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Constituição epistemológica do GTT Escola: apropriações de bibliografias primárias e secundárias

TÉCNICAS DE COLETA DE DADOS 1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009 TOTAL

4.2 CONSTITUIÇÃO EPISTEMOLÓGICA DO GTT ESCOLA: USOS E APROPRIAÇÕES DE TEORIAS

4.2.1 Constituição epistemológica do GTT Escola: apropriações de bibliografias primárias e secundárias

O campo da Educação Física apresenta-se constituído por saberes oriundos de outras áreas do conhecimento, possuindo o reconhecimento histórico-acadêmico de um campo que, segundo Lovisolo (1995), tem como característica ontológica uma constituição “mosaica”, formada tal qual uma “colcha de retalhos” que, para sua tessitura, lança mão da reunião de diferentes campos do saber (com seus fundamentos científicos e filosóficos) para se constituir, o que reforça a ideia de que as chamadas “ciências-mães” estão enraizadas na constituição histórica do campo da Educação Física.

Os cursos mosaicos mais recentes, não tradicionais, também estão integrados por uma área de formação disciplinar e uma área instrumental, técnica ou profissionalizante. Contudo, sua característica principal pareceria ser que o mosaico das disciplinas é muito mais amplo, menos concentrado. Estão estruturados a partir de um amplo espetro de disciplinas (de matemáticas a filosofia, por exemplo) e uma área instrumental ou profissional (LOVISOLO, 1995, p. 142).

Assim, como pode ser verificado na estrutura epistemológica das pesquisas do GTT Escola, isso significa que a especificidade dessa área do conhecimento científico, a intervenção pedagógica, geralmente associada à escola, faz suas amarras epistemológicas nos pilares de outros campos acadêmicos.

Job (2008) corrobora essa assertiva ao ponderar que não é de estranhar o diálogo que a Educação Física estabelece com as áreas fronteiriças, uma vez que

essa característica é “[...] uma tendência presente em outras ciências emegentes, surgidas na segunda década do século XX” (JOB, 2008, p. 153). É de se esperar que o referencial teórico utilizado como base para a produção científica em Educação Física apresente essa mesma configuração, atentando para as práticas de pesquisas que circulam no campo, que, por vezes, assumem características de ciências emergentes.

Essas relações são constituídas pela existência de jogos de interesse praticados pelos pesquisadores de uma área do conhecimento, que tentam fazer com que a sua concepção de cientificidade, ou aquela defendida por seu grupo, se transforme em um paradigma dominante, nos termos de Kuhn (2007), na defesa de uma ciência revolucionária.108 No campo da Educação Física, verifica-se o desenvolvimento de diferentes representações de ciência, seja mais próxima das ciências biomédicas ou da saúde, seja aproximando-se das ciências humanas e dos estudos socioculturais, conforme o aquecimento do diálogo do campo com outras áreas do conhecimento que com ele fazem fronteira.

A apropriação de saberes originários de distintas áreas do conhecimento pela Educação Física pode ser fruto da recente estruturação da pós-graduação nesse campo, o que, segundo Vaz e Carballo (2003), o faz carecer de certa autonomia, podendo acarretar dois aspectos igualmente perigosos. O primeiro refere-se à afirmação do campo pelo enrigecimento acadêmico, ou seja, “[...] renunciar narcisicamente a qualquer tipo de diálogo com outras áreas/disciplinas de conhecimento” (VAZ; CARBALLO, 2003, p. 104). O segundo aspecto constitui-se por uma valorização exacerbada dos conhecimentos provenientes de outros campos e uma ocasional hierarquização de saberes. Diante desse imbróglio, os autores fazem apontamentos para um meio-termo, ao afirmarem que

[...] talvez seja o caso de reconhecer-se, em suas problemáticas – teóricas e/ou empíricas – com algum grau de autonomia e especificidade, admitindo, então que nosso olhar possa ser distinto e nem sempre, necessariamente, dependente de outras áreas/disciplinas (VAZ; CARBALLO, 2003, p. 104).

Vaz e Carballo (2003) dizem que as pesquisas em Educação Física têm partido de um forte apelo emocional, mas com pouca delimitação teórica e empírica. Com base nesse argumento, os autores fazem a seguinte consideração:

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Para Kuhn (1970), as transformações paradigmáticas são revoluções científicas, e a transição sucessiva de um paradigma a outro, por meio de uma revolução, é o padrão usual de desenvolvimento da ciência amadurecida.

[...] a presença algo disparatada de objetos e metodologias de pesquisa no campo da educação física, mais frequente do que em outras áreas de conhecimento, não é uma boa situação. Prefiro, no entanto, a cautela, tentando garantir o rigor, mas evitando a censura, que pode nos impedir de alcançar novos patamares de investigação e reflexão sobre os tantos temas que hoje nos correspondem. Na dúvida, considerando que ainda estamos em formação – mas que por isso mesmo precisamos ser rigorosos! – creio ser interessante dizer mais sim do que não (VAZ; CARBALLO 2003, p. 117).

