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Construção e testagem de teorias científicas

• As teorias são explicações propostas para as causas de fenômenos, e variam em seu escopo e nível de explicação.

• Uma teoria científica é um conjunto de proposições organizadas de forma lógi- ca, que define fatos, descreve relações entre os fatos e explica a sua ocorrência.

• As variáveis intervenientes são concei- tos usados em teorias para explicar por que as variáveis independentes e de- pendentes estão relacionadas.

• As teorias científicas bem-sucedidas organizam o conhecimento empírico, orientam a pesquisa oferecendo hipóte- ses testáveis e sobrevivem a testes rigo- rosos.

• Os pesquisadores avaliam teorias jul- gando a sua consistência interna, ob- servando se os resultados postulados ocorrem quando a teoria é testada e observando se a teoria faz previsões precisas com base em explicações par- cimoniosas.

As teorias são “ideias” sobre como a natureza funciona. Os psicólogos propõem teorias sobre a natureza do comportamen- to e dos processos mentais, bem como so- bre as razões pelas quais as pessoas e ani- mais agem e pensam de um determinado modo. Uma teoria psicológica pode ser desenvolvida usando-se diferentes níveis de explicação; por exemplo, a teoria pode ser desenvolvida em um nível fisiológico ou conceitual (ver Anderson, 1990; Simon, 1992). Uma teoria de base fisiológica para a esquizofrenia proporia causas biológicas, como genes portadores específicos. Uma teoria desenvolvida no nível conceitual pro- vavelmente proporia causas psicológicas, como padrões de conflito emocional ou es- tresse. Uma teoria da esquizofrenia também poderia compreender causas biológicas e psicológicas.

As teorias muitas vezes diferem em seu escopo – a variedade de fenômenos que

buscam explicar. Algumas teorias tentam explicar fenômenos específicos. Por exem- plo, a teoria de Brown e Kulik (1977) tentava explicar o fenômeno da “memória do tipo

flashbulb”, na qual as pessoas se lembram

de circunstâncias pessoais muito específicas relacionadas com eventos particularmente emocionais e surpreendentes, como os ter- ríveis fatos ocorridos em 11 de setembro de 2001. Outras teorias têm um escopo muito mais amplo, e tentam descrever e explicar fenômenos mais complexos, como o amor (Sternberg, 1986) ou a cognição humana (Anderson, 1990, 1993; Anderson e Milson, 1989). De um modo geral, quanto maior o escopo de uma teoria, mais complexa ela provavelmente será. A maioria das teorias na psicologia contemporânea tende a ser re- lativamente modesta em seu escopo, tentan- do explicar apenas uma variedade limitada de fenômenos.

Os cientistas desenvolvem teorias a par- tir de uma mistura de intuição, observação pessoal e fatos e ideias conhecidos. Karl Po- pper (1976), o famoso filósofo da ciência, su- gere que as teorias verdadeiramente criati- vas advêm de uma combinação de interesse intenso em um problema e imaginação crí- tica – a capacidade de pensar criticamente e “fora da caixa”. Os pesquisadores começam a construir uma teoria considerando o que

se sabe sobre um problema ou pergunta de pesquisa e também procurando erros ou o que está faltando. A abordagem é semelhan- te à que descrevemos no Capítulo 1, sobre como começar na pesquisa e construção de hipóteses.

Embora as teorias difiram em seu ní- vel de explicação e alcance, entre essas di- ferenças, estão características comuns que definem todas as teorias (ver Tabela 2.3). Podemos propor a seguinte definição for- mal de uma teoriacientífica: um conjunto de

proposições (alegações, afirmações, declarações) organizadas de forma lógica, que serve para de- finir fatos (conceitos), descrever relações entre esses fatos e explicar a ocorrência desses fatos.

Por exemplo, uma teoria para a memória do tipo flashbulb deve dizer exatamente o que é uma memória do tipo flashbulb, e como uma memória do tipo flashbulb difere de memó- rias típicas. A teoria também teria descrições de relações, como a relação entre o grau de envolvimento emocional e a quantidade lembrada. Finalmente, a teoria também de- veria explicar por que, em certos casos, a chamada memória do tipo flashbulb de uma pessoa está claramente errada, mesmo que o indivíduo seja muito confiante quanto à memória (incorreta) (ver Neisser e Harsch, 1992). Esse foi o caso no estudo de Talarico e Rubin (2003) sobre as memórias de estu-

Tabela 2.3 Características de teorias

Definição Uma teoria é um conjunto de proposições, organizado de maneira lógica, que serve para definir fatos, descrever relações entre esses fatos e explicar a ocorrência desses fatos.

