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O constituir da Constituição: uma crítica Hermenêutica pela via da Educação Ambiental ao habitus 560 jurídico

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE – FURG (páginas 175-200)

Capítulo 5. O Direito Tributário e a interpretação conforme a Constituição: uma proposta epistemológico-hermenêutica de Educação Ambiental formulada a

1) O meio ambiente seria uma preocupação “estética” típica apenas dos bem de vida; 2) os mais pobres, em sua maioria, não vivem

5.2. O constituir da Constituição: uma crítica Hermenêutica pela via da Educação Ambiental ao habitus 560 jurídico

Figura 24. BelezaPura, Beatriz Milhazes561

560 Afirma Streck que “O habitus (sentido comum teórico dos juristas) pode ser entendido como o conjunto de crenças e práticas que compõem os pré-juízos do jurista, que tornam a sua atividade refém da quotidianidade (algo que podemos denominar de concretude ôntica), d’onde falará do e sobre o direto. É o desde-já-sempre e o como-sempre-o-direito-tem-sido, que proporciona a rotinização do agir dos operadores jurídicos, propiciando-lhes, em linguagem heideggeriana, uma “tranquilidade tentadora”. O habitus é uma espécie de “casa tomada”, onde o problema de estar-refém-do-habitus não se apresenta sequer como (als) um problema-de-estar-refém-do-habitus. É o lugar onde a suspensão dos pré-juízos não ocorre, impossibilitando-se a sua confrontação com o horizonte crítico. Em síntese, o habitus vem a ser o locus da decaída para o discurso inautêntico repetitivo, psicologizado e desontologizado”. (STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2013.p.50-1).

561 MILHAZES, Beatriz. Beleza Pura. 2006. Disponível em:

<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa9441/beatriz-milhazes>. Acesso em: 20 nov. 2016. Minha proposta de tese vem representada a partir da obra da artista Beatriz Milhazes, onde através dela procuro expressar meu desejo de transformação e minha crença na possibilidade dessa mudança construída a partir da justiça social e da democracia. É enfim meu convite para a reflexão, para o diálogo, para olhar o novo com os olhos do novo.

Antes de tudo, preciso reforçar que o viés dialógico que caminhou por todo esse trabalho teve sempre como pano de fundo a Hermenêutica Filosófica e a Educação Ambiental, de modo que, ainda que não referidas objetivamente ao longo de todas estas reflexões, encontram-se entremeadas em todo o texto, sendo a condição de possibilidade do próprio texto.

Porque hermenêutica é modo-de-ser no mundo, e assim também o é a Educação Ambiental, cujo papel se constitui, nunca é demais afirmar, em “um dos vários modos de abordar as consequências políticas da vida contemporânea”

562

. Com a hermenêutica, abre-se a possibilidade de um novo pensar a partir da Educação Ambiental, a qual:

Trata-se de uma abordagem mais centrada nas experiências e vivências humanas, deixando de lado o tecnicismo e a tentativa de simplesmente “conscientizar”, para sensibilizar o ser humano por meio de seus problemas sociais e ambientais, mostrando as relações sistêmicas envolvidas, em que um afeta diretamente o outro, em uma retroalimentação.

563

É, como eu disse anteriormente, um convite a reflexão e o agir crítico para uma transformação da realidade sob a qual se sucumbe. Nessa perspectiva da Educação Ambiental como espaço dialógico que tracei minhas ponderações, inclusive e principalmente colocando à prova minhas pré-compreensões e compreensões, a partir da pergunta.

Busquei superar a partir da pergunta formulada o horizonte histórico caracterizado

564

, e ao perguntar coloquei e coloco em aberto aquilo sobre o que pergunto em sua questionabilidade

565

, e “compreender a questionabilidade de algo já é sempre perguntar”

566

.

562 GRÜN, Mauro. A outridade da natureza na Educação Ambiental. In: CARVALHO, Isabel Cristina de Moura; GRÜN, Mauro; TRABJER, Rachel (Org.). Pensar o ambiente: bases filosóficas para a Educação Ambiental. Brasília: Ministério da Educação, Unesco, 2006. p. 181-189. Disponível em:

<http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/publicacao4.pdf&usg=AFQjCNG1EoGrraSQ_1NDF_0TnBkxU DlhVg&sig2=-Uqy1yR8u7pzooLAtsIOQA>. Acesso em: 25 set. 2016.p.187.

