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6 RESULTADO DA PESQUISA

6.2 Ação/Intervenção Social: Um Dia de Civilidade no Trânsito

6.2.2 Planejamento do Projeto

Considerando a definição dada pelo Guia do Conhecimento em Gerenciamento de Projetos (Guia PMBOK), publicado pelo PMI, uma das abordagens de gerenciamento de projetos dominante no Brasil, assim como em boa parte dos países no mundo, de acordo com Schmitz e outros (2013), planejar um projeto significa desenvolver o plano de gerenciamento, ou seja, os processos que identificam, definem e amadurecem o escopo, o custo e que agendam as atividades. No PMBOK, o planejamento está ligado a vinte processos para definir

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o escopo do projeto, refinar os objetivos e desenvolver os cursos de ação necessários para alcançar os objetivos para os quais foi criado (XAVIER e outros, 2009). Ou seja, os processos de planejamento definem como a execução deve ocorrer, com seu escopo, tempo, custo, além de outros itens definidos conforme o plano. No projeto “Um dia de Civilidade no Trânsito”, o planejamento foi realizado através de cinco grupos, divididos por tarefas especializadas, cada um responsável pelo desenvolvimento de uma determinada função: (1) Conhecimento Específico: produzir conhecimento e pesquisas mais aprofundadas sobre o tema defendido, reunir informações sobre condutas e ações de motoristas e pedestres que pudesem gerar maior civilidade e mobilidade no trânsito e outras ações para subsidiar o projeto; (2) Governança: articular parcerias com outros atores e instituições potencialmente apoiadoras para participar dos processos de construção e realização da ação social; (3) Comunicação: buscar divulgação da ação junto aos veículos de comunicação de massa, além do planejamento e execução de outras ações de comunicação; (4) Captação de Recursos: mobilizar recursos e contrapartidas através de apoiadores e parceiros; e (5) Coordenação: orquestrar as atividades de todos os outros grupos, assim como o planejamentos e o compartilhamento de informações.

Segundo Secchi (2012), a formação de grupos de trabalho é uma das tarefas mais importantes quando se realiza uma proposta pedagógica como esta. Para ele, o tamanho dos grupos é ideal quando formado por quatro a cinco estudantes. Grupos menores que quatro encontram dificuldades na execução das tarefas, com perda de potencial criativo, sinergia e força de trabalho, e grupos maiores de cinco estudantes sofrem com o fenômeno de free riding, ou seja, alguns alunos eximem-se de colaborar esperando que seus próprios colegas tomem a responsabilidade com o trabalho. No caso estudado, o tamanho de componentes nos grupos foi bastante variável. Inicialmente, a turma matriculada continha 54 inscritos. Destes, apenas 37 concluíram a disciplina. Considerando, portanto, pelos alunos que finalizaram a disciplina, os grupos continham entre cinco e nove participantes, cada. Para manter uma sistemática de engajamento e socialização das atividades que estavam sendo realizadas, cada grupo contou com um líder, que responderia pelas ações desenvolvidas pela equipe, assim como ficaria responsável por acompanhar, de forma geral, as ações dos demais grupos. Na prática, segundo depoimentos presentes nos relatórios, isso não aconteceu.

Nesta etapa do trabalho, o estudante pôde aprender, a partir da vivência, a importância de fazer um planejamento e de como planejar um projeto, além de conhecer ferramentas que apoiam o seu desenvolvimento. Nos grupos, além das atividades relacionadas à expertise de cada função, os discentes desenvolveram outras atividades de planejamento e execução, como: refinar o projeto, engajar-se na produção, desenvolver Plano de Ação,

realizar as ações previstas (sobretudo a própria Ação Social) e a avaliação de todo o processo. Como produtos: material descritivo do projeto, material de divulgação e identidade visual da Ação (composta por logomarca, camisas, bonés, folder, banner, adesivos, cartilhas), uma fanpage no Facebook, planilhas de controle, um glossário de “Civilidade no Trânsito”, questionário de pesquisa relativo ao trânsito e à mobilidade em Salvador. Também ocorreram reuniões, realizadas na Escola de Administração da UFBA, para formação e articulação da rede, composta com possíveis parceiros e apoiadores, tais como representantes da Transalvador, do DETRAN, do Esquadrão Águia, do Mobicidade, entre outros. Para dar suporte a algumas dessas ações, o Núcleo de Extensão em Administração (NEA) foi colocado à disposição para apoiar a elaboração de vídeos e áudios, dar suporte de Tecnologia da Informação (TI) para as equipes e apoiar o trabalho de formação de agenda com meios de comunicação. Na opinião do coordenador do projeto, entretanto, os recursos não foram satisfatoriamente utilizados pelos alunos:

Apesar da disponibilidade de recursos para a gravação de imagens e/ou registro de ações não civilizadas que auxiliassem o processo de comunicação da ação, a estrutura não foi requisitada ou utilizada pelas equipes (HORACIO HASTENREITER)

Outra parceria adotada para apoiar o processo de planejamento dos estudantes foi disponibilizar, para cada grupo, um professor orientador, que pudesse dar diretrizes sobre a expertise a ser desenvolvida. Todas essas medidas serviram para mostrar aos estudantes que o planejamento é um recurso fundamental a um gestor social, pois auxilia na orientação, organização e concretização daquilo que se desejar alcançar. Braga, Henriques e Mafra (2002) ponderam que a expansão dos movimentos sociais e a necessidade de implementar cada vez mais a mobilização na sociedade civil para a solução dos mais variados problemas e sob as mais diversas formas trazem o desafio de investigar os modelos de planejamento que melhor

se apliquem às ações democráticas e inclusivas, onde se permita alcançar uma co-responsabilidade entre os públicos envolvidos. Esse aprendizado foi destacado, seja nas

entrevistas dos estudantes, seja nos depoimentos presentes nos relatórios:

