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Constituição de uma Educação Jesuítica nos Séculos XVI e XVII

Os processos educacionais dos jesuítas os colocaram à frente da formação educativa da Colônia. Parece que as outras ordens se perderam na construção pedagógica da Colônia, e são os jesuítas que assumem esse aspecto importante da educação. Eles ficaram à frente da construção dos colégios e seminários que se destacaram no Brasil, com o apoio da Igreja de Roma.

Para ter ideia da investida missionária jesuítica na Colônia, realizou-se um mapeamento das missões de todas as ordens que se fixaram no Brasil, apresentado no Quadro 1, cuja diocese pertencia à Bahia ou ao Rio de Janeiro. Seguindo a ordem estabelecida por Abreu, estão separadas por diocese.

189 Segundo BITTAR, Marisa e FERREIRA JUNIOR, Amarilio. “Casas de bê-a-bá e colégios jesuíticos

no Brasil do século 16”. In_: ______ (Org). Em Aberto/Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Educacionais Anísio Teixeira, v. 21, n. 78, dezembro de 2007b, p. 33-57, o século 16 simboliza um

marco que possibilita o início de uma prática pedagógica e uma longa hegemonia jesuítica na Colônia. Os jesuítas destacados pelos autores criaram missões, colégios de ler e escrever. Granjeando propriedades, as mantiveram com mão de obra escrava; tinham criação de gado, plantações; construíram seminários, hospícios e residências.

190FERREIRA JUNIOR, Amarilio e BITTAR, Marisa. “Educação jesuítica e crianças negras no Brasil

Colonial”. In_: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 80, n. 196, setembro-dezembro, 1999, p. 479.

80 Na primeira coluna do Quadro 1, estão as ordens que existiam no Brasil colonial; na segunda, o nome das aldeias catequisadas; na terceira, as dioceses às quais cada aldeia catequisada pertencia e, na quarta, as tribos catequisadas.

Quadro 1 - Ordens religiosas, nomes da aldeia, diocese pertencente e gentios

evangelizados

Ordens religiosas Nome da aldeia pertencente Diocese evangelizados Gentios Jesuíta Juru Bahia Quiriris

Jesuíta Saco do Morcego Bahia Quiriris

Jesuíta Cana Brava Bahia Quiriris

Jesuíta Natura Bahia Quiriris

Jesuíta Ipitanga Bahia Tupinambás e Goianás

Jesuíta Serinhaém Bahia Paiaiá

Jesuíta Escala dos Ilhéus Bahia Tabajaras

Jesuíta Maraú Bahia Tupiniquins

Jesuíta Grens Bahia Grens

Jesuíta S. João dos Topes Rio de

Janeiro Tupinambás e Tupiniquins

Jesuíta Patatiba Rio de Janeiro

Tupiniquins e Jontutus

Jesuíta Reritiba Rio de

Janeiro Tupinambás

Jesuíta Reis Magos Rio de

Janeiro Tupinambás

Clérigo Poxino Bahia (não informado)

Clérigo Aramaris Bahia Quiriris

Clérigo Manguinhos Bahia Caramuru

Clérigo Conq. da Pedra Branca Bahia Quiriris

Clérigo Conq. da Pedra (2ª

Aldeia) Bahia Tapuias

Capucho Italiano Rodelas Bahia Periás

Capucho Italiano Porto da Folha Bahia Urumas

Capucho Italiano Pacatuba Bahia Caxago

Italiano Uma do Cairu Bahia Tupinambás

Franciscano Itapicuru de Cima Bahia Tupinambás

Franciscano Massacará Bahia Quiriris e Catribis

Franciscano Bom Jesus da Jacobina Bahia (não informado)

Franciscano Saí Bahia (não informado)

Franciscano Juazeiro Bahia (não informado)

Franciscano Curral dos Bois Bahia Quiriris

Carmelita Calçado Aldeia do Real Bahia Quiriris

Carmelita Calçado Japaratuba Bahia Boimé

Carmelita Calçado Água Azêda Bahia Boimé

Carmelita Calçado Massarandupió Bahia Tupinambás

81 Dessa relação (Quadro 1), 13 aldeias pertenciam aos jesuítas contra 9 dos clérigos, 4 das carmelitas, 6 dos franciscanos e 4 dos capuchos. Os jesuítas caracterizaram-se pelo dinamismo evangelizador e, ao mesmo tempo, ofereciam uma educação hegemônica nas terras brasílicas. Observa-se que o número de missões jesuíticas na Colônia apresentava-se em uma dinâmica para um projeto pedagógico.

