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CAPÍTULO 4 – MINERAÇÃO EM TERRAS INDÍGENAS NO BRASIL

4.5 PROJETOS NO CONGRESSO NACIONAL

A relevância do tema mineração em áreas indígenas pode ser inferida a partir das inúmeras propostas de emenda à Constituição e projetos lei de interesse específico, em curso no Senado e na Câmara dos Deputados, com o conseqüente congestionamento da agenda de votação específica. Entre essas iniciativas, foram selecionadas:

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¾ PPrrooppoossttaaddeeEEmmeennddaaààCCoonnssttiittuuiiççããoo--PPEECC3388//9999–– limita a 50% do território de estados e municípios a área total passível de ser transformada em Unidade de Conservação - UC ou Terra Indígena - TI. Caso aprovada, a PEC 38/99 vai difi- cultar a criação de novas TIs podendo, inclusive, acarretar a redução de várias TIs já existentes;

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¾ PPrrooppoossttaaddeeEEmmeennddaaààCCoonnssttiittuuiiççããoo--PPEECC331199//0044–– estabelece que a demarca- ção de TIs seja submetida ao Congresso Nacional. Segundo o Decreto 1.775/96, a homologação final da terra é feita pelo Presidente da República por meio de de- creto. A responsabilidade pela demarcação de terras fica a cargo da União. A PEC 319/04, em tramitação no Senado, inclui no processo de demarcação a parti- cipação do Legislativo. Aderindo basicamente à mesma linha de raciocínio cabe adicionar: PPEECC227755//004, 4 PPEECC557799//002 e a 2 PPEECC221155//000; 0

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¾ PPrroojjeettooddeeLLeeiiNNoo225577//889 - define a hipótese de 9 rreelleevvaanntteeiinntteerreesssseeppúúbblliiccoo da União, para os fins previstos no art. 231, § 6o, CF, dispondo sobre a exploração das riquezas materiais do solo, dos rios e dos lagos em terras indígenas;

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¾ PPrroojjeettooddeeLLeeiiNNoo22..005577//991 - conforme mencionado, a despeito dos avanços inse-1

ridos na Constituição de 1988, o Estatuto de 1973, em vigor, está muito distanci- ado das demandas e expectativas dos povos indígenas, encerrando inclusive in- consistências e áreas de fricção com o texto constitucional. Em 2004, seis proje-

tos de lei, dispondo sobre o novo Estatuto das Sociedades Indígenas, encontra- vam-se sob análise na Câmara dos Deputados. Com a realização da Conferência Nacional dos Povos Indígenas, programada para 2006, acredita-se que seja enca- minhado à Câmara outro projeto refletindo o posicionamento mais atualizado das entidades que integram o FDDI. O PL 2.057/91 está em tramitação há 14 anos e encontra-se defasado devido às alterações feitas em legislações paralelas. Em 2004, a proposta tinha 51 emendas, 177 substitutivos e quatro projetos apensados (AGÊNCIA CÂMARA, 16/9/2004). Ressalte-se que, dentre os projetos em trami- tação, o Projeto Substitutivo do PL 2057/91 é o único que goza de uma boa acei- tação junto às lideranças indígenas (SANTILLI, 2000). Entre as modificações propostas e que integram a versão final do Projeto Substitutivo, cabe mencionar:

• O fim da tutela - Sob esse enfoque, os índios passam a ser considerados responsáveis por seus atos, assim como capazes da gestão de suas terras e recursos naturais, sem que isso implique no término da assistência oferecida do Estado nas áreas de saúde e educação;

• Enfoque conceitual – adota três conceitos básicos: índio (em nível individual), comunidade (em nível de aldeia) e sociedade (em nível de conjunto de comunidades). Esta extratificação é fundamental para o estabelecimento da titularidade dos direitos econômicos. Por exemplo, em se tratando do aproveitamento de recursos minerais, os direitos irão fluir para a comunidade que habita o território onde está situado o recurso;

• Garimpagem - reserva o aproveitamento sob o regime de garimpagem ex- clusivamente para os índios. Inócuo, visto que essa exclusividade já é garan- tida pela Constituição e pelo Estatuto atual;

• Empresas - estabelece que o aproveitamento, segundo os regimes de autori- zação de pesquisa e de concessão de lavra, será conduzido pelas empresas; • Edital - prevê a elaboração de edital por parte dos órgãos federais de gestão

dos recursos minerais e de assistência ao índio, fixando os requisitos a serem atendidos pelos requerentes;

• Remuneração - estabelece as condições financeiras a serem pagas às comu- nidades indígenas, em termos de renda pela ocupação do solo e de participa- ção nos resultados da lavra:

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9 Renda pela ocupação do solo - expressa em valor anual a ser pago por hectare ocupado e será devida por todo o tempo de vigência do alvará de pesquisa. As receitas seriam depositadas em conta bancária específica e poderiam ser movimentadas livremente pela comunidade indígena; e

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9 Participação nos resultados da lavra - fixada em 2% - mínimo - do fatu- ramento bruto resultante da comercialização do produto mineral (inclusive subprodutos), obtido após a última etapa do processo de beneficiamento adotado e antes de sua transformação industrial.As receitas seriam depo- sitadas em conta bancária específica, em favor da comunidade, para apli- cação segundo plano previamente definido pela mesma, podendo contar com assessoramento livre.

