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3 A POSIÇÃO CONSTRUTIVISTA DE ERNST VON GLASERSFELD: UMA

3.5 Construção do Conhecimento: o Subjetivo, o Intersubjetivo e a Comunicação

Para que a definição de conhecimento piagetiana seja plausível, von Glasersfeld (2005, 1991a, 1989b) observa que é imprescindível levarmos em consideração que a experiência humana sempre inclui a interação social com outros seres humanos. Certamente, esse é um aspecto fundamental a ser considerado quando se trata das questões educacionais e envolve a linguagem.

Notemos, no entanto que, para o construtivismo, a atividade de conhecer é uma atividade executada pelo sujeito ativo mediante ação e reflexão sobre as atividades perceptivas e operativas. Ou seja, o conhecimento é resultado da construção individual, subjetiva, afinal o sujeito realiza suas construções referenciadas nas suas próprias experiências. Por conseguinte, o construtivismo não afirma objetividade, uma vez que não haveria como olhar o mundo experiencial desde o exterior. A construção do mundo experiencial dá-se a partir do interior. Partindo desse princípio, considera o “outro” como um conceito a ser construído, pois não pretende abordar essa questão do ponto de vista do inatismo, tampouco do ponto de vista do construcionismo social6, já que não considera o

“outro” como um dado ontológico.

O modelo construtivista radical de como construímos o conceito de “outro” consiste

numa ampliação da sugestão kantiana de que “[...] se concebermos um outro sujeito pensante, atribuímos necessariamente a esse outro as propriedades e as capacidades pelas quais nos caracterizamos como sujeito (KANT apud VON GLASERSFELD, 1995a, p. 201-202). Mas, para von Glasersfeld (1995a), essa construção não ocorre repentinamente. Ao contrário, ela acontece aos poucos e começa quando a criança atribui movimento para itens do seu campo experiencial: fase do animismo. A essa primeira fase, segue-se outra, na qual a criança atribui sentido visual e auditivo aos animais. Depois, desenvolvimento semelhante leva a criança a situações mais complexas no seu mundo experiencial, quando passa a envolver outros seres humanos, o que torna a interação inevitável. A criança novamente atribui certas capacidades a

esses “outros” de sua interação, que agora não são apenas perceptuais, mas também

6 O Construcionismo Social é o nome que passou a designar o movimento de crítica à Psicologia Social “modernista”, cuja principal referência teórica é o psicólogo social Kenneth Gergen (CASTAÑON, 2005).

Segundo Arendt (2003), o construcionismo, bem como o construtivismo, compartilham princípios que caracterizam o pensamento pós-moderno em psicologia. No entanto, para o referido autor, o construcionismo tende ao sociologismo e o construtivismo ao psicologismo. Para Rosera e Japur (2005, p. 24), o

construcionismo social “[...] enfatiza as origens sociais do conhecimento, mantendo um foco nos processos

capacidades cognitivas – intencionalidade, capacidade de planejar, sentimentos, aprendizagem experiencial etc –, até finalmente considerar esses “outros” alguém como ela.

Como consabido, eminentemente subjetiva, a atividade de conhecer ocorre na mente

do sujeito que conhece. Entretanto, quando os “outros” passam a fazer parte do nosso campo

experiencial, passamos a atribuir-lhes as mesmas características pertencentes a nós mesmos como sujeitos. Dado esse quadro, isso significa a confirmação ou corroboração da nossa

realidade experiencial, pois imaginamos que os “outros” também possuam conhecimentos que

são considerados viáveis no âmbito das nossas relações experienciais. Assim, quando fazemos

qualquer previsão de como os “outros” se comportam, baseamo-la num conhecimento que a

eles imputamos. Se ocorrer aquilo que tínhamos previsto, o conhecimento é considerado viável tanto para nossa esfera de ação quanto para a esfera de ação dos “outros”.

A corroboração da realidade experiencial pelos “outros” produz, pois, segundo von

Glasersfeld (1995a), uma viabilidade de segunda ordem. Se a viabilidade de primeira ordem está restrita ao que sucede no campo da experiência individual, a viabilidade de segunda ordem cria o nível da intersubjetividade, que passa a constituir o substituto construtivista para a objetividade. Esse outro grau de viabilidade desempenha papel relevante na estabilização e solidificação da realidade experiencial, porque permite que aquilo que partilhamos com os outros – conceitos, esquemas de ação, objetivos, emoções etc – tornem-se mais “reais” que aquilo que experienciamos sozinhos.

