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Constituição da República de 1891

No documento MARCOS SÉRGIO DE SOUZA (páginas 54-66)

2.3 A previdência e o sistema constitucional brasileiro

2.3.1 Constituição da República de 1891

Importante destacar que, depois de quase setenta anos de monarquia constitucional no Brasil, a proteção social se limitava à autoproteção social, a cargo das pessoas interessadas em um plano previdenciário facultativo.68

67 José dos Reis Feijó Coimbra, Direito previdenciário brasileiro, p. 36. 68 Aldemir de Oliveira, A previdência social na Carta Magna, p. 28.

Apesar do progresso dos montepios no Brasil Império e à subvenção estatal, embora ligados apenas à classe trabalhadora, o cenário internacional trouxe grandes mudanças sociais.

O próprio desenvolvimento da industrialização mundial teve grande reflexo na vida urbana das grandes cidades brasileiras, em face da exportação de matérias-primas para as nações desenvolvidas.

Nesse aspecto, o Estado monarquista deveria passar por um processo de desenvolvimento estrutural. Na Constituinte, porém, as elites dominantes da época defenderam seus interesses, diante do capitalismo concorrencial, com o objetivo de traçar novos rumos políticos, econômicos e sociais, em face da nova realidade mundial.

Os constituintes republicanos foram cruéis em termos de proteção social, não repetindo sequer para as sociedades mutualistas, os estímulos do período imperial.

Não levou em consideração a marginalização social em que vivia a sociedade civil dos grandes centros brasileiros, causada pela crescente emigração européia, sem uma infra-estrutura adequada.

O Estado Republicano não cumpriu sua função social, como instrumento estimulador de ações sociais para as classes dos trabalhadores. A competência pelos socorros públicos, que era de responsabilidade do governo central, em decorrência de garantia constitucional, passou a ser de cada membro da federação, ou seja, dos Estados, com a fundação República Federativa. Cumpre observar, no entanto, que, em termos de proteção social, não houve, até 1919, nenhum fato social

significativo, mas tão-somente uma descentralização administrativa dos socorros públicos, nos casos de calamidade pública.69

Em síntese, a Constituição republicana não trouxe nenhuma garantia constitucional, em termos de proteção social, para a classe trabalhadora.

2.3.2 Constituição de 1934

Após a Primeira Grande Guerra, grandes transformações mundiais ocorreram, constituindo-se uma sociedade mais justa e solidária. Internamente, com a revolução de 1930, abriram-se espaços políticos para reivindicações da sociedade civil por maior proteção social para as classes trabalhadoras.70

Havia grande necessidade da garantia estatal ser inserida na Carta Magna de 1934, fundamentada nos princípios da democracia social, e foi a partir dessa Constituição que a previdência social foi considerada realmente como seguro social, com a participação tripartite da União, empregadores e empregados, como contribuintes iguais e diretos do sistema previdenciário.

O princípio fundamental e sustentáculo de qualquer organização de previdência social é o solidarismo social, fruto da contribuição de todos.

Nesse sentido, a solidariedade social é o fundamento nuclear da associação dos indivíduos em sociedade, para se protegerem com

69 Aldemir de Oliveira, A previdência social na Carta Magna, p. 31. 70 Ibidem, p. 32-34.

maior segurança dos eventos sociais, por tratar-se de um elemento histórico e sucessório na vida das gerações humanas.

Com o advento da inclusão da previdência social na Constituição, o Estado, como gestor, obriga-se, pelo contrato social firmado, a agir no sentido de concretizar a segurança social para as classes trabalhadoras, com base na realidade da época.

2.3.3 Constituição de 1937

Esta Constituição foi cercada por crises, dentre elas a do capitalismo, a recessão e o desemprego, ao lado do crescimento das ditaduras fascista e nazista que levaram à Segunda Guerra Mundial. 71

Nesse período, o poder militar esmagou a sociedade civil internacional, inaugurando um novo período de retrocesso político em termos de proteção social, conforme o próprio artigo 37, “m” da Carta de 1937.

Esse cenário trouxe grandes prejuízos à classe trabalhadora, decorrente da omissão constitucional em garantir um plano de custeio como fonte de recursos e manutenção dos benefícios, e por sequer dispor sobre a participação contributiva dos recursos da União no custeio do seguro social.

2.3.4 Constituição de 1946

Com o fim da Segunda Grande Guerra e a vitória dos aliados, iniciou-se um novo momento político e econômico, com a construção

de uma nova ordem mundial, dividindo o mundo em dois grandes blocos, de um lado os soviéticos, e do outro os norte-americanos.72

O Brasil, aliado dos Estados Unidos, redemocratizou-se e convocou uma assembléia nacional constituinte que concluiu seus trabalhos com a promulgação da Carta Magna de 1946.