563 EICHENBERGER, Jacqueline; PEREIRA, Vilmar Alves. Filosofia Hermenêutica e suas contribuições para a Educação Ambiental. In: PEREIRA, Vilmar Alves (Org.). Hermenêutica & Educação Ambiental: no contexto do pensamento pós-metafísico. Juiz de Fora: Garzia Edizioni, 2016. p.126.

564 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método I: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis: Editora Vozes, 2013.p. 487.

565 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método I: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis: Editora Vozes, 2013.p. 474.

566 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método I: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis: Editora Vozes, 2013.p. 489.

Estabeleço, enfim, um diálogo com o texto para compreender, e nesse sentido, “é preciso que as perguntas ultrapassem o que foi dito. Deve-se compreender o que foi dito como resposta a uma pergunta”

567

.

Assim, sob este olhar dialógico que se proporciona a partir da Educação Ambiental, e que Gadamer reconheceu como o “espaço privilegiado da experiência hermenêutica”

568

é que encaminho agora minhas últimas reflexões.

No mundo capitalista em que se vive, a ideia dos tributos ultrapassa a de mero pagamento pelos serviços e bens públicos disponibilizados à sociedade. Mais do que isto, são também “o instrumento mais importante por meio do qual o sistema político põe em prática uma determinada concepção de justiça econômica ou distributiva”

569

.

Isto porque, além da eficiência econômica, a justiça é “o valor social a que tradicionalmente se dá peso na formulação de um sistema tributário”

570

, ou seja, o sistema deve ser eficiente no que se refere ao viés econômico, mas também justo.

No Brasil, soma-se a ideia de justiça a de dignidade da pessoa humana, princípio norteador de todo o sistema jurídico e que deve ser lido, face à ambientalização do sistema jurídico sob uma perspectiva biocêntrica, isto é, como uma construção coletiva que promove a vida em todas as esferas.

Um dos aspectos dessa ideia de justiça tributária é justamente o exame do destino que o governo dá a estes recursos fiscais. Este viés se torna ainda mais relevante se o cenário for o de uma zona de sacrifício. É que neste caso, além de todo o dano socioambiental sofrido, por ação dos empreendimentos econômicos, sem que tenha existido participação decisória da sociedade nesta apropriação, a zona de sacrifício concentra também ausência ou deficiência de políticas de saneamento, moradia, lixo, o que agrava ainda mais as condições ambientais do local.

É o caso de Rio Grande, como apresentei no item anterior. E aí se estabelece um paradoxo, típico do modelo capitalista. O município, zona de sacrifício, é ao mesmo tempo um dos maiores contribuintes na receita tributária.

A despeito de toda a série de direitos fundamentais violados em razão dos impactos causados pelos megaempreendimentos existentes no município, somados

567 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método I: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis: Editora Vozes, 2013. p.482.

568 FLICKINGER, Hans-Georg. Gadamer & a Educação. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014. p.54.

569 MURPHY, Liam; NAGEL, Thomas. O mito da propriedade. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p.5.

570 MURPHY, Liam; NAGEL, Thomas. O mito da propriedade. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p.16.

a uma política estatal que serve majoritariamente ao mercado, fato é que Rio Grande é um dos municípios de destaque no estado no que se refere ao cenário econômico, especificamente o PIB, como já foi apontado (figura 16).

Ainda, a cidade realizou em 2014, o total de U$FOB

571

2.914.366.833,00 em exportações o que por si só é revelador do montante de capital que gira nas atividades econômicas dos grandes empreendimentos. Não fosse apenas isso, Rio Grande figura no 6º lugar no que se refere a arrecadação total de impostos e taxas municipais

572

, tendo atingido em 2015 o valor de R$ 138.134.047,05

573

, o que representa 26,66% da receita total. Em 2016, até o terceiro bimestre já haviam sido arrecadados R$ 76.268.383,87, sendo que a estimativa de arrecadação até o final do ano é de R$ 157.334.494,10

574 575

.

571 A sigla FOB, free on board, designa uma modalidade de exportação onde o vendedor encerra suas obrigações quando a mercadoria transpõe a amurada do navio no porto de embarque, e, a partir daquele momento o comprador assume todas as responsabilidades, inclusive perdas e danos

(SECRETARIA DE COMÉRCIO EXTERIOR. Incoterms. Disponível em:

<http://www.aprendendoaexportar.gov.br/informacoes/incoterms_fob.htm>. Acesso em: 16 ago. 2016).