Nesse sentido, analisar as bibliografias de referência de trabalhos científicos pode salientar “indícios” (GINZBURG, 1989) que apontem para as operações de “uso e apropriação” (CERTEAU, 1994) de algumas matrizes teóricas que circularam na Educação Física e conformam diferentes práticas de pesquisa veiculadas pelo CBCE, a partir da organização do GTT Escola. Ler um texto tomando como base as referências utilizadas para sua construção permite que se tenha uma visão diferenciada sobre essa produção. Privilegiar a bibliografia de base constitui-se numa tática, nos termos de Certeau (2007), capaz de fornecer elementos que auxiliem a compreensão do aparelho crítico do texto, permitindo ao leitor identificação das bases científicas presentes nos discursos empregados nesses estudos.

No que diz respeito às obras de referência utilizadas como suporte teórico, o levantamento empreendido na produção científica do GTT Escola, veiculada nos anais dos CONBRACEs, realizado entre 1997 e 2009, possibilitou identificar a existência de um universo de 2.613 produções bibliográficas utilizadas como referências nesses trabalhos. Essa bibliografia foi comumente identificada ao final109 dos textos, no entanto também ocorreram casos de autores que optaram por apresentar as referências em notas de rodapé ou de fim de texto.

Esses trabalhos apresentaram alguns problemas no ato de referenciar essas bibliografias, de modo que, do universo de produções utilizadas como base das pesquisas do GTT, foram identificados 110 produções bibliográficas que foram citadas nos textos, mas que não se encontram nas listas de referência. A situação contrária também foi recorrente, pois 451 obras apresentam-se listadas nas referências dessas pesquisas, mas não são citadas no corpo do texto.

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Nas pesquisas do GTT Escola, existe uma indefinição quanto à terminologia utilizada para a listagem de fontes e bibliografias que serviram de base para a elaboração dos trabalhos. Assim, verifica-se nesses estudos o uso dos termos: Bibliografia; Bibliografia de Base; Fontes; Referências; e Referências Bibliográficas, inexistindo uma padronização desse tópico, tanto no conjunto dos anais, quanto em cada congresso em específico.

É importante salientar que foram desconsideradas das análises as bibliografias que não tiveram seus usos explicitados nos textos, perfazendo um universo de análise de 2.162 obras de referência (Apêndice E). Desse total, observa- se que somente 188 produções foram citados mais de uma vez como referência dos trabalhos do GTT Escola, no período de 1997 a 2009. Sobre essa forma de organização científica Job (2008, p. 158) pondera:

A inexistência de um grupo de autores mais citados pode revelar a dispersão das disciplinas e conseqüentemente do conhecimento produzido. A educação física está dispersa em várias áreas [...] e está em busca de sua legitimidade acadêmica e de um referencial teórico que a consagre como ciência. Afinal, sua presença acadêmica é recente, jovem ainda no Brasil, com cerca de 30 anos de pós-graduação, data marcada pela defesa da primeira dissertação em educação física no Brasil, na USP em 1979.

A alta variabilidade bibliográfica associada a uma baixa frequência de uso dos autores de referência pode apontar para a ausência de um referencial teórico de base que identifique esse grupo de pesquisadores. Essa afirmação ganha relevância, principalmente se for levado em consideração o fato de as teorias e matrizes filosóficas utilizadas na construção das pesquisas do GTT Escola apresentarem-se do mesmo modo. Na citada pesquisa de Ferreira Neto et al. (2003), essa situação já havia sido detectada no campo da Educação Física, denotando que essa organização epistemológica tem sido recorrente nessa área.

Em uma análise preliminar, identificou-se que os autores das bibliografias utilizadas como referência para a construção dos textos veiculados no GTT Escola apresentavam sua gênese acadêmica vinculada a três grandes áreas de concentração: a) autores que têm formação no campo da Educação; b) autores com gênese acadêmica na Educação Física; e c) autores com formação e produção acadêmica nas Ciências Humanas e Sociais.

Nesses termos, a partir da identificação das áreas que constituem a base epistemológica dos trabalhos desse fórum, o Gráfico 9 apresenta a distribuição percentual das produções bibliográficas utilizadas na elaboração das pesquisas do GTT Escola, nos campos da Educação Física, da Educação e das Ciências Humanas e Sociais.

23,87% 35,10% 41,03% Referências da Educação Física Referências da Educação Referências das Ciências Hum anas e Sociais

Gráfico 9 – Áreas de concentração das referências utilizadas nas

pesquisas do GTT Escola durante os CONBRACES de 1997 a 2009

Os dados do gráfico demonstram que, no período de 1997 a 2009, das 2.162 obras de referência utilizadas pelos pesquisadores do GTT Escola, 23,87% pertencem às Ciências Humanas e Sociais, o que corresponde a 516 produções; 35,10% são de autores com formação na área de Educação, ou seja, 759 produções bibliográficas; já as referências textuais da área da Educação Física correspondem a 41,03% do total, o que representa 887 bibliografias de base.

Observa-se nas proporções apresentadas no Gráfico 9, que a área de Educação Física tem fornecido, com mais intensidade, para as pesquisas do GTT Escola, as bases epistemológicas para a produção do conhecimento sobre a temática desse fórum. Nesse sentido, os dados apresentados a seguir indicam os autores e as obras de referência que foram mais frequentemente citados nas pesquisas desse grupo.