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Os PCNs e o trabalho com o gênero exposição oral na escola

CAPÍTULO 2 – ALGUNS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS SOBRE O GÊNERO

2.6 Os PCNs e o trabalho com o gênero exposição oral na escola

Não é papel da escola ensinar o aluno a falar: isso é algo que a criança aprende muito antes da idade escolar. Talvez por isso, a escola não tenha tomado para si a tarefa de ensinar quaisquer usos e formas da língua oral. Quando o fez, foi de maneira inadequada: tentou corrigir a fala “errada” dos alunos — por não ser coincidente com a variedade lingüística de prestígio social —, com a esperança de evitar que escrevessem errado. Reforçou assim o preconceito contra aqueles que falam diferente da variedade prestigiada. Expressar-se oralmente é algo que requer confiança em si mesmo. (PCNs de Língua Portuguesa, 1997, p. 33)

Iniciamos esta seção trazendo em epígrafe uma citação dos PCNs a fim de demonstrar a tese, sustentada por Schneuwly (1997) e que tomamos também como um parâmetro para sustentar esta pesquisa, de que “o ensino do oral na escola, em língua materna, pode se dar segundo um caminho – aliás, não o único – que implica a construção de uma relação nova com a linguagem” (p. 129).

Isso significa dizer que a abordagem didático-pedagógica necessária é aquela que enfoca a linguagem oral em sua dimensão comunicativa, ou seja, naquela dimensão que visa levar o aluno a tomar consciência da finalidade, do destinatário, das interações entre os interlocutores e da importância do contexto social onde se dão as interações.

e aprendizagem da linguagem oral nas práticas comunicativas, deve-se deixar claro que estamos considerando, nesta pesquisa, a exposição oral como sendo um gênero público, pertencente às esferas formais de uso da língua, e o seminário como sendo uma atividade escolar estruturada basicamente por esse gênero.

A exposição oral é um gênero oral que envolve preparação prévia, tais como leitura de textos relativos ao tema a ser apresentado, triagem das informações disponíveis e preparação de um planejamento textual da exposição a ser feita. Para Dolz & Schneuwly (1998 apud Dolz & Schneuwly, 2004), a exposição oral, por estar inserida num quadro interacional, deve pressupor um planejamento prévio, no qual os alunos deverão demonstrar a capacidade de elaboração de um texto oral relativamente longo, relacionado com o tema e o conteúdo da pesquisa, além de demonstrar, também, a capacidade de utilizar alguns recursos lingüísticos (verbais e não-verbais) e discursivos apropriados a esse gênero oral.

Segundo esses autores, a exposição oral é um gênero cujo “discurso se realiza numa situação específica que poderíamos chamar de bipolar, reunindo o orador ou expositor e seu auditório” (Dolz & Schneuwly, 1998, p. 217).

Uma das razões pelas quais a escola deveria priorizar o trabalho com os gêneros orais mais formais está ligada ao fato de que os alunos dominam, mais ou menos com certa desenvoltura, as formas cotidianas de produção oral. Nesta perspectiva, o papel da escola seria, então, o de levar os alunos a aprender a moldar as formas cotidianas de produção oral a outras esferas mais formais de utilização da língua.

A esse respeito, Marcuschi (2000) faz uma crítica aos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (PCNLP) – documento produzido por encomenda do Ministério da

Educação (MEC) que propõe um conjunto de orientações para o ensino de língua, particularmente no Ensino Fundamental.

Segundo esse autor, os PCNLP contêm aspectos positivos que podem ser ressaltados sob o ponto de vista teórico; tal teoria, presente nesses documentos, forma, segundo o autor, uma espécie de “ideário” pelo qual o ensino de língua é voltado mais para a produção e compreensão de textos visando a permitir a ampliação das possibilidades de uso da linguagem relacionadas às "quatro habilidades básicas: falar, escutar, ler e escrever” (MEC-Parâmetros Curriculares Nacionais, 1998). Porém, o que se observa na esfera escolar é uma preocupação quase que, exclusivamente, em relação à escrita e à leitura. O falar e o escutar ainda não receberam das escolas o “estatuto de objeto de ensino reconhecido pela instituição escolar, como o são a produção escrita, a gramática ou a literatura”. (Dolz, Schneuwly e Haler, 1998, p. 151)

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998, p. 35):

No trabalho com os conteúdos previstos nas diferentes práticas, a escola deverá organizar um conjunto de atividades que possibilitem ao aluno desenvolver o domínio da expressão oral e escrita em situações de uso público da linguagem, levando em conta o contexto de produção dos discursos (sujeito enunciador, interlocutor, finalidade da interação; lugar e momento da produção) e as características dos gêneros e suportes, operando com a dimensão semântica e gramatical da língua. (grifo original)

Com base nesse trecho, Marcuschi alega que no tocante ao ensino da modalidade oral da língua os PCNLP não indicam a “dimensão exata que o trabalho com a oralidade pode assumir” (p. 28).

Para compreendermos a dimensão exata do trabalho com as práticas orais de linguagem na escola é necessário proceder a uma observação mais cuidadosa das práticas orais formais privilegiadas no contexto escolar.

secundários são diferentes, pois os primeiros estão intimamente ligados à experiência pessoal do sujeito e, por assim dizer, vinculados ao contexto privado de comunicação, e a escola é pública, portanto, pertencente ao contexto secundário de comunicação. Naquela esfera de utilização da língua, os sujeitos não têm um compromisso com a reflexão sobre os padrões comunicativos assumidos durante as interações verbais.

Por outro lado, os gêneros secundários não são espontâneos. A apropriação destes gêneros por parte do aluno implica a apropriação de habilidades que não são desenvolvidas sem uma reflexão e uma avaliação didática.

É importante reafirmar que uma escola comprometida de fato com a formação de cidadãos deveria empenhar-se em sistematizar essas intervenções para que à linguagem oral cotidiana que os alunos trazem das calçadas onde brincam (e onde exercitam o domínio dos gêneros primários), seja acrescida uma outra, uma linguagem mais planejada, mais formal e mais pública.

Portanto, trabalhar com o gênero exposição oral na escola possibilita aos alunos apropriarem-se de padrões comunicativos e de recursos lingüísticos-textuais e discursivos adequados a uma das esferas de comunicação complexa a qual se referiu Bakhtin, a saber, a instituição escolar.

Nessa perspectiva, é provável, portanto, que a passagem das esferas privadas de utilização da linguagem para as esferas públicas de utilização de linguagem, processo este resultante do trabalho de reflexão, os alunos apresentem uma fala formatada por um estilo híbrido, que apresenta características tanto dos gêneros primários (a coloquialidade, a espontaneidade, a postura corporal pouco treinada para a assunção desta nova posição enunciativa) como dos gêneros secundários (a formalidade, o alto grau de planejamento, a necessária relação com os

gêneros escritos).

Esse formato que o gênero exposição oral adquire é resultado do trabalho desenvolvido conjuntamente (professor e alunos), para que os alunos passem a ter o domínio de gêneros vinculados às instâncias públicas de linguagem.

As descrições e análises que desenvolveremos nos capítulos 3 e 4 focarão justamente o momento em que os alunos passam a ter uma maior consciência das possibilidades de ocuparem lugares nestas instâncias públicas de produção de linguagem. Acreditamos que nosso trabalho constitui-se em um ponto de partida para se rediscutir com os alunos os processos de desenvolvimento e apropriação dos padrões comunicativos e dos recursos lingüísticos, textuais e discursivos próprios do gênero exposição oral.