572 Entendo importante chamar a atenção para o fato de que nessa conta não estão computados outros repasses governamentais e as transferências tributárias, isto é, os valores percentuais que o município recebe do estado e da União por conta da repartição tributária fixada na Constituição Federal. Por exemplo, em 2013, a União repassou ao município o valor de R$ 113.432.836,79 (DEEPASK. Portal da transparência das cidades do Brasil: Rio Grande. Disponível em:

<http://www.deepask.com.br/goes?page=Confira-os-indicadores-municipais-e-dados-demograficos-sociais-e-economicos-do-seu-municipio>. Acesso em: 16 ago. 2016).

573 RIO GRANDE DO SUL. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO. Controle Social - Receita: Receita

Tributária - Rio Grande. Disponível em:

<http://www1.tce.rs.gov.br/aplicprod/f?p=20001:26:12567934302728::NO:RP,26:P26_CD_CONTA_S G,P26_CD_RECURSO,P26_DS_CONTA_SG:11000000000000,,RECEITA TRIBUTARIA>. Acesso em: 16 ago. 2016.

574 RIO GRANDE DO SUL. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO. Controle Social - Receita: Receita

Tributária - Rio Grande. Disponível em: <

http://www1.tce.rs.gov.br/aplicprod/f?p=20001:26:12567934302728::NO:RP,26:P26_CD_CONTA_SG, P26_CD_RECURSO,P26_DS_CONTA_SG:11000000000000,,RECEITA%20TRIBUTARIA>. Acesso em: 16 ago. 2016.

575 Entendo importante chamar a atenção para o fato de que muitas informações acerca das contas públicas, assim como dados sociais não serem tão atuais quanto eu gostaria de referir. Essa dificuldade, em minha opinião, reflete em grande parte a falta de transparência da coisa pública ainda hoje. Em setembro e outubro de 2015, o Ministério Público Federal fez a avaliação dos portais da transparência dos municípios brasileiros a fim de verificar o grau de cumprimento da legislação numa escala que vai de zero a dez (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Índice de Transparência Municipal.

Brasília, 2016. Disponível em:

<http://www.oim.tmunicipal.org.br/abre_documento.cfm?arquivo=_repositorio/_oim/_documentos/863 7FBC1-E46F-9C64-E7DCD1913BCE47E309012016123344.pdf&i=3011>. Acesso em: 16 ago.

2016.p.121). Rio Grande atingiu, nesta pesquisa, o índice de 5,40, o que de certa forma reforça a dificuldade de acessar dados que deveriam estar disponibilizados a toda a sociedade.

Dentre outras receitas

576

que chegam ao município existem aquelas de natureza tributária, provenientes de transferência

577

estadual ou da União, por determinação constitucional. Inserem-se aí os recursos do Fundo de Participação do Município (FPM), composto por 22,5% do Imposto sobre a Renda (IR) e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); e, também, os recursos do IPI–Exportação, já direcionando minha análise para este imposto.

O FPM foi instituído pela Emenda Constitucional 18 de 1965, tendo sido regulamentado pelo CTN no artigo 91, e, iniciada sua distribuição em 1967, quando então, o único critério de distribuição baseava-se na população dos municípios. A Constituição Federal de 1988 também ratificou o FPM, recepcionando a regulamentação do CTN e aumentando o percentual de participação deste fundo no IR e IPI para 22,5% mais 1%

578

. Considerando que o repasse é calculado sobre a arrecadação dos dois impostos, o montante transferido é proporcional ao desempenho da arrecadação líquida no período anterior. Numa apertada síntese, as regras gerais sobre o fundo podem ser assim visualizadas:

576 Receitas advindas de subsídios, de transferências voluntárias, etc.

577 A repartição tributária foi criada com a finalidade de corrigir desequilíbrios em matéria fiscal, existente em qualquer federação, isto é, os descompassos entre a capacidade de tributar e as responsabilidades por gastos públicos.

578 Art. 159. A União entregará: I - do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados, 49% (quarenta e nove por cento), na seguinte forma: (...) b) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Municípios; (...) d) um por cento ao Fundo de Participação dos Municípios, que será entregue no primeiro decêndio do mês de dezembro de cada ano; e) 1% (um por cento) ao Fundo de Participação dos Municípios, que será entregue no primeiro decêndio do mês de julho de cada ano; (BRASIL.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília. Disponível em:

<http//www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em 31 de agosto de 2015).

