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6 RESULTADO DA PESQUISA

6.2 Ação/Intervenção Social: Um Dia de Civilidade no Trânsito

6.2.1 Construção do Conhecimento

A problematização, a pesquisa, a troca, o registro do processo - característicos das atividades de um projeto - ajudam a promover a autonomia e as tomadas de decisões por parte do aluno. Hernández (1998) acredita que, participando de um projeto de trabalho, os estudantes vivenciam um processo de pesquisa que tem sentido para eles, porque podem participar ativamente do processo de produção do conhecimento, que vai além do currículo básico. Para Hernández, a vivência de atividades que propiciem a cooperação e o trabalho em equipe, que aceitem e valorizem a heterogeneidade, deve ser buscada no trabalho com projetos. Mas, garante o autor, e importante que todo projeto culmine em alguma

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intervenção do estudante em sua realidade. Na atividade “Um dia de Civilidade no Trânsito” este desdobramento foi previsto já na construção do projeto.

Desde o primeiro dia de aula, nos foi apresentado um novo desafio que vai além do conteúdo que estudaríamos em sala de aula. O grande desafio desse semestre era pôr em prática um projeto de ação social. Escolher um dia ao qual seria dedicado a práticas de maior civilidade no trânsito. E o desafio seria grande, afinal, o objetivo seria mobilizar a terceira maior capital do país a ter um dia na qual a civilidade no trânsito fosse prioridade em face a individualidade presente nas nossas vias. Assim, o objetivo geral do projeto Civilidade no Trânsito foi abordar a temática mobilidade no trânsito de uma perspectiva diferente, ou seja, mostrar que através da civilidade no trânsito se pode chegar à mobilidade. Desta forma, mais que uma mudança de hábitos, o que se buscou foram novos parâmetros para a mobilidade urbana. (RELATÓRIO DO GRUPO DE CONHECIMENTO TÉCNICO)

Retomando Hernández (1998), para enquadrar uma atividade no campo educacional como projeto deve-se observar a ocorrência de alguns fatores, que ele determina como “um mapeamento de estratégias”. Seriam os seguintes pontos: (a) vão além dos limites escolares; (b) implicam a realização de atividades práticas; (c) os temas selecionados são apropriados aos interesses e ao estado de desenvolvimento dos alunos; (d) são realizadas experiências de primeira mão como visitas, presença de convidados na sala de aula; (e) deve ser feita algum tipo de pesquisa; (f) necessita-se trabalhar com estratégias de busca, ordenação e estudo de diferentes fontes de informação; e, por fim, (g) implicam atividades individuais, grupais e de classe em relação às diferentes habilidades e conceitos que são aprendidos. O projeto “Um dia de Civilidade no Trânsito” cumpriu todos esses pré- requisitos, o que pode ser depreendido da sua descrição resumida.

Sobre a ação social - O projeto “Um Dia de Civilidade no Trânsito” é uma iniciativa da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia para a realização de uma ação social que objetiva discutir e promover uma maior consciência crítica da civilidade no trânsito, compreendendo-a como um bem público que precisa ser preservado por todos nós. A discussão de mobilidade urbana vem atraindo cada vez mais cidadãos, políticos e mídia local e, uma das questões importantes que faz parte de uma mobilidade com qualidade diz respeito à boa convivência entre os usuários dos diferentes modais que compõe o ir e vir em nossa cidade. Em particular, notamos a pouca compreensão da dinâmica de mobilidade entre todos nós, além de uma dificuldade de ver os problemas de trânsito para além do modal que mais utilizamos. Este projeto de ação social busca ajudar a preencher esta lacuna de percepção, ajudando a melhorar as nossas práticas de boa convivência no trânsito. (RESUMO DO PROJETO)

