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4 CONSTITUIÇÃO EPISTEMOLÓGICA DO CAMPO DA EDUCAÇÃO FÍSICA: APROPRIAÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS NAS PESQUISAS DO GTT

ESCOLA

Entendendo o CBCE como lugar estratégico de direcionamento e produção de práticas de pesquisa, no presente capítulo, foram analisados os dados referentes às abordagens e técnicas dos trabalhos, a recorrência de teorias, seus usos e formas apropriações, a forma e a procedência epistemológica dos referenciais teóricos mais recorrentes no GTT. O olhar para a tipologia científica buscou compreender as práticas de pesquisa postas em circulação no campo, além de, ao ressaltar os processos de continuidade e descontinuidades da história, apresentar os limites e possibilidades do conhecimento produzido no GTT Escola dos CONBRACEs de 1997 a 2009, no que diz respeito à sua organização teórico- metodológica.

Nesse contexto, Nóbrega (2005) evidencia que o método é o responsável pelo processo de objetivação do real obtido pelo sistema de investigação, e não o objeto. Daí a importância do método, reconhecida por Bloch (2001) quando afirma que as práticas científicas não são definidas apenas pelo objeto que analisa.

Seus limites podem ser fixados, também, pela natureza própria de seus métodos. Resta portanto nos perguntarmos se, segundo nos aproximemos ou afastemos do momento presente, as próprias técnicas da investigação não deveriam ser tidas por essencialmente diferentes. Isto é colocar o problema da observação histórica (BLOCH, 2001, p. 68).

Outro ponto fundamental para o desenvolvimento das práticas de pesquisa são as técnicas utilizadas nas investigações, que são os procedimentos sistematizados para realizar, obter e produzir os dados. Carballo (2003) pondera que o uso de determinadas técnicas de coleta e construção de dados é capaz de nos levar a conclusões por vezes distantes das suposições iniciais, o que leva a crer que elas são determinantes no processo de investigação científica e capazes de conduzir a pesquisa por caminhos inesperados.

Para Gamboa (2007), as técnicas de pesquisa expressam a dimensão prático-instrumental do método, que são elementos articulados ao paradigma científico dominante. Nesses termos, é condição imprescindível à produção científica a existência de uma articulação entre métodos e técnicas, numa confluência epistemológica, arranjo necessário à construção da própria pesquisa.

Com base nessa premissa, o presente capítulo desenvolveu-se por meio de uma investigação verticalizada dos textos publicados nos congressos, no que diz respeito às abordagens científicas e técnicas de pesquisa utilizadas nos trabalhos do GTT, de modo a identificar as teorias e as matrizes epistemológicas postas em circulação por meio dessa produção no interior do CBCE e, consequentemente, no campo da Educação Física.

4.1 SOBRE A APROPRIAÇÃO DOS MÉTODOS E TÉCNICAS NAS PESQUISAS DO GTT ESCOLA

Como o processo desenvolvido na pesquisa de Corte (2009), no que tange à discussão da tipologia de pesquisa, buscaram-se, nos trabalhos veiculados no GTT Escola, os modos como os autores classificaram suas pesquisas quanto à natureza investigativa. Dessa forma, percebeu-se a existência de estudos que informavam a tipologia de pesquisa utilizada na elaboração dos trabalhos e de investigações que não apresentavam, enfaticamente, a natureza do estudo desenvolvido. Na primeira situação, os métodos e técnicas foram coletados, tomando-se como base as informações apresentadas pelos autores dos textos, uma vez que esses dados podem indicar as relações estabelecidas entre os pesquisadores e os objetos de estudo em análise no campo.

No segundo caso, com base nas proposições expressas por Poupart et al. (2008), buscaram-se nos textos os “sinais” (GINZBURG, 1981) que permitissem classificar a natureza da pesquisa científica desenvolvida nesses estudos. Foi com base nessas premissas que o quadro a seguir foi elaborado.

MÉTODO DE PESQUISA 1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009 Total 1. Pesquisa Bibliográfica- documental 23 10 10 9 9 9 11 81 2. Pesquisa-ação 10 8 4 - 4 2 2 30 3. Estudo Etnográfico 3 - 4 3 3 5 5 23 4. Relato de Experiência 2 - - 5 3 3 2 15 5. Análise de Conteúdo 3 - 1 2 - 4 2 12 6. Estudo de Caso 5 1 2 1 - 1 2 12 7. Pesquisa de Campo 3 1 1 1 3 2 - 11 8. Pesquisa Descritiva 1 3 - - - - 1 5 9. Pesquisa Histórica 4 - - 1 - - - 5 10. Pesquisa Exploratória - - 2 1 1 - - 4 11. Análise de Discurso 2 - - - - 1 - 3 12. História de Vida - - - 1 - - 1 2 13. Abdutivo/Indutivo - - - 1 1 14. Análise Microgenética - - - 1 1 15. Bricolagem - - - 1 1

16. Estudo de Caso Múltiplo - - - 1 1

17. Método Clínico - - - 1 1 18. Pesquisa Experimental - - - - 1 - - 1 19. Pesquisa Participante - - - - 1 - - 1 20. Pesquisa Plurimetodológica - - - 1 - 1 21. Resenha Crítica 1 - - - 1 22. Sistema de Análise de Ensino - - 1 - - - - 1 TOTAL 57 23 25 24 25 28 31 213

Quadro 3 – Quantitativo de práticas científicas listadas como métodos de pesquisas no GTT

Escola no decorrer dos CONBRACEs de 1997 a 2009

É importante salientar que alguns dos métodos listados no Quadro 3 não são encontrados em livros de metodologia de pesquisa, como os de Triviños (2006) e Poupart et al. (2008). No entanto, optou-se por contabilizá-los, pois eles são citados pelos pesquisadores do GTT Escola. Porém, é possível que tais práticas científicas não se configurem como métodos, indicando a existência de uma confusão conceitual no campo da Educação Física no que diz respeito à metodologia.

