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CAPÍTULO 4 – MINERAÇÃO EM TERRAS INDÍGENAS NO BRASIL

4.1 ARCABOUÇO LEGAL

4.1.1 Constituição Federal do Brasil

A Constituição Federal estabeleceu inúmeros dispositivos que regulam, direta e indi- retamente, a interface de interesses entre a indústria de mineração e as comunidades indígenas.

Conforme pode ser constatado, sob a égide das questões específicas relacionadas com a minera- ção em áreas indígenas, os artigos mais relevantes encontram-se no Título VII - Da Ordem Eco- nômica e Financeira, Capítulo I - Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica, Artigo 176, no Título VIII - Da Ordem Social, Capítulo VIII - Dos Índios, Artigo 231 e Artigo 232 e, aces- soriamente, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, Artigo 67, a saber:

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¾ Art. 20:XI - Define como bens de domínio da União as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios;

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¾ Art. 22:XIV - Define como competência exclusiva da União legislar sobre popula- ções indígenas;

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¾ Art. 48:V - Define como atribuição do Congresso Nacional, com sanção do Presi- dente da República, dispor sobre limites do território nacional, espaço aéreo e maríti- mo e bens de domínio da União;

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¾ AArrtt..4499::XXVVI - Define como competência exclusiva do Congresso Nacional a au-I

torização para exploração e aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais em tteerrrraassiinnddííggeennaas; s

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¾ Art. 109:XI - Define como competência dos juizes federais processar e julgar a disputa sobre os direitos indígenas;

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¾ Art. 129:V - Estabelece como função institucional do Ministério Público a defesa judicial dos direitos e interesses das populações indígenas;

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¾ AArrttiiggoo117766,,ppaarráággrraaffoo11oo - estipula que deverão ser estabelecidos em lei as condi- ções específicas para que as atividades de pesquisa e lavra de recursos minerais sejam desenvolvidas em faixa de fronteira ou em tteerrrraassiinnddííggeennaas; s

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¾ Art. 210:§ 2º - Garante o uso da língua materna no ensino fundamental para as comunidades indígenas;

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¾ Art. 215: § 1º - Garante a proteção pelo Estado das manifestações das culturas po- pulares, indígenas e afrobrasileiras, e dos outros grupos participantes do processo civi- lizatório nacional.

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¾ AArrttiiggoo 22331 - reconhece aos índios “sua organização social, costumes, línguas, 1

crenças e tradições, e oossddiirreeiittoossoorriiggiinnáárriioossssoobbrreeaasstteerrrraassqquueettrraaddiicciioonnaallmmeennttee

o

occuuppaam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus m

bens”. Em nível de seus parágrafos, ressalte-se:

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§11oo - caracteriza as terras indígenas segundo os seus usos, costumes e tradições e os seguintes critérios: habitação, econômico, ambiental, cultural e demográfico;

§

§22oo - reconhece o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos;

§

§ 33oo - reserva ao Congresso Nacional o poder de autorização de pesquisa e lavra dos bens minerais (riquezas do subsolo), desde que ouvidas as comunidades afetadas. As- segura-lhes participação nos resultados;

§

§ 44oo - classifica as terras como inalienáveis e indisponíveis. Seus direitos imprescrití- veis;

§

§ 55oo - veda a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo situações de força maior ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional. Impõe o retorno imediato tão logo a situação se normalize;

§

§66oo – “são nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes,

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reessssaallvvaaddoorreelleevvaanntteeiinntteerreesssseeppúúbblliiccooddaaUUnniiãão, segundo lei . . .”; eo §

§77oo - exclui as terras indígenas do disposto no AArrttiiggoo117744,,§§33ooee§§44oo . Segundo estes dispositivos o Estado favorece a organização da atividade garimpeira em cooperativas e concede-lhes prioridade no processo de autorização de pesquisa ou concessão de la- vra em áreas onde já atuem ou que venham a ser fixadas em lei.

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Arrttiiggoo22332 - reconhece a legitimidade dos índios, de suas comunidades e organi-2

zações para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses; e

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Arrttiiggoo6677 - fixa a data de 05/10/1993, como prazo limite para a demarcação das áreas indígenas.