A iniciativa, que contou com a participação de docentes e discentes dos cursos de Gestão Pública e Gestão Social e de Administração, previa um conjunto de ações de mobilização, articulação e coordenação. Esta estrutura leva a menção de outro ponto significativo apontado por Hernández (1998) para o desenvolvimento de atividades como a relatada: a mudança no papel do professor, que se desvencilha da função de centralizador do

conhecimento e das diretrizes do aprendizado para a função de facilitador, que responde pela problematização do conhecimento, indicando pistas de pesquisa e não respostas sistemáticas. Desta forma, a organização desta experiência se deu com a divisão de cinco grupos de trabalho, com funções específicas e determinadas: (1) desenvolvimento de conhecimento técnico específico para a ação (pesquisas e informações relacionadas ao trânsito, à mobilidade e à civilidade); (2) estruturação de governança; (3) comunicação; (4) captação de recursos e (5) coordenação.

Para operacionalizá-la, foi criado um pseudo-curso para a atividade “Um dia de Civilidade no Trânsito” no moodle. Nele, que é um canal aberto para a socialização de conteúdo, foram postados arquivos sobre a construção de conceitos, tópicos de discussão e estratégias pedagógicas. Foram disponibilizadas pelos discentes e pelo docente materiais como: recurso para a construção colaborativa, produções e arquivos com material sobre as diversas competências trabalhadas na ação, que permitiram a criação de uma base de dados virtual. Além de postar e anexar arquivos, os estudantes matriculados na disciplina puderam contribuir e/ou compartilhar com materiais em diversos formatos: texto, imagem, vídeo, apresentação, planilha, entre outros. As “pastas virtuais” foram agrupadas dentro do ambiente por conteúdo: Geral (Apresentação do Projeto, Questões de pesquisa, Relato de Ação Social, Plano de Ação, Ações Pendentes e Projeto); Fórum de notícias; Comunicação; Governança; Captação de Recursos; Conhecimento Técnico Específico sobre Civilidade e Mobilidade no Trânsito; Coordenação; Links e Vídeos. Entre outros arquivos, estas pastas disponibilizaram textos de apoio, produções, pesquisa e atividades desenvolvidas ao longo da atividade. A observação da estrutura criada permite verificar que é possível, ainda hoje, acessar o perfil dos participantes, dos administradores do espaço (geralmente, destinado aos professores responsáveis pela disciplina), além de funções como calendário, próximos eventos e atividades. Todo o conteúdo ficou disponível para leitura ou para download, inclusive para o caso de outros usos no futuro.

Além de ser uma quebra de paradigma - onde se observa a mudança do foco cooperativo, centrado no professor, para o foco colaborativo, centrado no aluno - a prática pedagógica dos ambientes virtuais de aprendizagens promovem a construção social do conhecimento e pressupõem estruturas de tarefas cooperativas, baseadas na participação ativa e na interação dos participantes para o atingimento de bem comum, como defende Harasin (1989) apud Souza (2000, p. 18). Além dos já citados, correspondem a outros exemplos de ambientes colaborativos: o e-mail, a lista de discussão, o chat, a wiki, a teleconferência, o blog, os sinalizadores de presença (icq, msn), os portais da web e os servidores de

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compartilhamento de arquivos (linux). Tanto quanto o ambiente moodle, o uso da tecnologia da informação e da comunicação também apoiou atividades dos grupos, conforme alguns relatos presentes nas entrevistas. Esta foi a forma encontrada para tentar solucionar problemas como falta de tempo para reuniões fora da sala de aula e constituição de turma com alunos de cursos diversificados.

Em nenhum momento conseguimos nos reunir fora da sala de aula para compilar as ideias e produzir um documento único. Trabalhamos praticamente por e-mail, skype e outros recursos virtuais. Assim, foi sendo construído o conteúdo. Esses conhecimentos individuais se juntaram, desta forma, para formar o conteúdo final. (ESTUDANTE 2)

A construção do projeto foi o ponto de partida para orientar as demais ações de grupo e seus desdobramentos. Nele, que funciona como um roteiro com descrições e instruções gerais e detalhadas sobre o trabalho, consta: apresentação, resumo, objetivos (geral e específicos), detalhamento da ação - este último tópico apresentava os subtópicos, estruturação do núcleo de governança, divulgação da ação social, produção de conhecimento técnico específico, captação de recursos, realização da ação e avaliação da ação. Também constou anexos com os principais locais de execução da ação (no dia marcado para o evento).

