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Construindo o método: delimitação do corpus e descrição dos objetos

4. HERMENÊUTICA E CONSTRUÇÃO DO CORPUS

4.2 Construindo o método: delimitação do corpus e descrição dos objetos

O processo de escolha dos objetos nos colocou diante de algumas possibilidades de análise visto que, à revelia de um apagamento dos veículos de cultura, muitos ainda são relevantes e se sustentam no país, às custas de assinantes e de patrocinadores, públicos e privados. Não é raro o desconhecimento, tanto por parte de leitores quanto de jornalistas, dos veículos de jornalismo cultural ainda em vigor no Brasil. Suplementos como Pernambuco, Ilustríssima, Eu& Fim de Semana; o jornal mensal de literatura Rascunho; revistas como a Continente, Quatro Cinco Um, Arte! Brasileiros, Serrote, Rolling Stones, Select e a Bravo! digital, bem como os cadernos de cultura diários de diversos jornais formam um quadro de referência desse gênero.

Escolhemos trabalhar com o Nexo Jornal e a revista Cult principalmente pela marcante distinção entre ambos no que diz respeito à sua temporalidade de veiculação e ao suporte, sendo um digital e o outro impresso. A Cult tem impressões mensais, já o Nexo publica diariamente entre três e seis notícias na editoria de cultura. Percebe-se que ambos atuam conforme as particularidades do seu suporte, publicando com maior ou menor celeridade. Outro ponto que consideramos para essa escolha se ancora no critério da diversificação de veículos: a Cult é uma revista tradicional no campo cultural, que circula há mais de duas décadas no mercado, publicando principalmente reportagens e dossiês extensos; o Nexo é um jovem jornal digital que alimenta diariamente seu site com matérias relativamente curtas. Esse critério de escolha, entre um veículo mais tradicional e outro mais recente, nos possibilita ter acesso a uma amostra distinta pelas formas de veiculação, pelo meio, pelos leitores e pela periodicidade. Além disso, ao partirmos de referenciais tão distintos, conseguimos ter mais abrangência interpretativa sobre os caminhos possíveis do jornalismo cultural na contemporaneidade.

Sabendo da distinção temporal intrínseca devido à materialidade dos objetos, buscamos escolher o corpus de uma forma equânime, contemplando um período que pudesse em alguma medida neutralizar a disparidade no número de textos a ser analisado. Dessa forma, tendo em vista que o Nexo publica diariamente e a Cult publica mensalmente, decidimos analisar seis meses da revista (julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro) e três meses do Nexo (julho, agosto e setembro). No caso da Cult, como as principais matérias do mês ficam dispostas em chamadas na capa, primeira página da publicação, esse é o espaço que será nosso referencial de leitura e análise do miolo. Tendo em vista que as matérias da revista não são muitas mas são bem extensas, a maior parte do conteúdo ganha menção na capa. Entendemos que em revistas de periodicidade ampliada, a capa ganha um peso ainda maior, condicionando uma visibilidade mais ampla ao tema que aborda. Por ser a página mais importante de uma revista, onde ela deve transmitir a identidade e o conteúdo da publicação, escolhemos dar ênfase às matérias que estão nela.

No Nexo, analisaremos exclusivamente a seção Expresso da editoria de Cultura. A principal seção do jornal, Expresso, aglutina a maior parte das publicações e estabelece o vínculo com a atualidade jornalística, com a rapidez e instantaneidade do jornalismo digital, com os conteúdos “expressos”, importantes ao conhecimento do leitor. Consideramos, assim, que pode ser mais objetivo excluir do estudo as seções que tradicionalmente possuem um tempo mais estendido, não vinculado à urgência do presente, como Entrevista, Coluna, Ensaio, Gráficos, e focar nosso olhar aos textos que, enquadrados como “expresso”, sugerem temporalidades ligadas à atualização veloz do jornalismo na internet. A seção Expresso perpassa, igualmente, todas as outras editorias do jornal. É exatamente por atravessar todas as editorias que consideramos válido estudá-la aqui pois conseguimos um referencial de equivalência, partindo da ideia que não estamos observando a exceção, mas sim a seção que tem maior recorrência em todo o jornal.

Para acompanharmos a análise que virá em seguida, é necessário conhecer os objetos e entender onde eles se situam no panorama jornalístico brasileiro. As justificativas que nos levaram ao corpus apresentado ganham clareza quando entendemos do que se trata cada uma das publicações em análise.

4.2.1. O Nexo Jornal

O Nexo foi lançado em 24 de novembro de 2015 por Paula Miraglia, cientista social, doutora em Antropologia Social e ex-consultora do Banco Mundial e do Banco Interamericano para o desenvolvimento; Renata Rizzi, engenheira e doutora em Economia; e Conrado Corsalette, jornalista com experiência em jornais como Estadão e Folha de S. Paulo. O jornal é sediado em São Paulo, contudo, os conteúdos jornalísticos produzidos são abrangentes e não se prendem a uma vinculação geográfica específica.