Essa Constituição falhou em seu artigo 157 do Título V, incisos XV e XVI, por não manter, como a Constituição Federal de 1934, a divisão tripartite das contribuições sociais, em igualdade de condições, pelas três esferas interessadas numa política social eficiente em termos de custeio previdenciário. A falha foi ainda maior pelo fato de não incluir a classe trabalhadora rural sob o amparo do sistema previdenciário.

Após essa Constituição, ocorreu o triste episódio da revolução de 1964, em que os militares, novamente agindo de forma arbitrária e opressora das classes sociais menos favorecidas, legitimaram os interesses da burguesia, em consonância com o exercício do poder político-militar.

2.3.5 Constituição de 1967

Importante destacar que, no período que antecedeu a Carta Magna de 1967, foi elaborado o Decreto-Lei n. 72, de 21.11.1966, que criou o Instituto Nacional da Previdência Social (INPS), unificando de forma institucional a estrutura administrativa da proteção social no país, instalado definitiva em 2.1.1967, mais tarde SINPAS, e atualmente Instituto Nacional

do Seguro Social (INSS), vinculado ao Sistema Nacional de Seguridade Social.73

A Carta de 1967 trouxe em seu bojo, no Título III, o artigo 158, cujo inciso XVI estendeu o sistema previdenciário aos trabalhadores rurais, em condições iguais às dos trabalhadores urbanos, considerados, os primeiros, as categorias mais necessitadas do país, não obstante ter criado o seguro-desemprego, com custeio tripartite para os trabalhadores urbanos e já existirem leis esparsas de previdência social rural desde a promulgação da Carta de 1946.

Em termos de recursos, o parágrafo 1º do o artigo 158 estabeleceu a contrapartida entre receitas e despesas, para assegurar aos beneficiários as prestações previdenciárias criadas pela lei ordinária.

2.3.6Emenda Constitucional n. 1/1969

Novamente a sociedade brasileira estava à mercê de um golpe militar e, em termos de proteção, o legislador não incluiu no artigo 165, inciso XVI do Título III, a classe trabalhadora rural, e manteve a contribuição desigual das três partes interessadas no seguro social em nível nacional.74

Importante ainda destacar que ficou garantida, em seu artigo 165, parágrafo único, a contrapartida para o custeio dos benefícios previdenciários.

73 Aldemir de Oliveira, A previdência social na Carta Magna, p. 39-42. 74 Ibidem, p. 42-46.

O referido critério perdurou por vários anos, causando graves prejuízos à classe trabalhadora brasileira, sendo suprimido somente na Constituição de 1988.

2.3.7 Constituição de 1988

A partir da promulgação da Carta Magna de 1988, iniciou- se um novo período para a previdência, inserida que passou a estar na ordem constitucional, como uma das modalidades mais importantes de proteção social.

A Carta Magna, ao cuidar do sistema da seguridade social, previu que ele deveria ser detalhado pela legislação. Tanto a organização do sistema como a criação das diversas bases de financiamento que lhe dariam sustentáculo ficaram na dependência da disciplina infraconstitucional.75

O Estado Federal brasileiro passou a ter um compromisso nas funções sociais do “dever agir” e de estimulador das ações sociais, exercidas por seus agentes políticos governamentais (sociedade política), assegurando condições básicas para concretizar, na práxis social, os direitos à saúde, à previdência e à assistência social, por tratar-se de um objetivo fundamental do Estado redemocratizante.76

A estrutura da seguridade social é formada pelo tripé saúde, previdência e assistência social. É de ordem pública e básica, organizada sob a forma de gestão pública, com a participação e controle da

75 Wagner Balera, Curso de direito previdenciário: homenagem a Moacyr Velloso Cardoso de

Oliveira, p. 33.

sociedade civil, representada por duas entidades classistas com caráter democrático, em forma de co-gestão.

No âmbito do financiamento, a Constituição de 1988 inovou, convidando a sociedade brasileira a participar, quer de forma direta, quer indireta, no financiamento do Sistema Nacional de Seguridade Social.

O ápice do esquema protetivo brasileiro realmente ocorre com a promulgação da Constituição de 5 de outubro de 1988. Nela, o constituinte separou, no título da ordem social, todo um capítulo dedicado ao tema da seguridade social.

Ao tratar da seguridade social, a Constituição de 1988 comina aos Poderes Públicos o dever de organizá-la, isto é, ordenarem em sistema, construírem o sistema da seguridade social.

A Constituição estabelece no artigo 194 o objeto da seguridade social, estipulando-a como um conjunto integrado de ações, de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos a saúde, à previdência e à assistência social, e fixa também as áreas em que esse conjunto de ações se realizará. Nesse artigo “estão as diretrizes fundamentais da seguridade social: as áreas por ela abrangidas e que constituem os limites possíveis dentro dos quais suas ações se desenvolvem (saúde, previdência e assistência social)”.77

O artigo 59 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias estabelece que deveria ser editada a lei de organização de

seguridade social, vale dizer, a lei que estabelece o sistema de seguridade social.