Fazer missão e, depois, fazer educação escolar contribuiu não apenas para a organização das letras, mas, também, para a criação de uma teia fortificada que se liga aos colégios e a todas as escolas elementares tendo o Ratio Studiorum como guia máximo, segundo a informação de Sangenis:

De fato, os jesuítas empreenderam no Brasil uma significativa obra missionária e evangelizadora, especialmente fazendo uso de novas metodologias, das quais a educação escolar foi uma das mais poderosas e eficazes. Em matéria de educação escolar, os jesuítas souberam construir a sua hegemonia. Não apenas organizaram uma ampla ‘rede’ de escolas elementares e colégios, como o fizeram de modo muito organizado e contando com um projeto pedagógico uniforme e bem planejado, sendo o Ratio Studiorum a sua expressão máxima – grifo do autor.191

O mapeamento das missões (Quadro 1), destacadas por Abreu, mostra que os jesuítas, em tão pouco tempo no Brasil colonial, se propagaram rapidamente sobre o lema da catequese e educação em relação às outras ordens e tornaram-se conhecidos por defenderem a educação.192

Toda a obra missionária era motivo para educar, para evangelizar, para divulgar o mundo luso-europeu; e para que isso ocorresse, toda casa era uma escola, um templo, uma localidade para ensinar.

Gramsci relata que a Companhia de Jesus é a última grande ordem religiosa com caráter repressivo e diplomático e assinalou com seu nascimento o endurecimento do órgão católico. Ainda enfatiza:

As novas ordens surgidas posteriormente têm um pequeníssimo significado “religioso” e um grande significado disciplinar sobre a

191 SANGENIS, Luiz Fernando Conde. “Franciscanos na Educação Brasileira”. In_: STEPHANOU,

Maria e BASTOS, Maria Helena Câmara. Histórias e Memórias da Educação no Brasil – vol. I – Séculos XVI-XVIII, 2004, p. 93.

192ABREU, Cipriano de. Capítulos de História Colonial (1500 – 1800), 1969.

Clérigo Jiquiriçá Bahia Tupinambás

Clérigo Jaguaripe do Rio

d’Aldeia Bahia Tupinambás

82 massa dos fiéis: são ramificações e tentáculos da Companhia de Jesus (ou se tornariam isso), instrumentos de resistência ara conservar as posições políticas adquiridas, não forças renovadoras de desenvolvimento. O catolicismo se transformou em jesuitismo193

Pode-se refletir, com Gramsci ao entender que os jesuítas chegaram às terras brasílicas e mostraram-se ativos. Na medida em que a Ordem interpreta o mundo em sua volta, com disciplina apoiando a Coroa portuguesa, as posições políticas são atingidas.194

Os jesuítas atuavam diante do português e do indígena que lá viviam. Catequizando e oferecendo conhecimento prático do mundo. Porém, muitos indivíduos não tinham clara a dimensão consciente da produção intelectual desses inacianos. Pode- se dizer que a consciência histórica se coloca em contradição com o agir. Essa condição está implícita ou claramente expressa a ligação dos indivíduos a um grupo social determinado, influenciando a conduta ética e moral que acaba definindo sua direção de vontade, levando-os a uma atividade passiva.195

O fato inegável é que existe uma luta que pode ser travada no campo da política, da educação, ou apresentar-se em qualquer área do saber. Segundo Gramsci, “a consciência de fazer parte de uma determinada força hegemônica é a primeira fase de uma ulterior e progressiva autoconsciência, na prática finalmente se unificam”196.

Existiu uma hegemonia jesuítica, e o conceito sobre “hegemonia” em Gramsci significa muito mais que uma um progresso sistemático. Ele pressupõe uma identidade e unidade intelectual, uma posição ética adequada à realidade vivida, uma concepção do real.

Entende-se que a Companhia de Jesus se estabelece como ordem hegemônica porque se encontra em uma realidade cuja identidade expressa toda a atividade intelectual na prática catequética, que revela uma unidade intelectual. Isso não significa dizer que os indivíduos pensavam (pelo menos a princípio) da mesma forma e, sim, que defendiam a mesma proposta educativa.

193 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, vol I. Trad. Carlos Nelson Coutinho, 2004, p. 102. 194 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, vol I. Trad. Carlos Nelson Coutinho, 2004, p. 102. 195 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, vol I. Trad. Carlos Nelson Coutinho, 2004, p. 102. 196 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, vol I. Trad. Carlos Nelson Coutinho, 2004, p. 103.