Alcance As teorias diferem na amplitude dos fatos que buscam explicar, de fenômenos bastante específicos (p.ex., memória do tipo flashbulb) a fenômenos comple- xos (p.ex., amor).

Funções Uma teoria organiza o conhecimento empírico de estudos anteriores e orienta pesquisas futuras, sugerindo hipóteses testáveis.

Características Importantes

Variáveis intervenientes proporcionam uma conexão explicativa entre variáveis. As boas teorias são:

Lógicas: fazem sentido e possibilitam fazer previsões logicamente.

Precisas: as previsões sobre o comportamento são específicas, ao invés de gerais.

Parcimoniosas: a explicação mais simples para um fenômeno é a melhor.

dantes para os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001; apesar da diminuição na acurácia de suas memórias com o passar do tempo, os participantes mantinham a con- fiança em suas memórias vívidas.

As principais funções de uma teoria são organizar o conhecimento empírico e

orientar a pesquisa (Marx, 1963). Mesmo

em áreas relativamente específicas de pes- quisa, como as memórias do tipo flashbulb, foram realizados muitos estudos. À medi- da que aumenta o escopo de uma área de pesquisa, também aumenta o número de estudos relevantes. As teorias científicas são importantes porque proporcionam uma organização lógica para os resultados de muitos estudos e identificam relações entre os resultados. Essa organização lógi- ca de resultados orienta os pesquisadores à medida que identificam hipóteses testáveis para suas pesquisas futuras.

Com frequência, as teorias exigem que proponhamos processos intervenientes para explicar o comportamento observado (Underwood e Shaughnessy, 1975). Esses processos intervenientes proporcionam uma conexão entre as variáveis indepen- dentes que os pesquisadores manipulam e as variáveis dependentes que mensuram subsequentemente. Como esses processos “ocorrem entre” as variáveis independen- tes e dependentes, eles são chamados de

variáveis intervenientes. Você provavelmente

sabe o que queremos dizer com uma variá- vel interveniente se você pensa sobre a for- ma como usa o computador. Quando você aperta teclas no teclado ou clica o mouse, você vê (e ouve) vários resultados no moni- tor, na impressora ou a partir dos alto-falan- tes. Ainda assim, não é o apertar das teclas ou clicar do mouse que causa esses resul- tados; a variável interveniente é o software “invisível” que serve como conexão entre os toques nas teclas e o resultado no monitor.

As variáveis intervenientes são como programas de computador. Corresponden- do à conexão entre os toques e o que se vê no monitor, as variáveis intervenientes co- nectam variáveis independentes e depen-

dentes. Outro exemplo familiar da psicolo- gia é o construto de “sede”. Por exemplo, um pesquisador pode manipular o número de horas que os participantes são privados de líquidos e, depois do tempo especificado, a quantidade de líquido consumida. Entre o tempo de privação e o tempo em que os participantes podem beber, podemos dizer que eles estão “sedentos” – a experiência psicológica de precisar repor os fluidos cor- porais. A sede é um construto que permite que os teóricos conectem variáveis como o número de horas com privação de líquidos (a variável independente) e a quantidade de líquido consumida (a variável dependente).

Variáveis intervenientes como a sede não ape- nas conectam variáveis independentes e depen- dentes; as variáveis intervenientes também são usadas para explicar por que as variáveis são co- nectadas. Assim, as variáveis intervenientes

desempenham um papel importante quan- do os pesquisadores usam teorias para ex- plicar as suas observações.