O Projeto ratificou ainda mais na minha formação de como realizar um trabalho com equipes exige muito planejamento e dedicação, ainda mais quando envolve uma ação na cidade e de que apesar dos percalços, a trajetória é de um intenso aprendizado, e que é legal ver o dia se realizando, e ver que conseguimos fazer acontecer no dia 29/01/14. De alguma forma contribuímos para a sociedade, mesmo que de forma indireta. (DEPOIMENTO INTEGRANTE DO RELATÓRIO GRUPO CONHECIMENTO ESPECÍFICO)

Implementar um projeto é uma atividade muito complexa, que envolve muitas variáveis – isso eu aprendi. O planejamento é uma das etapas mais importantes, pois é o que vai dar toda a sustentação e os caminhos para que as ações se

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concretizem. Mas este desafio, só aprendemos mesmo é na prática. (ESTUDANTE 3)

Mas, assim como ocorre no setor público, nas empresas privadas, nas associações, nas organizações sociais e outros segmentos da sociedade civil, criar condições para manter a participação e o engajamento dos atores sociais não é uma tarefa fácil. Por isso, se por um lado este foi um processo que possibilitou agregar conhecimento e experiência, a vivência também foi marcada por profundos conflitos dentro e fora dos grupos, dispersão de alunos e “desorientação” quanto às tarefas que deveriam realizar. Da mesma forma, alguns grupos foram mais eficazes e eficientes que outros no cumprimento das suas demandas. Como o trabalho de uma equipe tem profunda interdependência com o trabalho das outras equipes, pois, apesar de divididos em grupo, os alunos desenvolveram uma ação única, existiu uma desarticulação em cadeia, desestruturando os grupos de trabalho e afetando a sinergia do projeto como um todo.

Era preciso um envolvimento maior das equipes, num trabalho em rede, com articulações precisas ou ao menos embrionárias. Na prática, entretanto, foi difícil esse entendimento, não era clara essa definição. Ao final de cada aula, os grupos se reuniam em sala com pouco tempo para discutir as ações e com poucas pessoas envolvidas. Não houve, nesse espaço de tempo, integração efetiva entre as equipes. Foi muito claro o comportamento individualista dos grupos, até que se desfizessem. Um grupo não sabia do andamento do trabalho do outro. Apesar de estar disponibilizado fóruns específicos para todas as equipes no moodle “Civilidade no Trânsito”, não houve muita utilização desse recurso no transcorrer do projeto. (RELATÓRIO DO GRUPO DE CAPTAÇÃO DE RECURSOS) Durante o processo, houve um descrédito na ação, inclusive do proponente da mesma, o professor Horácio Hastenreiter, fato que me desestimulou e me fez ficar recolhido no processo, acompanhando-o sem me envolver muito. (DEPOIMENTO ESTUDANTE NO RELATÓRIO DO GRUPO DE COMUNICAÇÃO).

Não me considero participante ativa, porque em determinado período não acreditei que houvesse tempo hábil para a execução deste projeto já que foi algo criado dentro de sala e não um projeto pronto onde já teria direções determinadas, mas dei opiniões quando solicitada. Também houve falta de entrosamento entre alunos de graduações diferentes, o que gerou um ponto de conflito e fui a duas reuniões do grupo, quando já não havia mais formação ou divisão de setores. (DEPOIMENTO ESTUDANTE NO RELATÓRIO DO GRUPO DE CAPTAÇÃO DE RECURSOS).

No momento em que o nível de conflito e a desorganização pareciam inviabilizar a realização da ação, coube ao professor da disciplina eleger alternativas e formular novas estratégias. Assim, a seis semanas da data de realização da Ação Social, a estrutura foi reorganizada e formou-se um grupo único, no qual as pessoas – mais engajadas na disciplina – foram assumindo novas funções e/ou finalizando as atividades pendentes. Segundo Freire (2000), “Não existe docência sem discência. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende

ensina ao aprender”. Um planejamento, para ter significado e validade, precisa de uma ação participativa por parte do aluno. Assim, o plano de ensino/trabalho deve ser construído, analisado e aprovado em conjunto por professores e alunos. O aluno precisa ser sujeito do plano de trabalho para que assuma a responsabilidade do trabalho junto com o professor. Assim, a partir de novo método, novos processos e novas práticas os estudantes se sentiram mais engajados e agregados para desenvolver a Ação, como pode-se ver no relato abaixo:

A forma de separação para elaboração do trabalho foi proveitosa, teria dado certo se não fosse pela falta de interação de alguns colegas no projeto. A visão de grupo tem que ser organizada e ter a colaboração de todos para que funcione, porém o não crédito de alguns no tema proposto fez com que a turma como um todo tomasse um novo rumo para dar continuidade ao dia de Civilidade no Trânsito. (DEPOIMENTO DE ESTUDANTE NO RELATÓRIO DO GRUPO DE COMUNICAÇÃO).

Schmitz e outros (2013) dizem que iniciativas que privilegiam a experiência dos alunos na abordagem pedagógica, geralmente se contrapõem ao formato tradicional de ensino e aprendizagem. Esta é uma problemática bem mais ampla, que atinge grande parte das disciplinas e abordagens utilizadas rotineiramente no ensino superior. Segundo os autores, muitas vezes o problema é entendido como um excesso de utilização de métodos tradicionais de ensino e aprendizagem. Mas, como defendem, esta problemática não se resume à adoção de um ou outro método de ensino e aprendizagem, mas à adoção de um método contextualizado, adequado às necessidades de cada conteúdo específico. Ou seja, que seja possível desenvolver um conhecimento comum sobre a situação, que integre não só os saberes dos especialistas, mas também os das pessoas comuns.