Por seu turno, o artigo 198 da Carta Magna que cuida do sistema único de saúde, também fala em sistema; na verdade, aí se trata de um subsistema, o de saúde integrado ao sistema genérico da seguridade social.

O constituinte regulou a forma e a extensão da proteção constitucional nos artigos 196 a 204, incluindo nos artigo 196 a 200 a proteção à saúde de todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país; no artigo 201, tratou do regime geral da previdência social, determinando a cobertura dos eventos doença, invalidez, morte e idade avançada; a proteção à maternidade, especialmente da gestante; a proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; o salário-família e auxílio reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda e pensão por morte do segurado (artigo 201). E, no artigo 202, regulou regime previdenciário complementar e facultativo.

A seguridade social é formada pelo tripé saúde, previdência social e assistência social. Trata-se de ordem pública básica (também conhecida como primeiro pilar), organizada sob a forma de gestão pública, com a participação e controle da sociedade civil, representada por suas entidades classistas, com caráter democrático e descentralizado, em forma de co-gestão.78

O artigo 203 conferiu o direito à assistência social pública a todos os necessitados, tendo por objetivos: a proteção à família, à

maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; o amparo às crianças e adolescentes carentes; a promoção da integração ao mercado de trabalho; a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

Importante a idéia do constituinte de participação das classes sociais provenientes da sociedade civil brasileira, constituídas por trabalhadores, empregadores, aposentados, pensionistas e a comunidade em geral, nos colegiados, e com todos os poderes decisórios inerentes ao exercício da cidadania plena perante o Sistema Nacional de Seguridade Social, como centro principal de imputações oriundas das bases sociais.79

Esses colegiados devem ser representados de modo significativo por seus conselheiros, escolhidos democraticamente pelos respectivos segmentos sociais, no órgão de gestão pública e nas respectivas esferas políticas da Federação.

O grande objetivo desses colegiados é estabelecer prioridades e metas para cada setor específico da seguridade social, priorizando os recursos necessários para executar o programa conforme as metas traçadas pelos conselheiros de cada área, estabelecendo políticas de integração de forma democrática e descentralizada, controlando e avaliando suas respectivas gestões econômicas.

Em face dos custos da previdência, o legislador constitucional prescreveu na Carta Magna os mecanismos financiadores dessa proteção social por ele criada. No artigo 195, fixou as formas do sistema de proteção, prescrevendo, em seu parágrafo 5º, um fecho unificador da área de prestações e da área de custeio, ao proibir a criação de prestações, se ausentes as respectivas fontes de custeio.

Esse dispositivo passou a funcionar como um princípio elementar do conjunto de normas da seguridade social, pois instaurou a noção de caixa, onde os débitos não poderão ser maiores que os créditos.

Ordenando a alocação desses créditos num instrumento orçamentário específico, nos termos do artigo 165, parágrafo 5°, III, o constituinte coroou seu intuito de criar um regime jurídico especial para a seguridade social.

O constituinte procedeu assim para garantir uma destinação concreta aos recursos decorrentes do financiamento feito pela sociedade (de forma direta ou indireta), pois tinha consciência de que o sistema de proteção, dada sua envergadura, dependeria de todo o financiamento que lhe fosse devido, sob pena de não resistir às críticas e aos interesses mesquinhos.

Verificamos que, com a criação de um conjunto de normas que formam um específico regime jurídico para a seguridade social, o constituinte prescreveu uma estrutura administrativa específica para o sistema, determinando-lhe um caráter democrático e descentralizado, mediante gestão quadripartite.

A Carta Maior também desenhou os riscos sociais passíveis de serem cobertos pelo sistema protetivo e a extensão subjetiva e objetiva das prestações a serem criadas pelo legislador inferior; fixou o campo de atuação dessas prestações (saúde, assistência social e previdência social) e os instrumentos necessários para o seu financiamento.

A vontade do legislador foi fundamentada pelos seguintes objetivos e princípios constitucionais: dignidade da pessoa humana; construção de uma sociedade livre, justa e solidária; erradicação da pobreza, da marginalização e redução das desigualdades sociais; e promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

O legislador pátrio de 1988, no artigo 194, destacou como instrumento principal de proteção social os princípios norteadores, com diretrizes indispensáveis ao objetivo de concretizar as metas políticas e sociais do Estado contemporâneo, conforme estudamos no capítulo relacionado ao sistema, demonstrando inequivocadamente a autonomia da seguridade social, enfatizando sempre que sua autonomia financeira e administrativa dependerá única e exclusivamente da base do financiamento indireto e direto para honrar seus compromissos com a sociedade brasileira.

No documento MARCOS SÉRGIO DE SOUZA (páginas 54-66)