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A história do Estado de Direito no Brasil e de como (não) se consolidou a democracia (nem a proteção ambiental)

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE – FURG (páginas 81-84)

Capítulo 3. O retrocesso ambiental brasileiro: a história de uma crise

3.2. A história do Estado de Direito no Brasil e de como (não) se consolidou a democracia (nem a proteção ambiental)

Streck e Morais narram que foi na segunda metade do século XIX que o Estado de Direito emergiu. Primeiramente na Alemanha, e, depois na França, em ambos, “como um debate apropriado pelos juristas e vinculado a uma percepção de hierarquia das regras jurídicas com o objetivo de enquadrar e limitar o poder do Estado pelo Direito”

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.

Neste sentido, a partir daí pode-se dizer que a atuação estatal passa a se dar através das regras jurídicas, impondo-se ao Estado ao Direito:

A atividade estatal apenas pode desenvolver-se utilizando um instrumental regulado e autorizado pela ordem jurídica, assim como, os indivíduos – cidadãos – tem a seu dispor mecanismos jurídicos aptos a salvaguardar-lhes de uma ação abusiva do Estado

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. Desta forma, no Estado de Direito há a supremacia da lei sobre a gestão estatal. O grande diferencial, no entanto, está não apenas na organização jurídica que se ampara na hierarquia das leis, mas especialmente no conjunto de direitos fundamentais que se somaram a ele:

O Estado de Direito não é mais considerado apenas como um dispositivo técnico de limitação do poder resultante do enquadramento do processo de produção de normas jurídicas. O Estado de Direito é, também, uma concepção de fundo acerca das liberdades públicas, da democracia e do papel do Estado, o que constitui o fundamento subjacente da ordem jurídica

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.

O Estado de Direito então, se apresentará como liberal, social, e, ao final, como democrático, classificação que não deve ser tomada de forma pragmática, mas, que se constrói a partir da inserção em uma realidade histórico-sócio-cultural-política.

236 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2000. p. 83.

237 Até então o direito era apenas um instrumento do Estado (Estado de Polícia), ou, agia como limite e condição do agir administrativo sem, no entanto, estar numa posição hierárquica privilegiada (Estado Legal).

238 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2000, p.84.

239 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2000. p.85.

Entendo que o estudo acerca dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana, que perpassam ao longo de todo este trabalho, torna necessária a compreensão do Estado e de seu papel, porque Estado e Direito estão intrinsecamente ligados:

O Estado configura-se como uma organização de caráter político que visa não só a manutenção e coesão, mas a regulamentação da força em uma formação social determinada. Esta força está alicerçada, por sua vez, em uma ordem coercitiva, tipificada pela incidência jurídica.

O Estado legitima seu poder pela segurança e pela validade oferecida pelo Direito, que por sua vez, adquire força no respaldo proporcionado pelo Estado

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.

Portanto, pode-se afirmar que um modelo diferente de Estado leva a uma nova atuação do Direito. Assim, hoje, a figura do Estado está diretamente relacionada à dignidade da pessoa humana, aos direitos fundamentais, e, logo, ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Isto se revela fundamental no que se refere à dignidade da pessoa humana, porque quando da sua incorporação ao discurso jurídico, passou a ser compreendida como uma construção histórica legada ao constitucionalismo. O ser humano tornou-se destinatário dos direitos decorrentes da dignidade da pessoa humana em razão da ordem constitucional e não mais por motivos religiosos ou inerentes à sua existência.

Logo, a evolução da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais está diretamente ligada à evolução do Estado. Quer dizer que, se o Direito é o discurso que legitima o Estado e seu poder, pode-se afirmar que a evolução da dignidade da pessoa humana está invariavelmente ligada ao modo como os direitos fundamentais foram sendo interpretados ao longo da evolução do próprio Estado de Direito.

Uma vez que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito fundamental concretizador da dignidade da pessoa humana, me parece claro que o modelo adotado de Estado irá também influenciar como se comporta a proteção ambiental.

240 WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2003, p. 74.

No que diz respeito ao Estado Liberal, fundado na ideia de liberdade, este restringia o Estado ao papel de guardião da ordem pública, uma vez que deveria interferir o mínimo na vida em sociedade:

Estado liberal é assente na ideia de liberdade e, em nome dela, empenhado em limitar o poder político tanto internamente, pela sua divisão, como externamente, pela redução ao mínimo de suas funções perante a sociedade

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.

Streck e Morais observam ainda que a este modelo de Estado cabia o

“estabelecimento de instrumentos jurídicos que assegurassem o livre desenvolvimento das pretensões individuais, ao lado das restrições impostas à sua atuação positiva”

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. Consagraram-se, portanto, os direitos com noção individualista, estabelecendo uma restrição à atuação do Estado

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.

Portanto, neste modelo se revelam os direitos civis e políticos – nominados direitos de primeira geração na teoria geracional - os quais, se apresentam como direitos de resistência perante o Estado, mais especificamente como “direitos de defesa, demarcando uma zona de não intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual em face de seu poder”

244 245

. Daí porque no Estado Liberal a dignidade da pessoa humana é considerada como limitadora das ações do Estado e da sociedade, visto que nessa concepção a dignidade resta protegida na medida em que o ente público deixa de se intrometer nos assuntos privados.

No Brasil, as Constituições de 1824 e 1891 foram assumidamente influenciadas pelo modelo liberal. A Constituição de 1824

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, em mais de um

241 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 36.

242 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2000. p. 88.

243 A respeito do surgimento do Estado Liberal, Schäfer afirma: “Natural, portanto, que as primeiras concepções formais de direitos tivessem por objetivo a proteção do cidadão frente ao Estado absolutista (Leviatã, na concepção clássica de Hobbes), pois a liberdade afigura-se como pressuposto para o exercício de outras faculdades constitucionais” (SCHÄFER, Jairo. Classificação dos Direitos Fundamentais: do sistema geracional ao sistema unitário - uma proposta de compreensão. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p.31).

244 SARLET, Ingo W. A eficácia dos Direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.

p. 46.

245 Bastos afirma que quanto ao Estado Liberal, “seu pressuposto fundamental é o máximo de bem-estar comum atingido em todos os campos com a menor presença possível do Estado” (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. São Paulo: Editora Saraiva, 1999, p.

139).

246 Schwarcz e Starling contam que a Constituição de 1824 foi elaborada em apenas 15 dias. Segundo as autoras, “o documento seguia o modelo liberal francês, prevendo um sistema representativo baseado na teoria da soberania nacional”. É importante, no entanto, lembrar que esta Constituição surgiu de uma imposição do imperador logo após dissolver a Assembleia. Assim, “com toda sua

dispositivo traz a lume a inviolabilidade dos direitos individuais

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, corroborando o modelo descrito.

Bonavides e Paes de Andrade afirmam que ideologicamente “a Primeira República foi o coroamento de liberalismo no Brasil”

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. Assim sendo, a Constituição de 1891, a primeira republicana, reafirmou os mesmos direitos que a anterior havia privilegiado

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. Dispositivo que parece refletir bem este contexto político é aquele que estabelecia limitações ao Estado na esfera tributária:

Art 10 - É proibido aos Estados tributar bens e rendas federais ou

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