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A CONSTITUIÇÃO LEXICAL E A VARIEDADE DE VOCABULÁRIO NA PRODUÇÃO DA

De acordo com Bezerra (1999), o estudo de vocabulário no ensino fundamental baseia-se em princípios da linguística estrutural e volta-se, especialmente, para a compreensão do texto escrito, não havendo preocupação com o vocabulário direcionado à produção textual do aluno. Segundo a autora, o que ocorre, na maioria dos casos, é um estudo voltado para a definição do item lexical como meio de favorecer a compreensão do texto e sua aprendizagem, seja por meio da definição nominal (através dos sinônimos e/ou antônimos), seja pela definição enciclopédica, através do objeto a ser definido.

A contribuição de nosso trabalho no estudo do vocabulário de crianças em processo de alfabetização volta-se justamente à produção dos textos narrativos destas, onde a constituição lexical e o estímulo à variedade de vocabulário foram trabalhados desde a Educação Infantil (como veremos mais detalhadamente na

seção que segue). Nossa hipótese é de que a criança, quando dotada de um vocabulário variado e que possa se adequar a diferentes situações discursivas e comunicativas, venha a produzir um texto de melhor qualidade (conforme características discursivas já mencionadas) e coerência. Contudo, antes de dar continuidade aos nossos estudos, faremos uma breve distinção entre o léxico e o vocabulário, à luz da definição de Vilela (1997).

Para Vilela (1997, p.31), o léxico é, numa representação cognitivo- representativa, “a codificação da realidade extralinguística interiorizada no saber de uma dada comunidade linguística”. Já do ponto de vista comunicativo, “é o conjunto das palavras por meio das quais os membros de uma comunidade linguística se comunicam”. Tanto na perspectiva da cognição-representação como na perspectiva comunicativa, trata-se sempre da codificação de um saber partilhado, fato corroborado por outros autores, tais como Oliveira e Isquerdo (2001), para quem o léxico constitui-se no acervo do saber de um grupo socio-linguístico-cultural.

Vilela (op.cit.) nos propõe, ainda, que o léxico corresponde à totalidade de palavras de uma língua, incluindo as gramaticais (léxico global) ou ao conjunto de palavras conhecidas por uma pessoa (léxico individual). Em contrapartida, o vocabulário remete ao conjunto de palavras realmente existentes num determinado lugar e tempo, utilizadas pelas pessoas ou grupos sociais. Assim, o léxico da língua portuguesa serão todas as palavras dessa língua, registradas ou não no dicionário, enquanto que o vocabulário será constituído pelas palavras efetivamente usadas pelo falante da língua portuguesa em suas atividades comunicativas.

Bezerra (1999) afirma que o domínio do léxico, além de outros componentes, se faz necessário para que se amplie a capacidade de prever e/ou criar a coerência do texto (oral e escrito). Essa coerência é o resultado da associação de sistemas de diversos conhecimentos que os interlocutores fazem: enciclopédico, sociointeracional e linguístico. (HEINEMANN e VIEHWEGER, 1991, apud KOCH, 1997, p. 26-28).

O conhecimento enciclopédico refere-se ao conhecimento de mundo que cada um adquire através de suas experiências. Ele favorece a realização de inferências, o levantamento de hipóteses e cria expectativas sobre os campos lexicais explorados em um texto. O conhecimento sociointeracional envolve as ações verbais, aquelas que usamos para interagir uns com os outros. Ele auxilia na identificação de objetos e intenções do falante, indicando normas comunicativas a

seguir, a seleção da variedade linguística a usar, possibilitando o reconhecimento e a distinção entre os tipos de textos existentes. O conhecimento linguístico é aquele relativo à gramática e ao léxico de uma língua. Ele é responsável pelo material linguístico que constitui a superfície do texto (remete aos elementos coesivos, à seleção lexical adequada ao tema, à organização das unidades do texto).

De acordo com Bezerra (op.cit.), esses conhecimentos, quando bem desenvolvidos e utilizados, podem auxiliar na eficácia da produção de textos e da leitura pela criança. Especialmente quando pensamos no conhecimento linguístico do aprendiz, devemos compreender que as informações fonético e fonológicas, semânticas, sintáticas e pragmáticas são cruzadas no léxico. Por isso, deve ser considerado, em relação à linguagem em geral, como uma competência (neste caso, lexical) que o falante necessita desenvolver, a fim de ampliar sua competência comunicativa. Para tanto, o desenvolvimento de estratégias cognitivas e metacognitivas por parte do aprendiz é de fundamental importância para a ampliação vocabular. As estratégias cognitivas, nesse caso, referem-se às estratégias diretas (à língua propriamente dita). Elas correspondem à identificação da palavra-chave, ao desenvolvimento de inferência lexical, à observação de pistas linguísticas deixadas pelo autor, à recuperação de campos lexicais presentes no texto, à identificação de elementos mórficos das palavras, entre outras. Já as estratégias metacognitivas fazem menção às estratégias indiretas (referentes ao processo de aprendizagem como um todo), envolvendo o estabelecimento de objetivos para a aprendizagem, a autocorreção, a autoavaliação e a cooperação com o interlocutor.

Por esta proposta, a autora defende a ideia de que o ensino vocabular deve ser realizado por meio de situações de uso efetivo das palavras e das estratégias que considerem suas associações. Com base em estudos desenvolvidos por Tréville e Duquete (1996, apud BEZERRA, 2000), Bezerra afirma que conhecer um item lexical é, além de dar-lhe uma definição, conhecer suas propriedades combinatórias do ponto de vista semântico, sintático e discursivo e que, por isso, um mesmo item deve ser apresentado aos aprendizes em diferentes contextos e oportunidades, para que assim eles possam armazená-lo em sua memória de longo tempo.

Nesta perspectiva, um trabalho diversificado com a língua materna desde a Educação Infantil e/ou no início da escolaridade pode desenvolver, de maneira eficaz, a ampliação do vocabulário dos alunos, pois o contato frequente, significativo

e diversificado com novos vocábulos poderá facilitar a interação entre o conhecimento novo (novas palavras) e o antigo, já armazenado em sua memória. Deste modo, alguns dos objetivos a serem perseguidos na produção textual, tais como a adequação lexical ao tipo de texto produzido, ao tema abordado, ao grau de formalidade e ao interlocutor, poderão ser alcançados de maneira mais eficaz.