As variáveis intervenientes e as teorias são úteis porque permitem que os pesqui- sadores identifiquem relações entre variá- veis aparentemente dessemelhantes. Outras variáveis independentes provavelmente influenciam a “sede”. Considere, por exem- plo, uma variável independente diferente: a quantidade de sal consumida. À primei- ra vista, essas duas variáveis independen- tes – o número de horas privado de líqui- dos e a quantidade de sal consumida – são bastante dessemelhantes. Todavia, ambas influenciam o consumo subsequente de lí- quido e podem ser explicadas pela variável interveniente da sede. Outras variáveis in- dependentes relacionadas com o consumo de líquidos são a quantidade de exercícios e a temperatura; quanto mais exercícios ou quanto maior a temperatura, mais as pessoas ficarão “sedentas” e mais líquidos elas consumirão. Embora esses exemplos enfatizem variáveis independentes, é im- portante observar que as variáveis depen- dentes também desempenham um papel no desenvolvimento de teorias. Assim, em vez de medir o “consumo de líquidos” como a

variável dependente, pesquisadores criati- vos podem medir outros efeitos relaciona- dos com a experiência psicológica da sede. Por exemplo, quando privados de líquidos, os indivíduos podem fazer grandes esfor- ços para obter um líquido ou até beber um líquido com gosto amargo. Desse modo, o esforço para obter líquidos e o amargor no líquido podem ser medidos como variáveis dependentes.

As variáveis intervenientes são críti- cas para o desenvolvimento de teorias em psicologia. Em nosso exemplo, as variáveis aparentemente dessemelhantes da privação de líquido, consumo de sal, exercício, tem- peratura, consumo de líquido, esforço para obter líquido e sabor de líquidos podem ser unidas em uma teoria baseada na variável interveniente “sede”. Outros exemplos de variáveis intervenientes – e teorias – são abundantes na psicologia. A variável inter- veniente “depressão”, por exemplo, conecta os fatores teorizados como causa da depres- são (p.ex., fatores neurológicos, exposição a traumas) e os diversos sintomas (p.ex., tristeza, desamparo, perturbações do sono e do apetite). De maneira semelhante, a “me- mória” é usada como variável interveniente para explicar a relação entre a quantidade (ou qualidade) de tempo gasto estudando e o desempenho posterior em um teste. Como você aprenderá em seu estudo em psicolo- gia, as variáveis intervenientes proporcio- nam a chave que destrava as relações com- plexas entre variáveis.

De que maneiras avaliamos e testamos teorias científicas é uma das questões mais difíceis em psicologia e filosofia (p.ex., Me- ehl, 1978, 1990a, 1990b; Popper, 1959). Kim- ble (1989) sugere uma abordagem simples e direta. Ele diz que “a melhor teoria é aquela que sobrevive aos fogos da lógica e da tes- tagem empírica” (p. 498). Os cientistas ava- liam uma teoria primeiro considerando se ela é lógica. Ou seja, eles determinam se a teoria faz sentido e se suas proposições não têm contradições. A consistência lógica das teorias é testada pela lente do olho crítico da comunidade científica.

O segundo “fogo” que Kimble (1989) recomenda para avaliar teorias é submeter as hipóteses derivadas da teoria a testes em- píricos. Um teste bem-sucedido de uma hi- pótese serve para aumentar a aceitabilidade de uma teoria; testes malsucedidos servem para diminuir a aceitabilidade da teoria. A melhor teoria, segundo essa visão, é aquela que passa nesses testes. Porém, existem obs- táculos sérios ao teste de hipóteses e, como consequência, a confirmar ou refutar teorias científicas. Por exemplo, uma teoria, espe- cialmente uma teoria complexa, pode pro- duzir muitas hipóteses testáveis específicas. Não é provável que uma teoria fracasse com base em um único teste (p.ex., Lakatos, 1978). Ademais, as teorias podem conter conceitos que não sejam definidos adequa- damente ou sugerir relações complexas entre variáveis intervenientes e o comporta- mento. Essas teorias podem ter vida longa, mas seu valor para a ciência é questionável (Meehl, 1978). Em última análise, a comu- nidade científica determina se um teste de uma determinada teoria é definitivo.

De um modo geral, as teorias que pro- porcionam precisão de previsão provavelmen- te sejam muito mais úteis (Meehl, 1990a). Por exemplo, uma teoria que preveja que as crianças geralmente apresentam raciocínio abstrato aos 12 anos de idade é mais precisa (e testável) em suas previsões do que uma teoria que preveja o desenvolvimento do ra- ciocínio abstrato entre as idades de 12 e 20 anos. Ao construir e avaliar uma teoria, os cientistas também valorizam a parcimônia (Marx, 1963). A regra da parcimônia é seguida quando se aceita a mais simples das expli- cações alternativas. Os cientistas preferem teorias que proporcionem as explicações mais simples para os fenômenos.

