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Capítulo 4. Representação de identidades nas redes sociais

4.3. Construção da identidade na rede

Falamos anteriormente sobre como a identidade ganha novo sentido nos sites de redes sociais na internet. Passam a ser uma representação de sua contrapartida da vida real, com uma considerável margem para auto- interpretações do que seria, de fato, representativo de uma determinada identidade. Um indivíduo pode escolher enaltecer ou rebaixar características físicas, sociais e econômicas quando renasce na rede. Pode escolher simplesmente

mentir, ser outra pessoa. O avatar, termo usado para delinear uma identidade virtual está sujeito apenas aos limites da criatividade de seu autor.

Um entendimento comum evidenciado pelos estudos das redes sociais na internet diz respeito justamente as ferramentas de criação de um perfil. Muitos desses sites, no momento de cadastro, pedem que o usuário liste algumas informações básicas que, por sua vez, ajudaram a classificar e direcionar publicidade específica para um público de nicho. No entanto, existe uma perspectiva limitante nessa observação no que diz respeito a percepção que uma determinada identidade estaria restrita ao site em que foi construído, de forma isolada de outros contextos.

Antes mesmos da popularização de softwares sociais, como já foi apontado anteriormente, a construção de uma identidade na rede pode tomar forma a partir de diversos dispositivos. Döring fala, por exemplo, das páginas pessoais. Exemplo bastante popular antes dos blogs. As páginas pessoais constituem-se de endereços na internet com informações específicas e exclusivas sobre uma determinada pessoa. Pode ter tantas finalidades quanto desejar o autor da página, seja profissional, pessoal, etc. As primeiras páginas pessoais, construídas como recursos mais simples, se limitavam a exibir fotos, textos e canais de contato como e-mail e telefone, sem muitos recursos visuais a seu dispor. Como afirma Döring:

O comum aos conceitos de 'identidade cultural', 'identidade narrativa', 'self múltiplo', 'self dinâmico' e 'self dialógico' é o foco da construtividade, mudança e diversidade. Precisamente os aspectos que são encontrados nas páginas pessoais. A página pessoal está sempre 'em construção', pode ser regularmente atualizada para refletir as últimas configurações do indivíduo (DÖRING, 2002)

Na internet os blogs surgem como uma forma mais complexa de sites pessoais. A ferramenta permite não apenas uma construção de sites sem conhecimento prévio de programação na linguagem HTML, que utilizada para construir páginas na web, com uma atualização mais dinâmica dos mesmo. Quando os blogs se popularizam, a partir do ano 2000, a presença de identidades mais complexas na rede é impulsionada. Serviços de catalogo, como o site

Technorati, registraram no ano de 2007 cerca de 112 bilhões de blogs em atividade na rede. Recuero estende a afirmação de Döring não apenas aos blogs, mas a outros sites, com uma referência explicita ao conceito de mass-self- communication (Castells, 2007).

Um ator, assim, pode ser representado por um weblog, por um fotolog, por um twitter ou mesmo por um perfil no Orkut. E, mesmo assim, essas ferramentas podem apresentar um único nó (como um weblog, por exemplo), que é mantido por vários atores (um grupo de autores do mesmo blog coletivo) (CASTELLS, 2007, p. 25).

A partir daí surge o raciocínio que a representação de um ator na rede trata-se da construção e manutenção contínua de um local de fala na rede. Lemos (2002) tem a percepção de como esses espaços ganham sentido a partir de uma “narração do eu”, o que implica dizer que essa a formação dessas identidades e a legitimação desses autores é um processo contínuo. Não basta um preenchimento de formulário com pontos indicativos para se formar um perfil. O mesmo vai passar pelo filtro de outros atores, que darão sentido ou não aquela determinada construção. Neste ponto, as relações discutidas anteriormente têm seu impacto na formação das identidades.

Fica evidente também a ausência de uma relação entre público e privado na construção desses atores. Se é a partir de diálogos que a identidade se legitima, então a ação de optar por uma presença na rede é muito mais complexa do que parece. É preciso escolher ser visto, mas para se tornar de fato um ator nas redes sociais na internet é preciso escolher também interagir. Não existem muitas possibilidades de controle sobre o resultado dessa interação. Um perfil falso pode rapidamente ser desacreditado, perdendo sua razão de ser, como pode ter um desdobramento na vida offline. Em setembro de 2012 uma mãe norte-americana chegou a acreditar que seu filho estava morto devido um perfil falso no Facebook35.

Segundo Yu, Yan e Cheng (2001), cada ator tem muita informação sobre sua situação, mas não tem informação sobre outras situações. Para reduzir a

35Disponível em <http://www.dailymail.co.uk/news/article-2203108/Mothers-outrage-finding-hoax-memorials-dead-son-7-Facebook-alive-

incerteza e consolidar a parceria, os atores precisam ter mais informações confiáveis de seus parceiros. Ainda segundo Dixon (2000), os atores em uma determinada rede social precisam de condições que beneficiem a troca e partilha de conhecimento entre si. Ainda segundo a autora, as pessoas sentem-se valorizadas quando há interesse de conhecer sobre sua expertise. Temos, portanto, um cenário que é favorável para trocas simbólicas de capital social, o que permite a identificação de dispositivos da crítica musical nesse contexto.

