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Capítulo Quatro

4.1 A CONSTRUÇÃO DO CORPUS

O percurso realizado até aqui nos possibilita visualizar os pressupostos teóricos com que o presente capítulo coaduna-se: a linguística da enunciação. Em Benveniste (1988, 1989), por exemplo, encontramos grande respaldo para o que em 4.3 (“O mesmo” na redação

de vestibular: “o mesmo” ou “o(s) outro(s)”?) discutimos. O princípio da

(inter)subjetividade da linguagem, defendido por esse teórico, oferece-nos agora espaço para refletirmos, por exemplo, sobre a questão do sentido, porque daqueles que se filiam às teorias enunciativas, como em nosso caso, não se espera tentar compreendê-lo enquanto algo imanente à estrutura linguística. A questão do sentido para nós é (e)feito da relação intersubjetiva do sujeito que se articula à língua e que, por isso, está sempre para um acontecer inédito, para o que é da ordem do irrepetível, portanto.

Em se tratando dessas (re)leituras que fizemos de Benveniste (1988, 1989), asseguramos que elas representam muito à nossa pesquisa. Além dessas, realizamos, também, outras, as quais, em peso igual às de Benveniste (idem), contribuem em muito para nossas argumentações arroladas. Tais (re)leituras correspondem aos trabalhos de Authier-Revuz (2004), Flores (1999), Fuchs (1982, 1985 e 1994) e de Orlandi (2004, 2008).

No que tange, com efeito, a essas (re)leituras, temos a dizer, claro, que significam grande parte de nosso ponto de vista, o qual aparece (de)envolvido em análises que tecemos para o fato parafrástico. Fato esse que está presente — de acordo com julgamentos de dois corretores (A e B)de redações de vestibular, mobilizados por nós para localizá-lo e avaliá-lo, segundo a prática de correção por eles empreendida durante a correção oficial do vestibular, em oito redações de vestibulandos adiante analisadas.

Como não existe nenhum fato linguístico que a priori permita ser analisado despido de um olhar teórico a ele atribuído, faz-se necessário lembrarmos a máxima saussuriana, a qual constantemente aparece em trabalhos de cunho enunciativo. Essa máxima nos ilumina ante ao fato de que “bem longe de dizer que o objeto precede o ponto de vista, diríamos que é o ponto de vista que cria o objeto” (SAUSSURE, 2006, p. 15). Dessa forma, concordamos com Saussure (ibidem) em dizer que é o tratamento teórico que o pesquisador dá ao fato linguístico colocado em análise que faz seu objeto de estudo emergir enquanto tal, posto que, da maneira como ele é inicialmente (re)conhecido, em nada o orienta a (re)pensá- lo. Sendo assim, nada existe de antemão construído que permita a um pesquisador iniciar sua empreitada.

São de fatos e não de dados que qualquer estudo, o qual requeira para si um objeto, se (re)faz. Flores (apud ENDRUWEIT, 2006, p. 133), aludindo-se ao que seja corpus, esclarece isso dizendo que este “não se trata de algo ‘dado’ enquanto evidência, mas do produto de um construto teórico”. Assim, em matéria de corpus, deve-se ficar atento perante o fato de que este se trata de uma construção. Essa construção, com efeito, durante seu processo de (r)estruturação, conta com testemunhos teóricos respaldados em um ou mais autor(es) e, também, com o ponto de vista de um pesquisador, o qual, nessas circunstâncias, os soma, (re)velando, pois, o “seu” corpus de pesquisa.

Admitindo-se, assim, que se trata de fatos, àquilo que dá “forma” a um corpus — já excluindo aqui qualquer ideia que deste se faça enquanto dado — é possível já concluir que são eles (os fatos) que (des)velam algo acerca de um dado objeto de estudo. Estando um

corpus de pesquisa sob essa condição — a de ser fato e não ser dado —, o mesmo passa a ser

matéria singular, única, irrepetível, porque seus enunciados estão sobredeterminados por um ponto de vista que também é único, o ponto de vista do pesquisador. Sendo assim, são aos

fatos que um pesquisador precisa se ater, para, a partir deles, analisar e descrever o objeto que

para si é alvo de investigação. Atentos a isso urge (re)pensar nosso objeto de estudo, a paráfrase (re)formulada na prova de redação de vestibular durante o acontecimento vestibular, nessa mesma condição, a de ser um fato e não ser um dado, uma vez que ele vem investido de

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certos pressupostos teóricos da Linguística da enunciação e de nosso ponto de vista enquanto pesquisador.

Sendo assim, respaldados em princípios teóricos enunciativos e atentos a cada fato enunciativo, os quais dizem respeito a gestos de paráfrases localizados e avaliados por dois corretores de redação de vestibular (corretor A e corretor B) em oito redações produzidas em contexto de vestibular, construímos aqui algumas análises. Tais análises resultam de comparações que fizemos entre o que os corretores A e B localizaram e avaliaram para nós como sendo paráfrase nessas oito redações e aquilo que textos motivadores da prova de redação de vestibular nos trazem enquanto informação de fomento para esse tipo de prática de linguagem.

Em se tratando do modo de estruturar as oito análises, optamos, primeiramente, por dividi-las em duas seções assim nomeadas de: 1ª parte, a qual se relaciona à Situação A ou Texto motivador 1 e de 2ª parte, a qual, por sua vez, se relaciona à Situação B ou Texto

motivador 2. Ambas situações (A e B) fizeram, conforme algumas vezes aqui já declaramos,

parte de uma prova de redação de vestibular, realizada no ano de 2008.

No que tange ao nosso exercício de comparação a que nos referimos acima, destacamos que está, sobretudo, focado em diferenças que enxergamos haver entre o que os avaliadores A e B sinalizam (seja grifando ou escrevendo um comentário pessoal) ser a paráfrase na redação de vestibulandos e, também, em diferenças semânticas que (entre)vemos ocorrer entre o que os vestibulandos (re)formularam e o que os textos motivadores da prova de redação de vestibular (Situação A e Situação B) informam-nos. Quanto a essas diferenças semânticas que encontramos, ressaltamos aqui que elas se tratam de efeitos de sentidos, os quais são oriundos da leitura e interpretação que vestibulandos realizaram a partir de tais textos motivadores.

Ademais, nossas análises, consoante os objetivos arrolados na parte introdutória desse trabalho, analisam e discutem, com base em trabalhos de cunho discursivo48, a questão do princípio de autoria, o qual acreditamos se efetivar em recortes parafrásticos que cada uma delas prioriza.

Para encerrar, vale, novamente, reforçar que, o ponto de vista ou perspectiva teórica escolhido/a por um pesquisador para tratar de seu (“dado”) objeto de estudo é que permite conduzir um corpus de pesquisa. Em nosso caso, a perspectiva teórica da enunciação é que está a determinar grande parte do que (re)construímos, no que tange à presença de

48 Para endossar essas breves discussões que cada análise sobre autoria procura representar, buscamos respaldo

gestos de paráfrases localizados e avaliados pelos corretores (A e B) em redações de vestibular. Sendo assim, concordamos com Fuchs (1982, p. 23), ao declarar ser um “erro reconhecer que os fatos merecem o nome de paráfrase: todo o problema consiste em testar os fatos a partir de um ponto de vista do funcionamento parafrástico, de maneira que fique clara a intuição do pesquisador” 49.