Quando Gramsci pensa em “fase”, deve-se lembrar que essa palavra vem do grego φασις e pode ser traduzida por “aparência”. Ela apresenta um sistema caracterizado pela sua composição de estado evolutivo. A autoconsciência não é um dado de algum fato mecânico, mas um “devir histórico- econômico” aparente que se apresenta em uma estrutura política. GRAMSCI, Antonio. Cadernos do

83 Não é de se estranhar que Inácio de Loyola inicia suas Constituições da Companhia de Jesus com as fórmulas da aprovação dos Sumos Pontífices Paulo III e Júlio III em Cartas apostólicas (Regimini Militantis e Exposcit Debitum), que determinam que a Companhia de Jesus seja aceita na cristandade católica. Faz isso para mostrar sua unidade com a realidade da Igreja. O reconhecimento da Companhia de Jesus pelos referidos documentos levou-a a um excelente crescimento.

Por esse motivo, a educação de um inaciano era importante. Segundo Azzi, a “formação de um jesuíta” dava-se por meios de profunda formação intelectual dos indivíduos, visto que “sempre uma das finalidades dos colégios, [era] o alto nível intelectual desses estabelecimentos de ensino”197.

Assim, fica claro que a Companhia de Jesus percebeu a necessidade de criar colégios, estruturar, pedagogicamente, o mundo, criar não apenas jesuítas, mas homens que estivessem em sintonia com a época em que viviam. As Normas Complementares, o Ratio Studiorum e os Exercícios Espirituais da Companhia de Jesus foram fundamentais para que a Ordem se organizasse de modo consistente, intelectual, pedagógica e espiritualmente. Sabemos que as Normas Complementares da Companhia de Jesus receberam das Constituições, em IIB (Constituições com suas declarações), na IV Parte (Como instruir nas letras e em outros meios de ajudar o próximo, os que permanecem na Companhia), subsídios para desenvolver não apenas seu caráter catequético, como, também, educativo.

Esse documento trata das virtudes intelectuais, morais e religiosas as quais competia à Companhia de Jesus exercitar. Segundo o documento da Cúria da Companhia de Jesus publicado em Roma em 1559, conforme Quadro 2198.

Quadro 2 - Virtudes intelectuais, morais e religiosas exercitadas pela Companhia de Jesus

197 AZZI, Riolando. “A instituição eclesiástica durante a primeira época colonial”. In_: (org)

HOORNAERT, Eduardo. História da Igreja no Brasil, 1992, p. 213.

198 As informações divulgadas no plano a seguir foram transcritas das CONSTITUIÇÕES DA

COMPANHIA DE JESUS/Normas Complementares, 2004 do Prefácio desta edição. Ressalva-se que

Sacchini acreditava que não deveria acrescentar nada às Normas Complementares das Constituições, apenas deveria aparecer a produção de Santo Inácio de Loyola. Para a editora, como foram necessários novos acréscimos no início e no fim das sucessivas publicações, não achou motivo para não divulgar essa parte – nota do Prefácio das próprias Constituições.

Superiores

Os superiores devem encontrar, nesse documento, os meios de converter-se em modelo para outros, de governar os súditos com retidão e solicitude, provar os noviços, educar os imperfeitos, confortar os fracos, exercitar os virtuosos e guiar com perfeição.

84 A “razão”, por sua vez, incorpora para si toda essa estrutura visando à forma pedagógica educacional que pode ser vista de maneira clara e precisa no Ratio Studiorum:

... regras do provincial, depois do reitor, do prefeito de estudos, dos professores de um modo geral, de cada matéria de ensino, incluía também, às regras da prova escrita, da distribuição de prêmios, do bedel, dos alunos e por fim as regras das diversas academias. Além das regras e das normas...199

Os Exercícios Espirituais é um pequeno livro que nasceu das experiências espirituais do fundador da Companhia de Jesus e está assentado em dois aspectos: 1º) como fundamento da ratio apoiadora na fides (influência da filosofia de São Tomás), só ela poderia entender a criação do homem e o fim para que ele fosse criado; e 2º) outro, fundado na fides, que estabelece a crença na encarnação do filho de Deus cuja imitabilidade deve ser a maior ambição do homem. O Ratio Studiorum também se estabeleceu como importante documento da Companhia. Ele é descrito como código pedagógico jesuítico que adaptava certas ordenações aos diversos países e aos lugares em que fazia presente a missão evangelizadora dos jesuítas.200 As matérias dos colégios eram estruturadas em três níveis: superior, médio e inferior. Segundo Cabral,

Esses Collégios variavam segundo o número e qualidade das matérias que nelles se cursavam. Mas, assignalada a differença entre o desenvolvimento de então e de hoje nos vários ramos do saber, podiam classificar-se parallelamente aos de agora em cursos

superiores, médios e inferiores.201

199 TOYSHIMA, Ana Maria da Silva; MONTAGNOLI, Gilmar Alves e COSTA, Célio Juvenal.

“Algumas Considerações sobre o Ratio Studiorum e a Organização da Educação nos Colégios Jesuíticos”. In: XIV Simpósio Internacional Processos Civilizadores, 2012, p. 2. Segundo os autores, as Normas

Complementares oferecem de forma significativa a base para toda a estrutura do Ratio Studiorum.