Atualmente, distribui seu conteúdo em nove temas – política, economia, internacional, sociedade, cultura, ciência e saúde, tecnologia, esporte e meio ambiente –, no entanto, nem todas são atualizadas diariamente. Cada um dos temas apresenta 15 seções correspondentes ao gênero textual ou formato em que o conteúdo está disposto: expresso, explicado, gráfico, vídeo, interativo, reportagem, entrevista, serviço, ensaio, podcast, estante, especial, externo, acadêmico e colunistas. A equipe do jornal reúne cerca de 30 profissionais de diversas áreas, como reportagem, infografia, vídeo, dados, tecnologia, arte, negócios e estratégia.

Segundo o próprio jornal, “desde a sua fundação, o Nexo tem como principal motivação produzir um jornalismo que contribua para um debate público qualificado e plural, e que seja capaz de fortalecer a democracia brasileira (NEXO JORNAL, 2019). Além disso, “sempre de forma inovadora e a partir de conteúdos amplos e instigantes, sua produção editorial privilegia o rigor e a qualidade da informação (NEXO JORNAL, 2019). Desde setembro de 2016, a base do modelo de negócios do jornal sustenta-se através de assinaturas, as quais permitem o acesso a todos os conteúdos produzidos pelo site, que não apresenta publicidade. Além disso, é enviado diariamente aos assinantes uma newsletter, a “a_nexo”, um serviço de curadoria de notícias que o jornal oferece aos leitores.

O reconhecimento pelo trabalho vem se realizando através de premiações. O Nexo recebeu da Society for News Design o Prêmio ÑH de “Melhor publicação digital do ano”, em 2016 e 2017. Igualmente em 2017, o Nexo foi o primeiro jornal brasileiro a vencer o Online Journalism Awards, um dos principais prêmios de ciberjornalismo do mundo.

O Nexo não assume uma inclinação política declarada, não defende uma pauta de ativismo e não pertence nem tem parceria com nenhum grande grupo de mídia.

Segundo Hoewell (2018), em dissertação sobre o jornal, é possível perceber que o Nexo consegue transitar no polarizado espectro político nacional abordando temas abrangentes. A seção “Expresso”, a qual iremos analisar a partir da editoria de Cultura, é que conta com mais conteúdos, correspondendo a a mais de três quartos do material produzido pelo Nexo ao longo dos anos de trabalho. A seção se dedica a uma cobertura que se aproxima do noticiário factual.

4.2.2. A revista Cult

A revista Cult foi fundada em 21 de julho de 1997, é uma publicação impressa de circulação nacional e é a mais longeva revista de cultura do Brasil, há quase 23 anos no mercado editorial. A primeira fase da Cult, entre julho de 1997 e fevereiro de 2002, é quando, a partir da criação do jornalista Manuel da Costa Pinto, ela faz parte da editora Lemos. Nessa época, a Cult – Revista Brasileira de Literatura surgiu nas bancas com o slogan “o mundo das palavras, da cultura e da literatura” como um espaço de reflexão sobretudo sobre literatura, por meio da publicação de ensaios, resenhas literárias, poesias e textos ficcionais em prosa.

Após sua saída da Lemos, em 2002 a revista passou a ser publicada pela editora Bregantini, quando passou a ser comandada por Daysi Bregantini, atual proprietária, editora e diretora responsável pela publicação. Com sede em São Paulo e periodicidade mensal, a revista aborda temas ligados às artes, à literatura, à filosofia e à psicologia, com conteúdos produzidos por jornalistas e acadêmicos. De acordo com a própria publicação, “a inventividade e, muitas vezes, o ineditismo na abordagem dos assuntos exigem em contrapartida a redação de textos longos, densos e com um nível de profundidade cada vez mais raro no mercado editorial – escritos por renomados intelectuais ligados à vida acadêmica e jornalistas de sólida trajetória profissional (REVISTA CULT, 2019). De acordo com Tsutsui (2006), 80% do conteúdo do periódico é redigido por colaboradores externos – dado que se mantém, tendo em vista que o quadro editorial da revista é muito enxuto.

Cada edição da Cult traz tipicamente um dossiê especialmente organizado sobre um tema específico que pretende contribuir com um debate de saberes e conhecimentos de interesse público. Complementam as edições, via de regra, matérias

especiais, artigos, resenhas, ensaios, entrevistas e perfis que contemplam aspectos variados da cultura em caráter mais amplo. A revista se mantém através de anunciantes e assinaturas. O valor atual da publicação é R$18,50 – aspecto que corrobora em torná- la inacessível a grande parte da população.

A circulação mensal da revista é de aproximadamente 35.000 exemplares distribuídos em âmbito nacional, sendo os principais assinantes bibliotecas e universidades do país. Ao longo dos anos, a revista aumentou sua expressão a partir da marca Cult que atualmente atinge o ambiente digital com site, Facebook, Twitter, Instagram, loja virtual e um canal no YouTube, a TV Cult. Segundo o site da revista, o quadro fixo da publicação conta com apenas oito profissionais: diretora responsável, diretora de conteúdo, editora, diretora de arte, assistente de edição, revisora, diagramadora e estagiário.