Figura 25. Inter-relação entre a legislação sobre as transferências do FPM579

O coeficiente de cada município é calculado com base na população e renda per capita, com dados fornecidos pelo IBGE ao Tribunal de Contas da União (TCU). Além disso, os municípios, a partir de 1981 passaram a ser classificados em três classes, para efeito do FPM: capitais (10%); interior (86,4%) e reserva (3,6%);

sendo que os municípios da reserva são aqueles com população superior a 152.000 habitantes, como é o caso de Rio Grande. Neste caso específico, os municípios cumulam a parcela do FPM interior com a da participação no FPM reserva, conforme determina o Decreto Lei 1881/81

580

.

579 Imagem organizada pela autora a partir de dados obtidos em: SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL - STN. O que você precisa saber sobre as transferências constitucionais e legais:

Fundo de Participação dos Municípios - FPM. Brasília: Tesouro Nacional, 2012. Disponível em:

<http://www3.tesouro.fazenda.gov.br/estados_municipios/download/CartilhaFPM.pdf>. Acesso em: 17 ago. 2016.

580 “Art 2º - Fica criada a Reserva do Fundo de Participação dos Municípios FPM, destinada, exclusivamente, nos Municípios que se enquadrem no coeficiente individual de participação 4,0 (quatro), conforme definido no artigo 91 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, com a redação alterada pelo Ato Complementar nº 35, de 28 de fevereiro de 1967. Parágrafo único - Os Municípios que participarem dos recursos da Reserva ora criada não sofrerão prejuízo quanto ao recebimento da parcela prevista no § 2º do artigo 91 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, com a redação dada pelo Ato Complementar nº 35, de 28 de fevereiro de 1967.” (BRASIL. Decreto-lei nº 1881, de 27 de agosto de 1981. Altera a Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966, cria a reserva do Fundo De Participação

Uma pequena observação: o FPM reserva é distribuído com base no produto de fatores representativo da população e inversamente proporcional à renda per capita. Ou seja, quanto maior a renda per capita, menor o índice utilizado no cálculo. No caso de Rio Grande, onde há concentração da riqueza em um percentual pequeno da população, esse cálculo se revela injusto porque apresenta uma distorção nesse perfil e reforça o caráter insuficiente das quantificações.

De toda a sorte, em 2015, Rio Grande recebeu de IPI, por conta do FPM:

mês valor

janeiro R$ 956.614,82 fevereiro R$ 569.109,01 março R$ 558.236,85 abril R$ 584.685,74 maio R$ 659.590,87 junho R$ 628.260,98 julho R$ 662.164,84 agosto R$ 615.822,96 setembro R$ 614.073,55 outubro R$ 712.275,23 novembro R$ 648.945,94 dezembro R$ 987.252,30

Total R$ 8.197.033,09 Tabela 3 - Demonstrativo da arrecadação

do IPI (FPM) em 2015 581

Além do FPM, a Constituição Federal determina no artigo 159, inciso II, que também do produto da arrecadação do IPI, 10% calculados proporcionalmente ao valor das exportações de produtos industrializados serão repassados aos Estados e DF. Trata-se do IPI-exportação, onde está estabelecido que, por sua vez, recebido o valor, os Estados devem repassar 25% do que receberam para os seus municípios

582

. Destaco que não obtive sucesso em identificar os valores de repasse para o município de Rio Grande em razão da ausência de transparência no acesso ao público, mas

dos Municípios - FPM e dá outras providências. (Código Tributário Nacional). Decreto-lei 1881/81.

Brasília, 28 ago. 1981. p. 16237. Alterada em 16/04/82).

581 Tabela organizada pela autora a partir de dados obtidos em: BANCO DO BRASIL. Demonstrativo

de Distribuição da Arrecadação. Disponível em:

<https://www42.bb.com.br/portalbb/daf/beneficiarioList,802,4647,4652,0,1,1.bbx?cid=46278>. Acesso em: 16 ago. 2016.

582 Artigo 159, §3º da Constituição Federal. (BRASIL. Constituição (1988). Constituição Federal, de 05 de janeiro de 1988. Constituição Da República Federativa Do Brasil. Brasília, 05 jan. 1988.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 fev. 2014.)

posso informar que no ano de 2015, o Rio Grande do Sul recebeu de IPI–Exportação o valor consolidado de R$423.404.211,39

583

. Apenas a título ilustrativo, apresento a seguir um demonstrativo da participação percentual dos estados no IPI-Exportação em 2014:

Figura 26. Participação percentual das Unidades Federativas no IPI-Exportação no ano de 2014584.

