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PARÁFRASE, PROVA DE REDAÇÃO, VESTIBULAR

3. Técnica para destruir cérebros

A lobotomia cortava os feixes nervosos do lobo pré-frontal do cérebro para curar prisioneiros agressivos e doentes psiquiátricos. A técnica valeu o Nobel de Medicina de 1949 ao português António Egas Moniz, mas deixava os pacientes em estado de apatia grave, desligados do mundo, e hoje está desacreditada.

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Produza seu texto respondendo à seguinte pergunta: Até que ponto é aceitável intervir no cérebro humano para alterar comportamentos agressivos ou mudar a má índole de criminosos?

3.5 OBSERVAÇÕES SUMÁRIAS ACERCA DA CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM SUBJACENTE À PROVA DE REDAÇÃO DE VESTIBULAR

Ao iniciarmos o presente capítulo, foi sinalizado que, ao seu final, traríamos algumas observações acerca da concepção de linguagem subjacente à prova de redação de vestibular.

No que tange a essas observações sobre a concepção de linguagem na prova de redação de vestibular, cumpre ressaltar que elas não aparecem aqui sob forma de julgamento, ou seja, enquanto algo que faria supor um modo “certo” de agir com a linguagem nesse contexto. Diferentemente, nossa intenção agora é discutir, respaldados no próprio Manual do

candidato (2008), em que sentido a concepção de linguagem adotada pelo processo seletivo

do vestibular — concepção essa que se faz notar, por exemplo, a partir de informações que esse manual traz ao estudante acerca das provas de LP e de redação de tal processo — pode sobredeterminar o modo com que corretores localizam e avaliam a paráfrase na redação de vestibulandos.

Sendo assim, começamos dizendo que um processo seletivo de vestibular, em função da sua natureza seletiva, demanda objetividade tanto das questões que propõe como do processo avaliativo que emprega. Nesse sentido, a prova de redação de vestibular se prende a regularidades, neste caso, linguísticas, procurando automatizar a linguagem e a relação do vestibulando com esta, a fim de submetê-lo a uma avaliação. Isso pode ser percebido, por exemplo, no Manual do candidato (2008, p. 95), quando este declara, indiretamente, entre esclarecimentos que traz acerca de critérios avaliativos do vestibular, ser possível tratar da paráfrase objetivamente.

Além desse exemplo anterior que corrobora o fato de a linguagem, em processo seletivo de vestibular, ser automatizada, lembramos, uma vez mais, a forma com que os corretores de redação de vestibular (os corretores A e B) nos asseguraram, informalmente, proceder ante a paráfrase que localizam e avaliam em redações de vestibulandos. Tal forma, resumidamente, se ocupa em verificar se estes a utilizam na mesma ordem das ideias que aparecem no texto motivador, sem, com isso, acrescentar outras ideias diferentes àquelas que os corretores reconhecem no processo de leitura que realizam do texto motivador.

Esses dois exemplos servem aqui para percebermos que há, da parte do processo seletivo de vestibular, um olhar para a linguagem enquanto uma estrutura “capaz” de reproduzir pensamentos/ideias do vestibulando e, também, do texto motivador da prova de redação de vestibular. Sendo assim, já nos é possível afirmar que, a língua com que a prova de redação de vestibular lida está para “um conjunto de estruturas, frases, vocábulos (...), cujo sentido é estável, imanente e transparente” (CORACINI, apud SANTANA, 2007, p. 41).

A partir dessas observações, notamos que a linguagem que esse processo seletivo (o vestibular) toma para si, para avaliar a escrita de vestibulandos, não pode comportar o furo, a falha, enfim, aquilo que destoa de seus critérios avaliativos — critérios esses que focam o lado estrutural da linguagem, o qual é avaliado, principalmente, sob aspectos textuais da coesão, da coerência e do uso da modalidade escrita padrão da língua pelo vestibulando. Esses critérios fazem-nos supor como deve ser o “uso adequado da linguagem de forma significativa (...)” no contexto do vestibular (Manual do candidato (2008, p. 88)): uma linguagem sem teimosias, domesticável.

Quanto a esse modo de submeter a linguagem à avaliação, em contexto de processo seletivo de vestibular, é válido dizer que ele nos faz também entendê-la enquanto um

instrumento, o qual, imaginariamente, permite ao vestibulando produzir sua redação, uma vez

que este já a “domina” quando presta o vestibular. Aqui cabe apenas dizer que a linguagem no vestibular funciona segundo um imaginário de completude. Tanto para quem avalia a redação de vestibular (corretores), quanto para quem a (re)formula (vestibulandos), os sentidos “só” podem ser da ordem do Um — caso contrário, a redação destes será penalizada, conforme declara várias vezes o Manual do candidato (2008).

Para finalizar, temos mais uma observação a fazer. Esta diz respeito à suposta completude da linguagem em processo seletivo de vestibular. Completude essa que, também, serve para justificar a questão da lógica de objetividade que controla todo o processo de seleção via vestibular.

Ora, por bem sabemos que a linguagem não é de uma ordem completa. Se assim fosse, os sentidos seriam unos, restando somente a nós leitores arrancá-los de suas materialidades linguísticas e repeti-los. Ilusão de completude isso, diz-nos Orlandi (2004). De modo diferente, a linguagem é incompleta — é o seu caráter incompleto que permite os sentidos serem sempre outros (ORLANDI, 2008, p. 155).

Com feito, ao que nos resta dizer, a concepção de linguagem com que o processo seletivo de vestibular lida — uma linguagem completa, uma linguagem que está sempre à disposição de vestibulandos, um instrumento de uso deles — não faz supor que a linguagem

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comporte a falta, a falha. Isso, as discussões trazidas ao longo de todo esse capítulo enfatizaram muito. Sendo assim, a língua do vestibular é a língua ideal, a língua do Um dos sentidos, a língua em que, certamente, é possível encontrar regularidades e submetê-las à avaliação.

No que tange ao nosso próximo capítulo, tudo isso que aqui foi arrolado acerca da prova de redação de vestibular se faz mais perceptível — nossas oito análises de gestos de paráfrases que estão presentes na escrita de redações de vestibulandos mostram-nos que o simbólico é de uma ordem incompleta, a qual comporta, sim, sentidos-outros (efeitos de

sentido).

Como nos filiamos a uma perspectiva enunciativa para tratar de questões de linguagem — perspectiva essa que nos impõe perceber o texto enquanto uma materialidade lacunar, passível de representar sentidos-outros —, doravante, ocupamo-nos em dizer daquilo que na prática da prova de redação de vestibular acaba se corrompendo: a paráfrase. Esta — perante critérios objetivos estabelecidos em processos seletivos de vestibular — sempre se furta, porque sua natureza, antes de tudo, é semântica e não gramatical, como o vestibular a concebe. Nisso então vemos que não é pela via das mesmas palavras que se dá a garantia de (re)formular paráfrases no vestibular, posto que há incidências subjetivas implicadas nessa prática de linguagem: a subjetividade do candidato que lê o texto motivador da prova de redação de vestibular e dele empreende uma “suposta” paráfrase e a subjetividade do corretor de redações de vestibular que lê também “o mesmo” texto motivador e analisa/julga se o vestibulando atingiu/foi bem sucedido no ato de paráfrase que produziu.