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A constituição do segundo seminário

CAPÍTULO 3 – O PERCURSO EMPREENDIDO: OBJETIVOS, MÉTODO E ALCANCE

3.7 A constituição do segundo seminário

Após a realização das discussões avaliativas e das reflexões sobre a maneira como os alunos vinham se apresentando durante as atividades de exposição oral, passaremos a descrever como foi organizada a segunda atividade de seminário.

Como já dissemos alhures, as intervenções realizadas pela professora em parceria com a pesquisadora, tiveram como objetivos não só promover uma discussão e uma reflexão acerca do comportamento lingüístico e comunicativo dos alunos durante a exposição oral em seminário, como também realizar uma avaliação sobre a utilização dos recursos verbais e não-verbais no momento inicial de apresentação oral.

A apreciação da professora em relação aos trabalhos de intervenção e de reflexão foi bastante positiva, porque ela afirma ter ficado “satisfeita com a participação e interesse dos alunos”. Em seguida, discutimos, conjuntamente com a professora-regente, sobre a possibilidade de realizarmos uma outra atividade de seminário para verificarmos em que medida as reflexões produzidas pelos alunos sob a orientação da professora seriam por eles incorporadas em um outro momento de apresentação de seminário.

Antes de descrevermos sistematicamente como se deu o segundo seminário, lembramos, mais uma vez, que o espaço dedicado às atividades de prática de linguagem oral na escola é bastante limitado. Em função disso, já prevíamos que ao sugerir à professora outro seminário, abordando um tema diferente, para podermos verificar em que medida teria havido algum progresso por parte dos alunos em relação ao domínio do gênero exposição oral, esbarraríamos em outro problema: o tempo que essa outra atividade ocuparia das aulas de Língua Portuguesa.

A professora P. alegou que “um seminário abrangendo outro assunto demandaria mais tempo para o planejamento e para a realização e isso poderia comprometer o planejamento global do conteúdo programado para a 8ª série”.

Assim, em função do pouco tempo que dispúnhamos para que houvesse uma reconfiguração da situação comunicativa, foi estabelecido pela professora regente, e acatado pela pesquisadora, que os alunos se reorganizariam para uma segunda apresentação do seminário sobre o mesmo tema, o ciclo da cana-de-açúcar, com base nas discussões e reflexões realizadas com eles em sala de aula.

De volta à sala de aula, a professora propôs aos alunos a preparação de outro seminário com o mesmo tema (o ciclo da cana-de-açúcar), para verificar se as intervenções e as reflexões realizadas alcançaram os objetivos propostos, a saber, a mudança no padrão comunicativo dos alunos, na representação que eles tinham da situação comunicativa e na incorporação por parte deles de recursos lingüísticos, textuais e comunicativos mais eficientes para a construção de suas imagens como expositores.

A princípio, os alunos ficaram bastante aborrecidos com a idéia de assumirem de novo o papel de expositores, especialmente porque não haveria mudança no tema do seminário. Alguns deles se negaram a realizar a atividade, afirmando: “ah... não... fessora... essa coisa de apresentar seminário é muito chato... eu prefiro fazer uma redação...”, “uai... a gente vai ter que apresentar o mesmo tema? Esse assunto já deu o que tinha que dar... ninguém mais agüenta ouvir falar desse tal de ciclo da cana-de-açúcar...”; outros alunos disseram que era para a professora mudar a metodologia e dar atividades “mais legais”. Vale ressaltar que todos os

comentários foram feitos simultaneamente, o que gerou muitas conversas e atitudes de aborrecimento por parte dos alunos.

Em meio a uma acirrada discussão sobre a preparação de um outro seminário com o mesmo tema, a fala de uma aluna nos causou satisfação, porque pudemos perceber o amadurecimento dessa aluna em relação à reflexão anteriormente desenvolvida. A aluna, tomando a palavra, fez a seguinte observação:

(...) o interessante nesse caso é fecharmos o seminário com SEIS alunos apresentadores e escolher uma platéia diferente da que estamos apresentando os trabalhos... acho mais VIÁVEL porque o tema pode ser novo e chamar mais a atenção do PÚblico que ainda não entrou em contato:: com o contexto:: e o enredo do livro menino de engenho... (A.C.F.M. aluna da 8ª A)

Outra aluna acrescentou que:

seria legal se nós puDÉssemos apresentar o seminário num lugar difeRENte da sala de aula... e como é uma apresentação mais forMAL... podíamos apresenTAR no anfiteAtro da escola... né::? (A.H.., aluna da 8ª A).

Vale ressaltar que, nos dois casos acima citados, a tomada da palavra pelas alunas para tentar resolver o problema da apresentação de um novo seminário constitui o que Dolz et al (1998) chamam de “especialista”. A proposição de encaminhamentos possíveis para agilizar o trabalho e dar uma nova configuração à atividade permitiu `as alunas a construção do ethos de expositoras, porque elas estão, na verdade, transmitindo um conhecimento prático sobre uma atividade que foi alvo de intervenções e de reflexões: o seminário.