Como reflexo desses vetores constitucionais, em nível operacional, observa-se o des- dobramento e a influência exercida pela aplicação do arcabouço legal, ao passo que impõe condi- cionantes de expressão, cabendo mencionar:

• a exploração e o aproveitamento dos recursos minerais dependem de autorização do Congresso e aquiescência das comunidades indígenas afetadas. Até a presente data, os mecanismos processuais para obtenção da autorização do Congresso não foram definidos, assim como aqueles referentes à formalização da consulta e à manifestação da(s) comunidade(s) afetada(s);

• é assegurada a participação da comunidade indígena nos resultados da lavra, se- gundo condições a serem estabelecidas pelo Congresso Nacional. A definição dos critérios de participação das comunidades nos resultados gerados pelos empreen- dimentos ainda está pendente de regulamentação;

• foi fixada a data de 05/10/1993 como prazo limite para a demarcação das áreas indígenas, cuja extensão total é de 895 mil km2. O prazo para conclusão do pro- cesso demarcatório não foi cumprido, encontrando-se delimitada cerca de 90% da extensão total das reservas;

• atribuiu-se às comunidades indígenas o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos, mas não às riquezas do subsolo (minerais), cujo poder discri- cionário fica com o Congresso. Até a presente data, a definição das diretrizes e dos critérios que disciplinarão as atividades de exploração e lavra carece de regu- lamentação;

• a excepcionalidade prevista no Artigo 231, § 6o

, vinculada ao conceito de relevan- te interesse público da União, precisa de definição em nível de legislação ordiná- ria; e

• a atividade garimpeira não pode ser realizada nas reservas indígenas, cuja integri- dade foi preservada ao excluí-las do alcance do Artigo 174. Cabe mencionar que esse ângulo é endossado, também, pela Lei 7.805/89, que exclui a permissão de lavra garimpeira em TIs (artigo 23, alínea a).

A questão do ordenamento territorial é de importância fundamental face à sua vinculação direta com a demarcação das reservas indígenas. Entre os artigos da Constituição que influenciam a problemática do ordenamento territorial na interface entre a indústria de mineração e as comunidades indígenas, o mais importante é o Artigo 231, em nível dos § 1o, § 3o, § 5o e § 6o. A análise desses dispositivos aponta que o status de quase soberania para a classificação das

TIs é latente, quando analisadas as alternativas passíveis de implementação para efeito do ordenamento territorial de uma área ou região. No plano mais amplo, essa relativa primazia está enraizada e explícita no Artigo 231 e nos tratados internacionais pertinentes reconhecidos pelo País. No plano específico, a fundamentação antropológica e científica, assim como sua inserção como lastro do conceito de desenvolvimento sustentável quando associado à dimensão da sustentabilidade dos povos indígenas, legitima a importância crucial da terra para a estrutura e a sobrevivência, atual e futura, das comunidades indígenas em nível de suas diferentes expressões: antropológica, econômica, social e cultural.

Com base nesse referencial, entende-se que o ordenamento territorial, no que diz respeito às suas interfaces com as TIs, ssaallvvoo situações extremas que remetam à avaliação da área específica ao patamar do rreelleevvaanntteeiinntteerreesssseeddaaUUnniiãão, conforme previsto na Constituição (art. o

231, § 6o), estará condicionado a duas vertentes principais:

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¾ na sua interface externa, à prioridade atribuída ao conceito de área indígena na formatação e no ordenamento do uso do espaço territorial de uma região. Em outros termos, caracterizada uma determinada área como terra indígena sua destinação efetiva final não estaria susceptível de questionamento por nenhum outro uso alternativo potencial. Pelo contrário, as melhores políticas e práticas públicas sugerem que a configuração do ordenamento no entorno da terra indígena - área de amortecimento - será influenciada, decisivamente, pela sua criação; e

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¾ no plano interno, no âmbito do ordenamento do espaço da TI propriamente dita, por definição, deverão ser respeitados os dispositivos constitucionais específicos. Nesse particular, insere-se a questão da mineração em terras indígenas.