Este é o cenário, e ainda que sucintamente apresentado já pode ser revelador de algumas realidades: a de que a industrialização e o mercado são o mote do governo; que um dos critérios utilizados no cálculo (renda per capita) distorce a realidade da desigualdade econômica no país; e, finalmente, que sendo um dos poucos tributos que registrou maior variação positiva em relação ao PIB

585

, é de todo

583 Dado obtido em: SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL. Transferências Constitucionais.

Disponível em: <http://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2600:1::IR_962295:NO:::>. Acesso em: 17 ago.

2016.

584 SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL - STN. O que você precisa saber sobre as transferências constitucionais e legais: IPI-Exportação. Brasília: Tesouro Nacional, 2014. Disponível em: <http://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/329483/pge_cartilha_ipi.pdf>. Acesso em:

17 ago. 2016.p.8.

585 A informação é da Secretaria da Receita Federal: CETAD - Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros. Carga Tributária no Brasil 2014: Análise por Tributos e Bases de Incidência. Brasília:

SRF, 2015. Disponível em: <http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-e-aduaneiros/estudos-e-estatisticas/carga-tributaria-no-brasil/29-10-2015-carga-tributaria-2014>.

Acesso em: 17 ago. 2016.

interesse de um governo voltado ao mercado, fomentar a indústria e outros empreendimentos em detrimento ao meio ambiente.

Todos estes aspectos analisados reforçam a relevância do IPI neste quadro narrado, especialmente numa zona de sacrifício, como é o caso de Rio Grande, que gera danos irreversíveis à dignidade da pessoa humana e ao meio ambiente, mas também é uma das grandes áreas de industrialização no cenário nacional.

O que quero demonstrar aqui é a aparente disparidade que se estabelece entre a degradação ambiental e a arrecadação tributária por força da atividade industrial lato sensu.

Especificamente quanto ao IPI, é ele de competência da União, instituído pela primeira vez com essa denominação pela Emenda Constitucional (EC) n.18 de 1965, atendendo a então Constituição da época, de 1946, que assim determinava

586

. Logo a seguir, o IPI foi regulamentado pelo CTN, estando previsto nos dispositivos 46 a 51. Também foi recepcionado pelas Constituições posteriores.

A Constituição Federal de 1988 prevê o IPI no seu artigo 153, IV, e no artigo 159, II e §§ 2º e 3º a transferência de parte da arrecadação para Estados, Distrito Federal e Municípios, como já apresentei.

Trata-se, portanto, de um imposto instituído e cobrado pela União em todo o território nacional que incide sobre a operação com produtos industrializados

587

, isto é, “sobre o negócio jurídico que tenha por objeto bem, ainda que não destinado ao comércio (mercadoria), submetido por um dos contratantes a processo de industrialização”

588

. Como incide nas operações em que participa o industrial, é pressuposto da tributação a saída do produto do estabelecimento industrial

589

.

586 “Art. 15. Compete à União decretar impostos sobre: (...) VI – negócios de sua economia, atos e instrumentos regulados por lei federal” (BRASIL. Constituição (1946). Constituição Federal, de 18 de setembro de 1946. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946. Constituição Federal. Brasília,

19 set. 1946. Disponível em:

<https://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/viwTodos/c44c4a59ad7cbc37032569fa007421 ec?OpenDocument&Highlight=1,&AutoFramed;>. Acesso em: 12 out. 2016).

587 Para fins de incidência do IPI considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo.

588 PAULSEN, Leandro. Direito Tributário, Constituição e Código Tributário: à luz da doutrina e da jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p.288.

589 O IPI não incide na venda por comerciante ao consumidor ainda que se trate de produto industrializado, isto porque “não se trata de operação com produto que tenha sido industrializado pelo comerciante, ou seja, não se tem a industrialização como parte daquela operação” (PAULSEN, Leandro. Direito Tributário, Constituição e Código Tributário: à luz da doutrina e da jurisprudência.

Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.p.288). O que ocorre nesta situação é a repercussão econômica, ou seja, o comerciante repassa o custo que teve na aquisição do produto ao consumidor.