200 LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil, Tomo I, 1938, passim.

201 Segundo CABRAL, Luis Gonzaga. Jesuítas no Brasil no Século XVI, 1925, p.149, “Os altos estudos

comportavam theologia, com exegese, moral e casuistica; para carreiras ecclesiásticas; e philosophia, com as correspondentes aulas de sciencias naturaes e exactas, quaes as abrangia o empirismo rudimentar da oosmologia de então, para os que aspiravam a mais elevada cultura nas carreiras liberaes profanas. Os estudos médios compreendiam grammática, humanidades e rhetórica, com o ensino auxiliar de erudição

Aos súditos

Os súditos deverão aprender a reverenciar os superiores (amá-los como pais), respeitar os mestres (obedecer com devoção) e confiar nos conselhos e seguir suas recomendações.

Os mestres

Deverão saber qual matéria ensinar e com que método, quais exercícios propor para que os alunos assimilem, formando a sua consciência e formando sua inteligência.

Os escolásticos

Deverão compreender a finalidade perfeita de seus estudos e aprenderão a integrar oração e estudo, piedade e ciência, o desenvolvimento da afetividade com a reflexão intelectual, evitando, assim, que suas preocupações apaguem ou entibiem o fervor do espírito.

85 Enquanto Cabral fala em “níveis de ensino”, Leite aponta para o estabelecimento de três estudos. São eles:

Letras Humanidades, Artes e Teologia, ciclo geral dos estudos na Companhia de Jesus, ciclo longo, porque num Jesuíta a ciência é absolutamente necessária, quase tão necessária como a virtude. No Brasil, os colégios propriamente ditos, devia haver, por direito, algumas aulas de ensino secundário, pelo menos Gramática ou Humanidades. Fora dos colégios existiam nas casas espalhadas pelas capitanias, escolas de ler e escrever, escrever e cantar. Mas este ensino primário pode e deve considerar-se prolongamento da catequese.

Depois o estudo elementar, que também houve sempre nos colégios do Brasil, o primeiro curso, segundo S. Inácio, abrangia as Letras Humanas, o latim, o grego e o hebreu. Entendia ele por Letras Humanas, além de Gramática, a Retórica, a Poesia e a História. Mas o fundador da Companhia tinha-lhes assinalado, como fim próprio, a evangelização da Europa e fora dela. Daqui a necessidade de preparação adequada. Os que fossem destinados aos mouros ou turcos deveriam aprender a língua arábica ou caldaica; os que fossem para Índia, a índica, e assim para outras. A língua é o instrumento apto e próximo para a conquista das almas.202

Percebe-se que aí está a razão por que os jesuítas valorizavam tanto a palavra e o estudo das línguas. Essa estratégia levava à seguinte racionalização: “elementos que constituem a racionalidade [e] formam uma espécie de instrumento (...) que indica a direção para a ação, que alimenta e retroalimenta a atuação e o pensamento teórico no seio da Companhia”203.

Segundo lembra Costa, o vivenciar jesuítico traduz-se no viver pronto para agir, compreender, ensinar, aprender, evangelizar. É um constante transmitir ou impor, por via das missões, das pregações, das confissões e dos colégios, uma determinada

histórica, geográphica e artística. A base dessa cultura, que hoje chamariamos gymnasial, eram as línguas clássicas, mormente o latim; e era em funcção deste que se cultivava a própria língua vernácula; a experiência mostrou com quanta vantagem para o elegante manejo della. Os estudos inferiores davam· -se nas aulas primárias, chamadas escolas de ler e escrever, onde, ao lado de uma primeira erudição rudimentar, se ensinavam contas, e se iniciavam as crianças na musica vocal, raramente também na instrumental. Tem sido por vezes lançado em rosto á Companhia de JESUS o descaso da escola primária. Se a observação se referisse aos Collégios dos JESUITAS na Europa durante os primeiros séculos da existência da Ordem. Os estudos inferiores davam se nas aulas primárias, chamadas escolas de ler e

escrever, onde, ao lado de uma primeira erudição rudimentar, se ensinavam contas, e se iniciavam as crianças na musica vocal, raramente também na instrumental. Tem sido por vezes lançado em rosto á Companhia de JESUS o descaso da escola primária”.