Conforme von Glasersfeld (1995a), a questão da necessidade de corroboração dos outros na determinação da viabilidade subjetiva põe-nos diante de questões éticas. O processo de corroboração com os outros, seja no âmbito do agir ou do pensar, conduz-nos a uma preocupação dos outros como sujeitos autônomos, porquanto forçá-los a se submeterem às nossas ideias invalida-os como corroboradores. Nesse sentido, os outros são fins em si mesmos, uma vez que, como humanos, jamais poderão ser considerados objetos. Na perspectiva do construtivismo, a preocupação com os outros deriva da necessidade do sujeito individual de estabelecer uma viabilidade intersubjetiva e do fato de os outros serem insubstituíveis na construção de uma realidade experiencial mais sólida.

De acordo com o construtivismo, da mesma forma que construímos o conhecimento da realidade experiencial e o conhecimento dos outros, com base na experiência, também

construímos o conhecimento do “eu”. Sobre a construção do “eu”, von Glasersfeld (1991a,

1995a) realça que, assim como a criança faz distinções que a separam de um “ambiente”, o interior torna-se o “eu” e o exterior o "universo" do indivíduo. No entanto, diz que essa

construção leva tempo e envolve a construção dos limites físicos de um corpo, permitindo

fazer a diferença entre si mesmo e o “ambiente”. Tem-se aí a noção de movimento voluntário,

que vai dar-lhe a consciência do próprio corpo e dos seus movimentos como diferente do movimento de coisas exteriores e a noção de que o foco de sua atenção poder ser deslocado.

Mas a distinção entre o “eu” e o “ambiente” precisa ter em conta algo que a

epistemologia tradicional tornou obscuro: essa distinção só pode ser feita a partir do campo experiencial do observador, pois não diz respeito a uma distinção entre um sujeito observador e um mundo "objetivo". Portanto, do ponto de vista do construtivismo radical, dois aspectos devem ser considerados nesse processo. Em primeiro lugar, que tal distinção tem lugar no interior do campo experiencial como resultado de ações do próprio experimentador. Segundo, que aqui se trata da construção de um “eu” experiencial e não do “eu” que se encontra além

do domínio empírico, ou o “eu” enquanto lugar da consciência subjetiva, que parece pertencer

ao campo da metafísica.

Notadamente, a interação entre o “eu”, enquanto sujeito que conhece, e o “outro”

presente no âmbito da realidade experiencial, envolve a comunicação. Contudo, o construtivismo radical apresenta uma forma bem particular de entender esse processo.

Consoante von Glasersfeld (1998, 1991a, 1991b, 1996a), o construtivismo é responsável por desfazer a ideia da linguagem como veículo de transferência de pensamentos, significados, conhecimentos e informações de uma pessoa para outra. O construtivismo entende que a interpretação de palavras, frases ou textos é de natureza subjetiva, pois diz respeito a estruturas conceituais que foram construídas a partir de elementos do próprio campo experiencial do sujeito. Nesse sentido, a liguagem não pode ser tomada como capaz de transportar pedaços da realidade de uma pessoa para outra. O que a linguagem faz é apenas estimular ou suscitar que a pessoa com a qual se dialoga construa estruturas conceituais que

sejam “compatíveis” com as nossas.

Desse ponto de vista, a comunicação é uma questão de adaptação e não de correspondência. Ou seja, para o ouvinte ou leitor compreender o que alguém falou ou escreveu envolve a construção de estruturas conceituais, que, numa situação específica, mostraram-se compatíveis com as estruturas conceituais do falante ou escritor. Essa compatibilidade, decorrente da interação social, manisfesta-se quando o que o falante diz ou faz não contraria as expectativas do ouvinte. Os significados, nesse contexto, são construções subjetivas que derivam das experiências individuais do ouvinte e não representações de entidades objetivas que existem num mundo exterior. Há sempre de se considerar que “[...]

estes significados se modificam, se aperfeiçoam e adaptam ao longo do seu uso, no decurso

das interações sociais” (VON GLASERSFELD, 1995a, p. 229).

Vemos, então, que o conceito de viabilidade é bastante útil dessa perspectiva de compreensão da comunicação. Sem dúvida, essa é posição que diverge daquela que considera que os significados são inerentes às palavras ou aos textos, uma vez que a compreensão é tomada, aqui, como uma questão de construção ativa por parte do sujeito envolvido no ato de comunicação.