Na verdade, pela análise do artigo 46

590

do CTN pode ser observado que o dispositivo abriga três impostos distintos, uma vez que autoriza a incidência sobre três fatos específicos, sendo que apenas um deles pode ser considerado fato do IPI propriamente dito:

(...) aquele cujo aspecto material da hipótese de incidência é

‘industrializar produto e celebrar operação jurídica que promova a transferência de sua propriedade ou posse. A segunda modalidade tributária, contemplada no citado art. 46, é a de adicional do imposto de importação, a cargo de quem traz do exterior produtos industrializados, e a terceiro, de imposto compreendido na competência residual da União, tendo como hipótese de incidência a arrematação de produtos industrializados apreendidos ou abandonados e levados a leilão

591

.

Nos termos da lei, tendo como fato tributário definidor da incidência do imposto a realização de operação jurídica com produto industrializado, o fato é considerado como realizado exatamente quando se dá a saída do produto do estabelecimento industrial ou aquele que for legalmente equiparado, e neste caso se forma a relação jurídico-tributária, onde o tributo será calculado a partir da incidência de uma alíquota (prevista na tabela de incidência do IPI - TIPI) sobre o valor da operação

592

(base de cálculo).

Portanto, observa-se que o IPI é arrecadado a partir dos negócios jurídicos estabelecidos sobre a industrialização, uma das atividades mais potencialmente poluidoras do mercado.

Apenas para se ter uma ideia, em 2015, o país arrecadou R$49.266.434.993,93

593

em receita de IPI. Da mesma forma, no Rio Grande do Sul,

590 Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador:

I - o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira; II - a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51; III - a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão. Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo. (BRASIL. Lei Ordinária nº 5172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Código Tributário Nacional. Brasília, 27 out. 1966.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm>. Acesso em: 06 out. 2013).

591 BOTALLO, Eduardo Domingos. IPI: Princípios e Estrutura. São Paulo: Dialética, 2009. p.23.

592 Por valor da operação tem-se o preço do produto mais todas as despesas acessórias, isto é, “é o valor da operação, representada pelo preço do produto, acrescido do valor do frete e das demais despesas acessórias cobradas ou debitadas pelo contribuinte ao comprador ou destinatário” (SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011.p.1070).

593 RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Arrecadação UF jan a dez 2015. Disponível em:

<http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/arrecadacao/arrecadacao-por-a União <http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/arrecadacao/arrecadacao-por-arrec<http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/arrecadacao/arrecadacao-por-adou <http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/arrecadacao/arrecadacao-por-a título de IPI em 2015, R$5.285.970.066,50

594

, ficando atrás apenas de Minas Gerais e São Paulo

595

, exatamente grandes polos industriais.

É indiscutível que a atividade industrial, sob a ótica tributário-arrecadatória é um excelente negócio para a União considerando especialmente os valores arrecadados. Aliás, volto a dizer que não me parece que a questão resida propriamente na ausência de receita, mas sim no retorno à sociedade em bens e serviços; ou, na escolha de investimentos feita pelo governo, onde se verifica que o meio ambiente

596

, entre outros direitos fundamentais não está entre as prioridades, como se pode perceber no orçamento da União já executado em 2015:

estado/arrecadacao-uf-2015/arrecadacao-por-uf-internet-jan-dez15.ods/view>. Acesso em: 18 ago.

2016.

594 RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Arrecadação UF jan a dez 2015. Disponível em:

<http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/arrecadacao/arrecadacao-por-estado/arrecadacao-uf-2015/arrecadacao-por-uf-internet-jan-dez15.ods/view>. Acesso em: 18 ago.

2016.

595 Os dois estados arrecadaram R$ 5.584.613.833,78 e R$ 20.971.826.035,17, respectivamente (RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Arrecadação UF jan a dez 2015. Disponível em:

<http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/arrecadacao/arrecadacao-por-estado/arrecadacao-uf-2015/arrecadacao-por-uf-internet-jan-dez15.ods/view>. Acesso em: 18 ago.

2016.).

596 Conforme me posicionei no capítulo 3 deste trabalho defendo a abordagem do meio ambiente em sua complexidade, a partir de uma abordagem integradora dos diversos aspectos políticos, éticos, sociais, tecnológicos, científicos, culturais, econômicos e ecológicos; enfim, conforme referenciei, como o conjunto das relações que fomentam e possibilitam a vida em todas as suas formas, com primazia à vida humana, sob o olhar (ainda que alargado) do Direito.

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE – FURG (páginas 175-200)