202 LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus, Tomo I, 1938, p. 70.

203 COSTA, Célio Juvenal. “Educação jesuítica no Império do Século XVI: o colégio e o Ratio Studiorum”. In_: PAIVA, José Maria de, ASSUNÇÃO, Paulo e BITTAR, Marisa, (org). Educação

86 religião.204 Paiva entende, no texto Religiosidade e Cultura Brasileira, que letrados e clérigos são funcionários de Portugal a serviço do Rei. Eles desempenham a função real de manter a coesão social.205

Os jesuítas não são diferentes. Eles tinham uma forma de viver, contribuindo para a expansão da cultura luso-europeia. Sua investida na educação criava, na Colônia, a possibilidade de o indivíduo participar das cidadelas brasílicas que tinha como finalidade imitar a Metrópole Portuguesa, via prática educativa, cultural, ou prática de vida diária.

A forma de agir e inserir uma prática pedagógica como ação fracionária leva a formar um quadro hegemônico que se enraíza na construção de suas instituições e formação intelectual. Isso equivale à possibilidade de implementação positiva da superioridade da Ordem nas terras brasílicas, além de sua aproximação com o Estado português. Conforme Bittar e Ferreira Junior, “hegemonia significa superioridade, preponderância, direção; portanto, é um conceito político”206.

Ensinar o exercício de ler e escrever é a possibilidade de projetar-se na sociedade como detentores do conhecimento; é o convênio de estar incluso diante do mundo vigente; é oferecer aprendizado e projetar o mundo português (ou, minimamente, levar o gentio a entender o mundo português). Deve-se (re)lembrar que, para Costa, os jesuítas apenas transmitem sua forma de catequese, via sua pedagogia207.

Para Paiva, os jesuítas promovem, via pedagogia, uma coesão social:

Letrados e clérigos são funcionários: desempenham a função real de manter a coesão da sociedade, na concepção descrita. Uns e outros buscam, na realização de suas funções, a realização do Reino nos termos a todos comuns. Uns e outros representam o garante da estabilidade social.208

204 COSTA, Célio Juvenal. “Educação jesuítica no Império do Século XVI: o colégio e o Ratio Studiorum”. In_: PAIVA, José Maria de, ASSUNÇÃO, Paulo e BITTAR, Marisa, (org). Educação

História e Cultura no Brasil Colônia, 2007, passim.

205 PAIVA, José Maria de. “Religiosidade e formação da cultura brasileira: século XVI a XVIII”. In: II

Congresso Brasileiro de História da Educação/Natal RN, 2002. p. 1-18.

206 BITTAR, Marisa e FERREIRA JUNIOR, Amarilio. “O Estado da Arte em História da Educação

Colonial”. In_: (Org.) LOMBARDI, José Claudinei, SAVIANI, Demerval e NASCIMNETO, Isabel Moura. Navegando pela História da Educação Brasileira, 2006, p. 3.

207 COSTA, Célio Juvenal. “Educação jesuítica no Império do Século XVI: o colégio e o Ratio Studiorum”. In_: PAIVA, José Maria de, ASSUNÇÃO, Paulo e BITTAR, Marisa, (org). Educação

História e Cultura no Brasil Colônia, 2007, p. 33(grifo nosso).

207 COSTA, Célio Juvenal. “Educação jesuítica no Império do Século XVI: o colégio e o Ratio Studiorum”. In_: PAIVA, José Maria de, ASSUNÇÃO, Paulo e BITTAR, Marisa, (org). Educação

História e Cultura no Brasil Colônia, 2007.

208 PAIVA, José Maria de. “Religiosidade e formação da cultura brasileira: século XVI a XVIII”. In: II

87 Por coesão social, entende-se, como o autor citado, aquilo que é passível de ser analisado a partir de uma regra comum, que leve os homens a realizarem funções que favoreçam um determinado governo, nesse caso, o reino de Portugal. Os jesuítas, ao transmitirem sua forma de ver o mundo, segundo os ditames da cultura luso-europeia, acabam favorecendo a Metrópole Portuguesa realizando a coesão social na Colônia brasílica a partir de uma ação prática de exercício hegemônico. A unidade cristã é viabilizada pelo corpo místico, que se “forma entre Igreja e Estado”. Nasce, assim, uma hierarquia que leva os indivíduos a estarem “próximos uns dos outros”.209

Ensinar a ler e a escrever não era apenas formar crianças para lerem em língua portuguesa, latim ou qualquer outro idioma clássico; era o estabelecimento de uma língua estrangeira em uma nação. Os indígenas estavam sofrendo por causa da