros postos de atendimento médico nas localidades de Santo André e de São Caetano. Ainda no mesmo ano, entrou em atividade a produção de tubos de amianto e cimento por meio da Sociedade Industrial Tetracap, e na mesma começaram a vigorar tributos sobre alocações imobiliárias, cujo texto segue, abaixo, para fins de análise:

“Ato nº 179 de 12 de novembro de 1935 – A Prefeitura cria um “Imposto cedular” sobre pessoas físicas e jurídicas que auferirem rendimentos e juros provenientes de aforamento, arrendamento e aluguel de propriedades imóveis rurais situadas no município. A taxa é de 5% sobre o valor do imóvel em caso de falta de declaração” (GAIARSA, 1968;pág.100)

Ora, uma vez mais o Estado na forma municipal, procurou estender as possibilidades de incidir sobre os pecúlios privados, no caso o capital especulativo imobiliário, retendo com essa tributação novos recursos financeiros nos cofres públicos. Não é de estranhar que em dezembro do mesmo ano, as estatísticas revelem a posição alcançada pelo município de São Bernardo (atual ABC) no ranking das cidades que antes o superavam no ramo da construção civil. Temos o seguinte quadro:

Cidades do Estado de São Paulo – Construção Civil (1935-6) 1º Santos...18.215 2º Campinas...11.952 3º São Bernardo... 7.749 4º Piracicaba... 7.116 5º Sorocaba... 7.000 6º Ribeirão Preto... 6.500 7º São Carlos... 5.000 8º Jundiaí... 4.700 Baurú... 4.500 Rio Claro... 4.170

Taubaté... 4.000 Franca... 3.800 Araraquara... 3.600 Ribeirão Preto... 3.500 Jaú... 3.407 Santo Amaro... 3.000

Mogi das Cruzes... 2.851

Fonte : GAIARSA, 1968, p.1001

Atrelada diretamente à expansão da indústria, as obras de engenharia puderam ser desenvolvidas com o auxílio de uma série de processos de desapropriação que começaram rapidamente a se efetivar por meio da alteração e mesmo da introdução de atos ligados à concessão de financiamento de créditos inauditos até então na legislação.

São da época “atos” como:

“Ato 224 de 31 de julho de 1936 – Contrato para calçamento de várias vias públicas numa superfície total de 100.000 metros e assentamentos de 5.000 metros lineares de guias.” (GAIARSA, 1968;pág.106)

Paralelo a este pragmatismo, desde 1933, a cidade de São Bernardo permanecia dividida entre duas correntes políticas: uma constitucionalista designada “Partido de Representação Popular” (PRP), órgão do Integralismo Nacional que um ano depois estaria nas mãos de Plínio Salgado;

“De 1934 em diante, (...) faz propaganda ostensiva e intensa do credo e dos postulados, procurando acentuar as diferenças com outros credos similares do mundo europeu. Acreditavam na salvação do Brasil através da doutrina que professavam (...).” (GAIARSA, 1968; pág.94)

E de outra, de oposição, corrente denominada “Partido Independente Municipal” (PIM). Ambas disputaram nas eleições os cargos públicos no período que se estende de 1936 a 1959:

“Essas eleições, contraditórias nas suas bases eleitorais e surpreendentes nos seus resultados, provaram que a população

flutuante, variável de ano para ano, constitui verdadeiro enigma (...).” (GAIARSA, 1968;pág.99)

Foram doze anos em que vigorou a tradição conservada por indivíduos cooptados do cenário político-administrativo local, ou como Gaiarsa avaliou, “homens que faziam parte integrante da ‘família andreense’” (pág.107).

Temos nesse relato um panorama do que já acometia o município, ou seja, as migrações pendulares ligadas à oferta de trabalho e à oscilação numérica da distribuição demográfica por distrito.

Em termos de divulgação escrita e pública sobre as condições da vida municipal, a imprensa cumpria representar, até aquele momento, os interesses situacionistas pela voz do jornal “O São Bernardo”. Entretanto, por ocasião de um projeto de lei que visava à aquisição de local destinado à construção de jardim público, esse mesmo periódico bradou contra a soma de dinheiro envolvida e os trâmites legais pelos quais passaram sua licitação.

Daí em diante, o jornal adotou uma postura oposta a anterior, ou seja, de crítica àqueles para os quais havia dado apoio. Com isso, “O São Bernardo” acabou por perder, imediatamente, os direitos sobre o noticiário oficial para o recém-estabelecido semanário “O Município”, e sem concorrência pública. Detalhe revelador do jogo instaurado na disputa pela veiculação da cena municipal, e, importante para nossa apreciação constitui que esse novo tablóide teve por fundador um ex-editor do citado “O São Bernardo”, e que a ele se indispôs justamente em função das cizânias provocadas com a asseveração diante do episódio descrito.

“(...) o novo jornal que inaugura novo ciclo de debates no dia 30 de maio de 1937. O novo órgão fora fundado para a defesa do Prefeito e da maioria legislativa e do Partido Constitucionalista.(...) afirma que defenderá com continuidade e pertinácia e desassombro, a unidade municipal (...)”.(GAIARSA, 1968;pág.111)

Fazemos menção desse caso para destacar o papel fundamental desempenhado pela imprensa local na formação do que viria a ser a imagem e identidade do chamado “Grande ABC” ou “Região abecedense”, para a qual voltaremos oportunamente quando nos dedicarmos em especial à peleja teórico- metodológica sobre esta categoria geográfica.

No documento O grande ABC paulista: o fetichismo da região (páginas 192-200)

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