• Requerimentos de Pesquisa – estabelece que os requerimentos incidentes sobre TIs, protocolizados após 1988, sejam indeferidos e as áreas colocadas em disponibilidade. Quanto aos direitos anteriores à Constituição, não há uma definição; e

• Levantamentos Geológicos – prevê o levantamento geológico executado pe- la CPRM, com assistência de campo da FUNAI, que dará conhecimento pré- vio à comunidade indígena.

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¾ PPrroojjeettooddeeLLeeiiNNoo773388//991 - estabelece normas para pesquisa e lavra das riquezas 1

minerais em áreas indígenas, de acordo com o artigo 231, parágrafo terceiro da CF;

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¾ PPrroojjeettooddeeLLeeiiNNoo994455//9955 - dispõe sobre a obrigatoriedade da existência prévia de levantamento geológico, em escala adequada, para a definição de áreas de que tratam o inciso III do § 1o do Artigo 91, inciso III do § 1o do Artigo 225 e o Artigo 231, da CF. O projeto atribuia competência à CPRM para providenciar o mapeamento geológico, em escala igual ou maior do que 1:250.000, dentro do prazo de cinco anos, das áreas com restrições a mineração: áreas de segurança

nacional (faixa de fronteira), áreas de proteção ambiental e TIs. O projeto foi arquivado;

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¾ PPrroojjeettooddee LLeeii NNoo 11661100//9966 - dispõe sobre a exploração e o aproveitamento de recursos minerais em áreas indígenas, de que tratam os Artigos 176, § 1o , e 231, § 3o da Constituição, e dá outras providências. Esse projeto já foi aprovado no Senado (Projeto de Lei do Senado No 121, de 1995) e encontra-se em tramitação na Câmara dos Deputados. Conta com parecer favorável da Comissão de Minas e Energia. O projeto é repudiado pelas lideranças indígenas e organizações não- governamentais, que apontam, com muita propriedade, disfunções que privilegi- am os interesses das empresas em detrimento dos benefícios que uma regulamen- tação adequada da mineração pode oferecer aos povos indígenas. Entre essas li- mitações, destaca-se a gravíssima omissão quanto às questões relativas aos pro- cessos de consulta, de monitoramento e de fiscalização, de impacto e de restau- ração ambiental. Ironicamente, o PL 1610/96 parece ter sido inspirado no Projeto Substitutivo do PL 2057/91, que é bem aceito pelas lideranças indígenas repre- sentadas pela COIAB. A única diferença digna de menção é a proposta de cria- ção de um FFuunnddoo EEssppeecciiaal,l a ser constituído com o recolhimento de 2,5% da participação devida às comunidades indígenas nos resultados da lavra e utilizado no atendimento de comunidades indígenas carentes. Sob a ótica do desenvolvi- mento sustentável, o projeto deixa muito a desejar face à omissão, superficiali- dade e/ou parcialidade na abordagem de aspectos sociais, econômico-financeiros e ambientais críticos. Por outro lado, focando-se, exclusivamente, os aspectos de natureza legal, o projeto encerra grande potencial de conflito ao enfatizar apenas o Código de Mineração e a legislação ambiental, ignorando o arcabouço jurídico emanado do Estatuto do Índio. No plano mais operacional, outras limitações ou sugestões têm sido discutidas por especialistas, tais como (BERNARDES, 1997): • comercialização do produto obtido pelos índios na garimpagem;

• destinação da receita obtida pela garimpagem;

• destinação da participação nos resultados da lavra exercida pelas empresas mineradoras; e

• estabelecimento de que a atividade garimpeira venha a ser conduzida prefe- rencialmente através de cooperativas por eles constituídas.

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¾ PPrroojjeettooddeeLLeeiiNNoo33335522//004 – amplia a lista de crimes contra a população indíge-4

na prevista no Estatuto do Índio. Pelo projeto, passam a ser considerados crimes: entrar em reservas indígenas sem prévia autorização e usar as riquezas do solo, dos rios e lagos situados em propriedade indígena sem licença;

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¾ PPLLSS 118888//004 - dispõe sobre o procedimento administrativo para demarcação de 4

terras indígenas, repassando atribuições da União para o Senado; ¾

¾ PPrroojjeettooddeeLLeeii55776611//0055–– estabelece que a demarcação de terras indígenas, a cri- ação de unidades de conservação e a implantação de assentamentos rurais ficam restritas, exclusivamente, às regiões previamente dotadas de zoneamento ecológi- co-econômico; e

