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Construção dos marcos Legais sobre a Educação Escolar Indígena

3 EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NO BRASIL

3.2 Construção dos marcos Legais sobre a Educação Escolar Indígena

Com a convicção de que a escola oferecida para as comunidades indígenas deveria ser reinventada dentro do sistema sociopolítico brasileiro por meio de ações afirmativas e de políticas públicas, o movimento indígena foi criando força em todo país e abrindo caminhos para a discussão de uma nova escola, a qual deveria surgir para garantir a visibilidade e preservação étnica e cultural. Buscava-se, dentre outros aspectos, que os conteúdos curriculares trabalhados na escola não indígena fossem adaptados para a realidade de cada povo indígena distribuído no Brasil.

A raiz da mudança, no entanto, precisava alcançar uma dimensão Legal para a construção de uma nova função social para a escola indígena. Nesse sentido, Segundo Oliveira e Freire (2006), a União das Nações indígenas – UNI, aliados com organizações civis, passou a pressionar o Estado e a discutir com seus representantes a proposta da Assembleia Nacional Constituinte, exigindo que nesse documento constasse um capítulo dedicado à situação dos povos indígenas.

Dessa forma, com a elaboração da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988), o Estado brasileiro considera pela primeira vez os povos indígenas como cidadãos e lhes atribui direitos por meio da reformulação dos parâmetros legais. De acordo com Henriques et al. (2007), uma das ações mais importantes que a Constituição gerou para essas comunidades foi reconhecer legalmente que esses povos tinham uma organização social própria, línguas, crenças, tradições e direitos, competindo a União respeitá-los e protegê-los.

No que concerne a Educação Escolar Indígena, Araújo (2006) ressalta que a Constituição Federal propiciou aos povos indígenas utilizar na escola suas línguas maternas e seus processos de aprendizagem próprios. Para Araújo, a Constituição inicia o reconhecimento legal sobre a diversidade sociocultural e estabelece um novo período na relação do Estado com as comunidades indígenas.

Conforme discute Félix (2008), até 1990 a responsabilidade sobre a oferta da Educação Escolar Indígena pertencia a FUNAI, que atuava em colaboração com os estados e municípios. Porém, com o Decreto Presidencial nº 26/91 (BRASIL, 1991), a responsabilidade sobre a gestão de todos os níveis e modalidades da Educação Escolar Indígena passou a ser do Ministério da Educação e do Desporto. No entanto, o referido Decreto não deferiu claramente se caberia aos estados ou municípios a responsabilidade de executar o atendimento da oferta sobre essa política pública.

De acordo com Henriques et al. (2007), com a incumbência de conduzir a gestão da Educação Escolar Indígena, o MEC cria a Coordenação Geral de Apoio às Escolas Indígenas. Além disso, constitui o Comitê Nacional de Educação Indígena para elaborar junto com representantes indígenas, universidades e organizações não governamentais, um espaço de discussão e orientação para a definição do trabalho com esta política de educação.

Carvalho (1998) discute que entre os anos de 1991 e 1995 ocorre uma reflexão em torno da Educação Escolar Indígena por parte dos organismos governamentais, que se reflete em 1996, quando o Estado brasileiro inclui na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, as orientações a serem oferecidas para essas comunidades. Sendo assim, para garantir o desenvolvimento das relações interculturais entre a sociedade nacional e os povos indígenas, a União institui que o ensino oferecido nas escolas indígenas deve partir do bilinguismo, onde cada povo pode utilizar o português e a língua materna de sua comunidade.

Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (BRASIL, 1996), a Educação Escolar Indígena precisa ser desenvolvida a partir de um currículo específico, de

maneira que garanta aos alunos de todos os povos indígenas a preservação de sua identidade cultural. A LDB destaca, dentre outras, as seguintes diretrizes para o currículo de povos indígenas: utilização de sua língua materna na escola, autonomia na elaboração de metodologias de ensino, uso de materiais didáticos específicos, acesso a conhecimentos e informações da sociedade nacional e demais sociedades indígenas, afim de que as relações interculturais possam estar dialogando dentro de suas instituições.

Com objetivo de elaborar materiais didáticos para encaminhar as ações, as quais seriam desenvolvidas nas escolas indígenas do país, o MEC produziu em 1998 o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI). Grupione (2002) ressalta que esse documento visava garantir às comunidades indígenas pontos comuns nas orientações pedagógicas para os professores e para os responsáveis pelo desenvolvimento desta política pública.

Outro marco importante diz respeito ao que apresenta Félix (2008) quando explica que foi por meio do Parecer nº 14/99 (BRASIL, 1999) que a União responsabilizou os Governos dos Estados para executarem em parceria com os municípios e com a anuência das comunidades indígenas, a oferta da Educação Escolar Indígena.

Além disso, o Parecer nº 14/99 (BRASIL, 1999) cria a categoria professor indígena e prevê que o poder público estadual deve ser o responsável por assumir a responsabilidade dos processos públicos de seleção e contratação destes profissionais. O Conselho Nacional de Educação previa que a prova do concurso público deveria ser elaborada por especialistas na língua e cultura específica de cada povo indígena, porém seria necessário que a prova de títulos fosse mantida como critério de seleção. Esse fato gerou uma desaprovação nas comunidades indígenas que, segundo Almeida (2001, p. 114):

Fazer o concurso já é uma violência, uma vez que não se respeita o critério de escolha da comunidade. Quer dizer, registra-se no papel um discurso que diz respeitar os povos indígenas, mas na verdade, os professores indígenas têm que passar pelos nossos rituais para que possam ser contratados e ter um mínimo de segurança no exercício da profissão. Ainda mais na hora de elaborar esses rituais, mais uma vez, a palavra dos não-índios é que vale. Como exigir títulos dos professores indígenas? Só agora é que começam a funcionar cursos de magistério específico para professores indígenas.

No que se trata da formação inicial dos professores indígenas, cabe salientar que diante da pressão que o movimento indígena e outros seguimentos étnicos vinham exercendo na busca de uma inclusão social na educação superior, a partir do ano de 2003, no primeiro mandato do presidente Luís Inácio Lula da Silva, iniciam-se no país medidas voltadas para uma Reforma Universitária, que fizeram avançar a democratização do acesso

ao ensino superior no Brasil. Dentre as ações afirmativas desenvolvidas, Paula (2009) destaca o Programa Diversidade na Universidade, o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais- REUNI e o Programa Universidade para todos – PROUNI, os quais tinham, sobretudo, o objetivo de promover a inclusão por pessoas pertencentes a grupos socialmente desfavorecidos em cursos superiores.

Todas essas variáveis nas relações dialéticas entre Governo Federal, Governo Estadual e as comunidades indígenas, de um modo geral, criou certa complexidade do que viria a ser de fato uma escola indígena.

A dificuldade para implementar uma Educação Escolar Indígena que atendesse as especificidades das distintas etnias que existem no Brasil, fez com que, em muitos estados brasileiros as instituições escolares se configurassem, por muitos anos, como uma escola rural. Em Pernambuco, por exemplo, a estadualização das escolas indígenas, mesmo sendo Lei, só passou a ser efetivada em 2002.