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CONSTITUICÕES BRASILEIRAS ANTERIORES A

No documento Tortura : na atividade policial investigativa (páginas 129-133)

De início é preciso que se destaque a distinção existente entre Carta Constitucional e Constituição. A distinção fundamental, entre outras, está no fato de que a Constituição é promulgada, enquanto que a Carta Constitucional é outorgada. A primeira origina-se do Poder Legislativo, que representa o povo, enquanto a segunda, origina-se do Poder Executivo (representa, portanto, a vontade unilateral).

Assim, tivemos no Brasil, rigorosamente, até hoje, três Cartas Constitucionais e cinco Constituições: A Carta Constitucional de 23.03.1824, outorgada por D. Pedro; a Constituição de 17 de julho de 1891, primeira Constituição Republicana; a Constituição de 17.07.1934, imposta e resultante da Revolução Constitucionalista de 1932; a Carta Constitucional de 17.11.1937, outorgada por Getúlio Vargas; a Constituição de 18.09.1946,

seguindo-se a de 24.01.1967, a Carta Constitucional de 17.10.1969 e, finalmente, a atual Constituição de 1998.

Sobre a Tortura, no sentido de proibi-la explicitamente, apenas a Carta Constitucional de 1824 e a Constituição de 1988 fizeram referencia nesse sentido.

A Carta Constitucional de 1824, como já vimos, tratou do assunto no inc. XIX do art. 179, inserido no Título 8º, que trata "Das Disposições Garais e Garantias dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros", que teve a seguinte redação: "Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis".

A Constituição de 1891, na secção dedicada à Declaração de Direitos, nos §§ 20 e 21 do art. 72, cuidou de abolir a pena de galés e a pena de morte.

A Constituição de 1934, no Capítulo dedicado aos Direitos e Garantias Individuais, limitou-se, no número 29 do art. 113, a proscrever as penas de banimento, morte, sendo que com relação a esta última, admitiu-a nos casos de crime militar em tempo de guerra.

A Carta Constitucional de 1937, no seu art. 37 nº 13, inserido no titulo que cuida dos Direitos e Garantias Individuais, vedou as penas corporais perpétuas e ampliou a pena de morte para além do crimes militares em tempo de guerra, estabelecendo-a também para os seguintes tipos penais que descreve em seis alíneas:

a) tentar submeter o território da Nação ou parte dele à soberania de Estado estrangeiro;

b) tentar, com o auxilio ou subsidio de Estado estrangeiro ou organização de caráter internacional, contra a unidade da Nação, procurando desmembrar o território sujeito à sua soberania;

c) tentar por meio de movimento armado o desmembramento do território nacional, desde que para reprimi-lo se torne necessário proceder a operação de guerra;

d) tentar, com auxílio ou subsídio de Estado estrangeiro ou organização de caráter internacional, a mudança da ordem política ou social estabelecida na Constituição;

e) tentar subverter por meios violentos a ordem política e social, com o fim de apoderar-se do Estado para o estabelecimento da ditadura de uma classe social;

f) o homicídio cometido por motivo fútil e com excesso de perversidade.

A Constituição de 1946, no seu § 31 do art. 141, inserido no Título que trata da Dos Direitos e Garantias Individuais, extingue as penas de morte, banimento, de confisco e de caráter perpétuo, ressalvando, quanto a pena de morte, os casos de crime militar em tempo de guerra com país estrangeiro.

A Constituição de 1967, cujas características básicas foram assimiladas da Constituição de 1937169, no seu § 11 do art. 150, inserido no Capítulo que trata dos Direitos e Garantias Individuais, manteve a exclusão das penas de morte, prisão perpétua, banimento e confisco, excepcionando a primeira nos casos de crimes militares em tempo de guerra externa.

Ainda com relação a Constituição de 1967, vale destacar a criação do Estado de Sítio, regulado pelos artigos 152 a 156, que atribuiu ao Presidente da República o poder de decretá-lo, nas hipóteses de "I - grave perturbação da ordem ou ameaça de sua irrupção e "II - guerra" (art. 152) , sendo que, na sua vigência poderia ser determinada a "supressão das garantias constitucionais".

Destacamos a criação do Estado de Sitio porque é dele que utilizará o famigerado Ato Institucional nº 5, de 13.12.1968, em cuja vigência, até o dia 31 de dezembro de 1978, jogou o Brasil no mais longo período ditatorial da sua história e fez da sociedade brasileira, durante dez anos, uma sociedade sem

direito a "habeas corpus" em casos de "crimes contra a segurança nacional" (qualquer ação poderia ser interpretada como sendo contra a segurança nacional) , sem garantia constitucional e que deu à tortura a condição de política de Estado.

O Ato Institucional nº 5 havia rompido com a ordem constitucional, ao qual se seguiu mais uma dezena e muitos atos complementares e decretos- leis, até que Costa e Silva, então Presidente, doente, ficou impossibilitado de continuar governando através do Ato Institucional nº 12, de 31.12.1969, que atribuiu o exercício do Poder Executivo aos três ministros militares, que completaram o preparo do novo "texto constitucional", afinal promulgado em 17.10.1969, como a Emenda Constitucional nº 1, que entrou em vigor em 30.10.1969 que, teórica e tecnicamente, como adverte Silva170, "não se tratou de emenda, mas de nova constituição. A Emenda só serviu como mecanismo de outorga, uma vez que verdadeiramente se promulgou texto integralmente novo".

Tal texto "constitucional", no Capítulo dedicado aos Direitos e Garantias Individuais, não faz menção à tortura, e no § 11ao art. 153, dispõe que

não haverá pena de morte, de prisão perpétua, de banimento ou confisco, salvo no caso de guerra externa, psicológica adversa, ou revolucionária ou subversiva, nos termos que a lei determinar. Esta disporá, também, sobre o procedimento de bens por danos causados ao erário, ou no caso de enriquecimento ilícito no exercício do cargo, função ou emprego na Administração Pública, direta ou indireta.

Durante os vinte e um anos de duração do regime militar, sucederam-se períodos de maior ou menor irracionalidade no trato das questões políticas. Foram duas décadas de avanços e recuos, ou, como se dizia na época, de "aberturas" e "endurecimentos". De 1964 a 1967 o presidente Castello Branco procurou exercer uma ditadura temporária. De 1967

a 1968 o marechal Costa e Silva tentou governar dentro de um sistema constitucional, e de 1968 a 1974 o país esteve sob um regime escancaradamente ditatorial. De 1974 a 1979, debaixo da mesma ditadura, dela começou-se a sair. Em todas essas fases o melhor termômetro da situação do país foi a medida da prática da tortura pelo Estado. Como no primeiro dia da Criação, quanto se tratava de separar a luz das trevas, podia-se aferir a profundidade da ditadura pela sistemática com que se torturavam os dissidentes.

Com essas palavras, Elio Gaspari praticamente inicia o seu recentíssimo livro, jocosamente intitulado "A Ditadura Envergonhada171". Com as mesmas palavras encerramos, em parte, nossa abordagem histórico- dogmatica da tortura no plano constitucional brasileiro. Em parte porque, ainda nessa perspectiva, resta-nos verificar como ela encontra-se normativamente disciplinada no ordenamento jurídico nacional a partir da Constituição de 1988, que em tudo, ou quase tudo, difere dos anteriores.

2.6.1 - A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E O TRATAMENTO DISPENSADO À

No documento Tortura : na atividade policial investigativa (páginas 129-133)