Santaella (2007) percebe nesse contexto uma espécie de processo caleidoscópico, onde a subjetividade dos indivíduos se mescla à “hipersubjetividade de infinitos textos” os quais nos levam de um nó a outro, multiplicando as informações em uma trajetória livre e sem predefinição.

Temos, então, nos sites de redes sociais um caráter de apropriação muito forte. O uso específico de cada site só ganha sua real dimensão a partir de uma re- significação dada pelo usuário. Construir um perfil a partir de formulários padrões é um passo ainda embrionário em todo esse processo, que pode afetar a própria rede como um todo. Um exemplo simples e dentro do campo da música está no MySpace, site criado originalmente com a finalidade de promover relacionamentos entre adolescentes, mas foi apropriado com finalidades de divulgação musical. Outros, mais complexos, está na programação descontínua apresentada nos canais de vídeo do YouTube.

No princípio, os dispositivos de redes sociais presentes no site eram mais burocráticos e diziam respeito a ação padrão dos softwares sociais do ser ou não amigo de outro perfil. Com o tempo, ganhou o sentido de assinatura de um canal, que, mais tarde, se integrou as televisões chamadas de smartTV com acesso a internet. A partir do uso tanto de quem cria conteúdo, quanto de quem o consome, o YouTube passou por um turbilhão de re-significações até chegar no estágio atual onde figura lado a lado de uma cartela tradicional de canais de broadcast no aparelho de TV. Isso sem mencionar ainda os outros usos, como os canais que se transformaram em rádios, criando listas de reprodução onde o conteúdo em vídeo pouco importa, apenas seu áudio.

O fato de o sujeito ser processual faz com que ele também se fragmente e possua múltiplos laços de atuação e interesse, compartilhando distintos focos de

atenção. Esta é uma das características que Stuart Hall (2006) atribui à contemporaneidade, já que “passamos a ser confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar- ao menos temporariamente”. Estas expressões de identidade são também acompanhadas pelo movimento de apropriação da tecnologia social no ciberespaço configurando um movimento de multiplicidade e pequenos grupos cujas vozes se conectam em ações sociais.

Com essa perspectiva em mente, torna-se necessário pontuar que a dimensão do indivíduo é muito maior do que comporta sua representação em um único site. E, portanto, não pode ser observado de forma restritiva como tem sido apresentado em outros estudos das redes sociais. O blog não é uma representação do ator, assim como um perfil no Facebook também não é. São fragmentos de uma representação do ator, que figura como uma espécie de guarda-chuva de ações pontuais na rede. Fragmentos da construção de um discurso que, este sim, quando percebido em sua dimensão coletiva, constitui a nossa percepção de um ator.

Isso dá conta, inclusive, de uma aparente necessidade do usuário da rede em estar presente em diversos serviços distintos. Apesar de uma pluralidade de ofertas, muitos desses softwares sociais surgem com propostas similares, ou mesmo com propostas de oferecer um serviço a partir da apropriação que foi dada por usuários a outros serviços. Isso aconteceu quando o aplicativo para celular Instagram, que promove uma rede social de fotografias, se popularizou e foi comprado pelo Facebook36. Diversos outros aplicativos com a mesma dinâmica e finalidade foram e continuam sendo lançados todos no rastro desse sucesso.

É importante perceber que o uso acontece de uma forma convergente. Observando a troca de mensagens entre os usuários dos grupos Bizz e Metal PE no Facebook, faz-se referência constante a publicações dos mesmos usuários em sites como o Twitter, o Orkut e conteúdo também produzido por eles e publicados em sites como o YouTube e Flickr. Todas essas ações poderiam ser concentradas a partir das ferramentas ofertadas no Facebook, mas os usuários escolhem não seguir essa limitação. O mesmo vale para conteúdo publicado em blogs e sites

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Disponível em <http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2012/09/instagram-cresceu-1179-apos-ser-comprado-pelo-Facebook-diz- estudo.html> - Acessado em setembro de 2012

estáticos - sem atualização constante - na rede. A dimensão do autor, como falamos, é sempre muito maior.

Temos nesse contexto alguns paralelos com as ideias já apresentadas sobre cadeia produtiva da música e das cenas musicais. É o indivíduo em transito que legitima sua participação em uma determinada cena. Algo que é produzido sem a percepção da conexão de diversos agentes tem um potencial agregador muito menor e, na metáfora das redes sociais, geraria laços muito mais frágeis entre os nós da rede. Se o capital social é o combustível dos atores, conquistados através do fortalecimento das relações, é preciso ser percebido que algo dito no Twitter pode e vai repercutir no Facebook, no YouTube, no Flickr e onde mais houverem manifestações dos usuários.

Não podemos assumir que o ator na rede social está desconectado de outros contextos. Abordaremos, a seguir, sobre a lógica do capital social nas relações construídas nas redes. Desde já com a proposta em mente de que a construção de uma identidade acontece de forma fragmentada, mas é percebida a partir de lógicas unificadas pelos atores de uma rede que tenha um recorte muito específico, como é o caso das já citadas comunidades relativas a assuntos musicais.