Os encaminhamentos sugeridos por essas alunas tiveram aprovação imediata por parte da turma. Instaurou-se nesse momento uma discussão em torno do novo local e da série que poderia constituir-se em um público interlocutor para a apresentação do novo grupo de alunos. Assim, por sugestão dos próprios alunos, ficou determinado que o segundo seminário seria apresentado por um grupo menor de alunos. A professora regente e a pesquisadora intermediaram as

discussões e estimularam os alunos a fim de que eles fossem dando o contorno da nova situação. Além disso, a professora não escolheria ninguém: as inscrições estavam abertas para quem quisesse ser expositor no novo evento.

Embora muitos alunos tivessem se apresentado como voluntários nas duas turmas, aqueles alunos mais participativos, que tomaram a iniciativa nas discussões e aceitaram a empreitada, argumentaram que, a título de igualdade entre as turmas, o correto seria delimitar o número de alunos participantes por turma. Assim, após algumas discussões entre professora e alunos na sala de aula da 8a A, três alunos dessa sala se elegeram voluntários para a segunda apresentação e, na turma B, mais três alunos se dispuseram a realizar o trabalho.

A escolha do público para assistir a apresentação no anfiteatro também foi conduzida por esse grupo menor de alunos que se propôs a participar do evento. Esses alunos retornaram à escola no período da tarde e, monitorados pela professora regente, realizaram uma pequena discussão para levantarem o perfil da platéia que eles achavam “ideal” para ouvi-los. Optaram pelos alunos das 7ª séries, porque esses alunos entenderiam melhor o assunto que seria exposto e poderiam contribuir com a discussão fazendo perguntas e comentários. Assim, no dia seguinte, o grupo percorreu as salas de aula da 7ª série da ESEBA convidando os colegas para assistirem ao seminário.

Das três turmas convidadas, duas salas estavam em momento de avaliação e não puderam participar; somente uma das turmas pôde participar do evento. Os alunos se empenharam em organizar o seminário e nós (pesquisadora e professora regente) também concordamos com o encaminhamento dado pelos alunos sobre a reestruturação do evento (a delimitação do número de alunos expositores e a eleição de um outro público e local de apresentação).

Dessa forma, estava organizado o segundo seminário, objeto de filmagem da segunda fase da pesquisa. A partir de nossa pequena experiência como pesquisadora dentro dessa comunidade - que não nos era estranha devido ao nosso longo contato profissional com esses alunos - podemos afirmar que, após a organização desse segundo momento, poderíamos nos dar por satisfeitas, pois os dados pareciam estar completos para a tarefa de transcrição e análise. No entanto, um acontecimento interessante ocorreu quando os alunos das 8ª séries preparavam o segundo seminário, surpreendendo-os e a nós também.

Os alunos da 6ª série C da referida escola, movidos pelo interesse no trabalho que estava sendo desenvolvido pelos colegas de 8ª série e incentivados pela professora de português, solicitaram que o seminário também fosse apresentado para eles na sala de aula. Assim, os alunos participantes – que se mostravam cada dia mais engajados nesta pesquisa e empenhados em dominar o gênero exposição oral – solicitaram que lhes fosse concedida outra oportunidade de apresentação de seminário para esses outros alunos. A professora da referida série, gentilmente, cedeu espaço para que o evento acontecesse nessa turma e, por conseguinte, para a respectiva filmagem desse evento.

Cabe aqui ressaltar que a descrição detalhada de todos os acontecimentos passados durante a pesquisa de campo, não se constitui em um elenco de detalhes meramente ilustrativos, mas o resultado de um processo coletivo (i) de elaboração de um conhecimento sobre um determinado gênero e (ii) de desenvolvimento de determinadas habilidades a ele relativas. A “descrição densa” (cf. Geertz, 2001) de como as etapas desta pesquisa foram sendo edificadas é importante para dar visibilidade acerca da construção do objeto de pesquisa – a prática do seminário na escola. Esse material empírico não poderia ter sido obtido sem uma interação constante com os sujeitos participantes deste estudo (pesquisadora, professora regente e alunos).

Malinowski (1922: 50) afirma que “a coleta de dados concretos sobre uma grande variedade de fatos constitui, portanto, um dos principais pontos do método de campo”. Dessa forma, graças à configuração do terceiro momento da gravação, que não havia sido planejado, foi possível registrar mais material para respaldar a análise que nos propusemos a realizar.

Resumindo, criamos um quadro sinóptico que traduz os segundo e terceiro seminários observados e filmados, para melhor visualização de como aconteceu cada um deles, conforme descrito no quadro a seguir:

Quadro 1: Descrição do segundo e do terceiro seminários

Segundo seminário Terceiro seminário

Tema: o ciclo da cana-de-açúcar no Brasil colônia e aspectos antropológicos da obra Menino de Engenho (José Lins do Rego)

Tema: o ciclo da cana-de-açúcar no Brasil colônia e aspectos antropológicos da obra Menino de Engenho (José Lins do Rego) Local: Anfiteatro da ESEBA Local: Sala de aula

Data: 27 de junho de 2003 Data: 30 de junho de 2003 Público: alunos da 7ª série C Público: alunos da 6ª série C Sujeitos participantes: um aluno (DAS) e

duas alunas (GCD e AH).

Sujeitos participantes: dois alunos (JGL e RS) e duas alunas (ACFM e AH). Obs.: uma das alunas (AH) participou do segundo e terceiro seminários.

Na seção a seguir, descrevemos o perfil dos alunos participantes da segunda etapa desta pesquisa.