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¾ PPrroojjeettooddeeLLeeii55668844//0055–– o projeto determina que a demarcação de terras indíge- nas em regiões de fronteira seja previamente aprovada pelo Conselho de Defesa Nacional – órgão de assessoramento da Presidência da República. A proposta es- tabelece, também, que as áreas indígenas fiquem no mínimo a 75 quilômetros de distância da fronteira. No que diz respeito à mineração em regiões de fronteira, o PL 5684/05 não trata do assunto e a sua eventual aprovação não acarreta nenhu- ma implicação para a atividade de mineração. Todavia, é oportuno mencionar que, segundo notícias veiculadas pela imprensa, o governo estaria analisando a flexibilização da legislação (Lei 6.634/79) que rege os investimentos econômicos em faixa de fronteira (150 km), tendo em vista acomodar o interesse nacional de ocupação econômica sustentada da faixa de fronteira com o interesse manifestado por empresas estrangeiras no desenvolvimento de projetos mínero-industriais de grande porte, particularmente no estado de MS (DURÃO, 2005).

4.6 Síntese

A mineração em áreas indígenas demanda o detalhamento de dispositivos constitucionais e a definição de políticas de governo ainda pendentes. Os projetos em curso no Congresso apontam a oportunidade e a urgência dessas definições. Em nível do governo federal, observa-se um consenso de que a política indigenista praticada precisa ser revista. Muitas das atribuições previstas na Lei 5.371/67 (criação da FUNAI) estão distanciadas da realidade face às transformações políticas, econômicas e sociais observadas no País, bem como no universo indígena. Nesse contexto, a discussão acerca do novo Estatuto das Sociedades Indígenas assume importância nacional. Entre os dispositivos de interesse para a mineração, a aprovação do novo Estatuto configura-se, também, fundamental. O Projeto Substitutivo do PL 2057/91, que propõe um novo Estatuto, é o único que goza de boa aceitação junto às lideranças indígenas. Por outro lado, no que diz respeito à mineração, em que pesem as necessidades de aprimoramento, trata-se da iniciativa legislativa com conceituação mais abrangente e equilibrada, quando confrontada com a experiência internacional.

Após a Constituição, a afluência dos povos indígenas ganhou grande impulso e tornou-se irreversível. Entre suas lideranças mais esclarecidas e ativas politicamente, noticia-se a demanda por maior autodeterminação econômica, por redução da tutela do Estado, assim como aceleração do processo de integração política, econômica e social com o restante da sociedade. Com relação à mineração, mostram-se dispostos a acelerar as negociações em torno do novo Es- tatuto e manifestam interesse em ver disciplinadas as condições para que possam exercer a mine- ração em suas terras.

As inúmeras propostas de emenda à Constituição e projetos lei em curso no Congresso, especialmente aquelas que objetivam alterar o processo de demarcação das TIs ou reduzir as atribuições do Executivo, caso aprovadas, poderão significar a retirada de direitos in- dígenas e configurar lamentável retrocesso. Essas iniciativas refletem o choque de interesses e a percepção de que a política atual impõe um alto custo de oportunidade econômico e social às suas regiões. A consolidação do sentimento federativo e o fortalecimento político das esferas subna- cionais de governo exacerbam a disputa pela terra, influenciam o ordenamento territorial e reduzem o grau de tolerância ao cerceamento da exploração e do aproveitamento dos recursos naturais, quando não considerado inconcebível ou desnecessário. Nesse particular, o gradual

avanço do gradual avanço do processo de descentralização administrativa, com a transferência de atribuições para as demais esferas de governo, deverá implicar em maior influência dos interesses políticos e econômicos regionais e locais no longo prazo.

Analisando-se a interface entre a mineração organizada e as comunidades indígenas brasileiras, dois projetos são emblemáticos: Projeto Ferro Carajás e Projeto Onça Puma .

O Projeto Ferro Carajás é um bom exemplo da importância dos trabalhos desenvolvi- dos pela CVRD, em parceria com a FUNAI, e dos benefícios oferecidos às comunidades indíge- nas situadas na área de influência do projeto. Entretanto, a natureza, a magnitude relativa e a duração dos benefícios estão dissociados do porte do projeto e da formatação dos acordos eleitos para referenciar a experiência internacional. Esse descompasso retrata o arcabouço legal que pre- valecia à época em que o projeto foi implantado e sugere a magnitude do custo de oportunidade imposto aos povos indígenas, quando avaliado sob o prisma das relações que passaram a prevale- cer, a partir dos anos 90, entre empresas de mineração e comunidades indígenas.

Em se tratando do Projeto Onça Puma, a aproximação do custo de oportunidade, em um primeiro momento, é indicada pelas reservas de níquel do depósito Puma que estão situadas nas terras dos índios Xikrin do Cateté. Fortuitamente, para o País e para o desenvolvimento re- gional, o projeto, que contempla a produção de 52 mil toneladas de níquel durante 68 anos, ex- portações anuais no valor de US$ 980 milhões e investimentos de US$ 1,1 bilhão, não tem sua viabilidade comprometida pelas reservas bloqueadas à mineração.