Em síntese, uma boa teoria científica é aquela que consegue passar na maioria dos testes rigorosos. De forma um pouco con- traintuitiva, a testagem rigorosa é mais in- formativa quando os pesquisadores fazem testes que busquem refutar as proposições de uma teoria do que quando fazem testes que as confirmem (Shadish, Cook e Camp-

bell, 2002). Embora os testes que confirmam as proposições de uma determinada teoria proporcionem amparo para a teoria testada, é lógico que a confirmação não exclui outras teorias alternativas sobre o mesmo fenô- meno. Os testes de refutação são a melhor maneira de podar os ramos mortos de uma teoria. Construir e avaliar teorias científicas está no âmago da atividade científica e é absolutamente essencial para o crescimento saudável da ciência da psicologia.

Resumo

Como abordagem ao conhecimento, o mé- todo científico se caracteriza pelo uso de procedimentos empíricos, em vez de base- ar-se apenas na intuição, e pela tentativa de controlar a investigação dos fatores consi- derados responsáveis por um fenômeno. Os cientistas têm maior controle quando fazem um experimento. Em um experimento, os fatores que são manipulados sistematica- mente na tentativa de determinar seu efeito sobre o comportamento são chamados de variáveis independentes. As medidas do comportamento usadas para avaliar o efeito (se houver) das variáveis independentes são chamadas de variáveis dependentes.

Os cientistas tentam divulgar seus re- sultados de maneira imparcial e objetiva. Esse objetivo é promovido aplicando-se definições operacionais aos conceitos. Os pesquisadores psicológicos referem-se aos conceitos como “construtos”. Os cientistas também usam instrumentos que sejam o mais acurado e preciso possível. Os fenô- menos são quantificados com medições físi- cas e psicológicas, e os cientistas procuram medidas que tenham validade e fidedigni- dade. As hipóteses são explicações tenta- tivas dos fatos e acontecimentos. Todavia, para que tenham validade para o cientista, as hipóteses devem ser testáveis. Hipóteses que careçam de definição adequada, que se- jam circulares ou que interessem a ideias ou forças fora do domínio da ciência não são testáveis. As hipóteses muitas vezes são de- rivadas de teorias.

Os objetivos do método científico são a descrição, previsão, explicação e aplica- ção. A pesquisa quantitativa e a pesquisa qualitativa são usadas para descrever o comportamento. A observação é a princi- pal base da descrição científica. Quando duas medidas se correlacionam, podemos prever o valor de uma medida sabendo o valor da outra. Chega-se à compreensão e explicação quando as causas de um fenô- meno são descobertas. Isso exige que sejam apresentadas evidências de covariação dos eventos, que haja uma relação de ordem temporal e que as causas alternativas se- jam excluídas. Quando duas variáveis po- tencialmente efetivas covariam de modo que não se possa determinar o efeito in- dependente de cada variável sobre o com- portamento, dizemos que nossa pesquisa apresenta confusão (contém variáveis con- fundidoras). Mesmo quando um experi- mento cuidadosamente controlado permite que o pesquisador faça uma inferência cau- sal, restam outras questões, relacionadas com o nível em que os resultados podem ser generalizados para descrever outras pessoas e situações. Na pesquisa aplicada, os psicólogos tentam aplicar o seu conheci- mento e métodos de pesquisa para melho- rar as vidas das pessoas. A pesquisa básica é conduzida para se adquirir conhecimento sobre o comportamento e processos men- tais e para testar teorias.

A construção e a testagem de teorias científicas estão no âmago da abordagem científica à psicologia. Uma teoria é defi- nida como um conjunto de proposições organizadas logicamente, que serve para definir eventos, descrever relações entre esses eventos e explicar a ocorrência dos eventos. As teorias têm as importantes fun- ções de organizar o conhecimento empírico e orientar a pesquisa, oferecendo hipóteses testáveis. As variáveis intervenientes são críticas para o desenvolvimento de teorias em psicologia, pois esses construtos per- mitem que os pesquisadores expliquem as relações entre as variáveis independentes e dependentes.

Conceitos básicos