No desenvolvimento do projeto estão sendo realizadas ações que garantam o cumprimento do ciclo completo de gestão, envolvendo planejamento, controle e avaliação. Para tal, estão sendo construídos indicadores específicos para avaliar não somente a abrangência da ação, mas também o seu impacto. A premissa do projeto é a de que a qualidade da mobilidade urbana pode ser mensurada partir de dados quantitativos, como o tempo de deslocamento, mas também pode ser compreendida a partir de dados qualitativos, tais como percepção dos usuários e grau de conforto na locomoção. (PROJETO)

A ideia, a princípio, como relatado pelo professor da disciplina, era obter indicadores de mobilidade, mensurando-os em dias comuns e comparando-os com os objetos no dia da realização da ação social:

A princípio havia a intenção de realizar uma ação realmente capaz de interferir positivamente no trânsito de Salvador. Depois, caiu a ficha que a ação deveria ter fundamentalmente um caráter educativo e que a própria mobilização causada pela ação traria algum impacto na mobilidade durante o Dia de Civilidade no Trânsito (HORACIO HASTENREITER).

Para Paulo Freire (1992), a construção do conhecimento pelo sujeito tem por base as dimensões políticas, econômicas, sociais e culturais do lugar onde ele vive. Para o autor, a construção do conhecimento deve se basear num diálogo permanente e acontece a todo o momento, envolvendo uma série de variáveis. O sujeito, a comunidade e o "mundo" têm um papel fundamental na construção do conhecimento individual e coletivo. Por isso, Freire

considerava fundamentais os processos de construção do conhecimento que partem sempre de temas relacionados ao contexto do educando e da compreensão inicial que este tem do problema, para, através de um processo dialógico, da relação entre educandos e educadores, ir ampliando a compreensão dos alunos, construindo e reconstruindo novos conhecimentos. É a partir dela, do conhecimento do nível de percepção dos alunos, de sua visão do mundo, que Freire (1992) considera possível organizar um conteúdo libertador. No caso da experiência estudada, a construção do conhecimento revelou ao aluno que foi possível construir coletivamente aprendizados sobre o desenvolvimento de ações que visam influenciar a opinião pública e as agendas da mídia, política e governamental de algum problema público ou proposta de intervenção, a operacionalização de um projeto, articulações e parcerias, assim como, pesquisa sobre o tema específico escolhido para ser o foco da ação. A escolha do tema é crucial, visto que esta irá acarretar na maior ou menor motivação dos estudantes. Pode-se observar que, de forma geral, o tema definido para a realização da ação conseguiu ser considerado de relevância pela maioria e conquistar adeptos:

Nota-se a pouca compreensão da dinâmica de mobilidade entre as pessoas, além de uma dificuldade de ver os problemas de trânsito para além do modal que cada um mais utiliza. O Dia de Civilidade no Trânsito foi uma ação social que se propôs ajudar a preencher esta lacuna de percepção, contribuindo para melhorar as práticas de boa convivência no trânsito. (RELATÓRIO DO GRUPO DE CAPTAÇÃO DE RECURSOS).

Contudo, a causa deve seguir em frente, alcançar novas fronteiras e espaços para uma maior interação e conscientização populacional. A mobilidade e o transito estão cada vez mais caóticos, e a vinda da problematização e aplicação do tema tráz novas reflexões. (DEPOIMENTO DE ESTUDANTE NO RELATÓRIO DO GRUPO DE CONHECIMENTO TÉCNICO).

O projeto “Um Dia de Civilidade no Trânsito” como Ação Social é uma iniciativa muito positiva visto que os índices de violência e acidente de trânsito têm sido uma das principais causas de morte no país conforme evidenciam as reportagens exibidas na mídia. (DEPOIMENTO DE ESTUDANTE NO RELATÓRIO DO GRUPO DE CAPTAÇÃO DE RECURSOS).