Assim, o Quadro 3 apresenta a relação das práticas de pesquisa anunciadas como métodos pelos autores que publicaram no GTT Escola, e os identificados por meio dos indícios. Os dados foram organizados de modo a permitir visualizar os métodos investigativos dos pesquisadores do GTT em todos os CONBRACEs analisados neste estudo e sequenciados, tomando como referência o total de ocorrências de cada um deles, disponibilizando-os, em ordem decrescente, dos métodos mais utilizados aos menos citados.

Assim, observou-se nesse grupo que, durante os congressos ocorridos entre 1997 e 2009, foram utilizados 22 métodos de pesquisa diferentes, de modo que alguns apresentam maior recorrência do que outros. Assim, salienta-se que, desse universo, somente os enumerados até o 12 foram utilizados mais de uma vez e

somente um método foi desenvolvido em todos os fóruns investigados: a pesquisa bibliográfica-documental.96

É importante frisar que existem estudos que se valem de mais de um método de pesquisa para proceder à investigação. Desse modo, a recorrência dos métodos é superior ao número de artigos publicados nos CONBRACEs. No estudo de Carvalho (2007),97 essa polifonia (ou ecletismo) metodológica é assumida como tipologia científica. Essa variabilidade metodológica apresentada nos estudos do GTT Escola indica que, para compreender as múltiplas faces da escola, os pesquisadores desse grupo têm lançado mão de um conjunto de práticas científicas que permitem enxergar a multiplicidade de relações que emergem da realidade escolar.

Como apresentado no Quadro 3, algumas práticas metodológicas pouco usuais na investigação sobre a temática escola foram utilizadas nas pesquisas do GTT, quais sejam: a Análise Microgenética, o Estudo de Caso Múltiplo e o Método Clínico, utilizados no trabalho de Farias (2009);98 a Bricolagem, desenvolvida no texto de Neira (2009);99 e a Compilação. Esse último é o que chama mais atenção pela forma como é desenvolvido.

Identificado, por meio dos indícios, no CONBRACE de 1997, o “método” de compilação é evidenciado na pesquisa de Camêlo (1997)100 que, no decorrer do trabalho, faz uso de cópias idênticas de trechos de Soares et al. (1992) incorporadas ao próprio texto. Entretanto esses fragmentos não aparecem sob nenhuma forma de destaque, seja por aspas, seja por recuo,101 e, em nenhum momento, Camêlo (1997) informa a referência de onde o material foi extraído, deixando o entendimento de que as ideias apresentadas naquela pesquisa foram, originalmente, por ela desenvolvidas.

96

Esse método também apareceu citado como Pesquisa Teórica, Pesquisa Documental e Pesquisa Bibliográfica. Entretanto, o desenvolvimento dessas práticas científicas não salientou diferenças que exigissem a alocação desses métodos em categorias específicas. Assim, optou-se por seguir os conceitos desenvolvidos por Triviños (2006).

97No texto intitulado “O papel da educação física escolar representado por professores e professoras

de outras disciplinas”, publicado na comunicação oral do GTT Escola, durante o XV CONBRACE, o autor afirma valer-se de um método “plurimetodológico”.

98Trabalho intitulado “A gênese do espaço projetivo e as interações sociais nos jogos de regras de

caráter coletivo” veiculado no GTT Escola, durante o XVI CONBRACE.

99 Texto veiculado no XVI CONBRACE sob o título “Anacronismo e neocolonialismo: distorções do

currículo cultural da educação física”.

100 Trabalho publicado sob o título de “Jogo como conteúdo de ensino da educação física”, veiculado

na comunicação oral do X CONBRACE.

101

A situação fica mais saliente quando Camêlo (1997) apresenta em seu texto uma citação direta de Alexei Leontiev. Porém, a leitura de Soares et al. (1992) permite identificar que o uso de Leontiev feito por Camêlo (1997) é encontrado, na íntegra, em forma de paráfrase em Soares et al. (1992), indicando a prática da compilação de pesquisa no âmbito do GTT Escola do CBCE.

Antes de aprofundar as análises sobre os processos de pesquisa realizados nesses fóruns científicos, é preciso entender que toda abordagem de pesquisa pressupõe o uso de técnicas que possibilitem otimizar a coleta/produção dos dados. Assim, o quadro a seguir apresenta a listagem de todas as práticas científicas anunciadas como técnicas utilizadas nos trabalhos do GTT Escola.

Desse modo, a captação dessas práticas foi feita com base no mesmo procedimento realizado para apreensão das abordagens de pesquisa, ou seja, por meio da informação apresentada pelos autores e, quando necessário, pelos indícios dessas técnicas deixados por esses pesquisadores. Assim, observou-se nos trabalhos que parte das técnicas de coleta de dados indicadas pelos pesquisadores não constituem o arsenal de instrumentos apresentados nos manuais de metodologia. Entretanto, apesar da insurgência dessas questões, optou-se por considerar todas as representações de técnicas recrutadas pelos autores que publicaram textos no GTT Escola, uma vez que esse movimento possibilita pôr em relevo algumas limitações das práticas científicas existentes no campo de Educação Física.