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Na história da epidemia de HIV e Aids brasileira, a sociedade civil organizada foi protagonista de importantes conquistas (PARKER, 2000; GALVÃO, 2000). Diante do total despreparo das instituições brasileiras no começo da epidemia, as primeiras respostas surgiram a partir das comunidades mais afetadas, como grupos de homossexuais, setores religiosos, organizações da sociedade civil, além de atores individuais (PARKER, 2000; PARKER, 2003). Esta seção pretende abordar algumas das primeiras respostas de enfrentamento à epidemia de HIV e Aids no Brasil, discutindo a relação entre a atuação da sociedade civil e as instituições estatais.

Em 1983, um grupo de ativistas integrantes do movimento homossexual brasileiro que, posteriormente, veio a se diversificar até se tornar o atual movimento LGBT, procurou a

Secretaria Estadual de Saúde do Estado de São Paulo (SES/SP) e apresentou a necessidade de uma estratégia para o enfrentamento da epidemia. Em agosto do mesmo ano, o Programa de AIDS do Estado de São Paulo começou suas atividades em caráter experimental e o seu lançamento público foi feito no dia 06 de setembro de 1983 (GALVÃO, 2002).

Entre 1986 e 1990, foi criado o Programa Nacional de DST/AIDS (PNDST/AIDS) e foram implantados os primeiros Centros de Orientação e Apoio Sorológico (COAS) (GALVÃO, 2000). Mesmo com a criação de uma instância federal, a excessiva burocratização para captar recursos e executar ações de enfrentamento à epidemia acabou por desagradar às organizações não governamentais que pleiteavam respostas mais céleres e eficientes perante o avanço da epidemia de HIV e Aids (GALVÃO, 2000).

Mediante a pressão da sociedade civil organizada, o Estado brasileiro também iniciou a distribuição gratuita de preservativos masculinos, ainda na década de 1980. O trabalho das organizações civis de HIV e Aids junto às comunidades foi pioneiro na implantação de estratégias de redução de danos (RD). Essas estratégias foram adotadas principalmente em relação à prevenção à transmissão do HIV pelo uso de drogas injetáveis. A distribuição de seringas ou o estímulo ao uso de Hipoclorito de Sódio para a desinfecção de agulhas são algumas estratégias dos movimentos sociais.

O surgimento da Aids no Brasil foi marcado pela veiculação de uma visão fatalista, normativa e discriminatória, com a exceção de abordagens alternativas, criadas pelas organizações da sociedade civil (PARKER, 2000; MONTEIRO, 2003). As organizações civis foram pioneiras no desenvolvimento de estratégias de cuidado pautadas na solidariedade, na educação sexual e na abordagem da vulnerabilidade e dos direitos humanos (V&DH). Essas organizações discutiam a sexualidade e a prevenção de acordo com informações seguras e antidiscriminatórias (PARKER, 2016). Entre as principais estratégias, estava a adoção de práticas sexuais não-penetrativas, campanhas voltadas aos grupos mais vulneráveis e a distribuição de preservativos masculinos acompanhada de informações sobre sexo seguro.

Os anos de 1990 foram marcados pela reorganização do PNDST/AIDS no Ministério da Saúde e a ampliação da política nacional de enfrentamento à epidemia, decorrente de empréstimos feitos pelo Estado brasileiro junto ao Banco Mundial (GALVÃO, 2000). A partir de 1994 foram implantados os primeiros Serviços de Assistência Especializada em IST, HIV e Aids (SAE), por meio de recursos repassados através do Plano Operativo Anual (POA) do Ministério da Saúde (MS) (SILVA, 2007).

Em resposta à demanda assistencial crescente, o Ministério da Saúde concebeu, de forma inovadora, o Programa de Alternativas Assistenciais (SILVA, 2007). Esse programa

baseou-se em projetos de implantação de serviços alternativos à assistência convencional que apresentassem conceitos individualizados de níveis de atenção e resolubilidade diagnóstico- terapêutica e que estabelecessem mecanismos de referência e contrarreferência com os serviços da rede pública de saúde. Dessa forma, em nível ambulatorial desenvolveram-se os serviços de assistência especializada e, em nível hospitalar, promoveram-se as alternativas de assistência dos tipos hospital-dia e assistência domiciliar terapêutica (SILVA, 2007).

Além disso, desde o começo da década de 1990, a questão da distribuição de medicamentos antirretrovirais (ARV) estava na agenda governamental. Com o advento da Lei n. 9.3135 de 1996 estabeleceu-se a oferta universal e gratuita de ARV, através do SUS, às pessoas vivendo com HIV que preenchiam os critérios estabelecidos no documento de consenso terapêutico em HIV e Aids do Ministério da Saúde. Nesse norte, o Brasil foi o primeiro país a distribuir os medicamentos antirretrovirais gratuitamente, por meio de um sistema público universal de saúde. A oferta gratuita de medicamentos antirretrovirais causou um impacto significativo na qualidade de vidas de pessoas vivendo com HIV e Aids. Além disso, é importante ressaltar a relação com a prevenção ao HIV por meio do uso de ARV, pois, nessa mesma época, foram implantadas as primeiras estratégias nesse sentido, voltadas aos profissionais de saúde, gestantes e recém-nascidos, além das vítimas de relações sexuais não consentidas.

Os anos 2000 são conhecidos como o período de scale-up, ou seja, quando o mundo investiu grandes somas de recursos financeiros para construir respostas mais bem elaboradas em vários países (PARKER, 2016). Investiu-se dinheiro para garantir o acesso a medicamentos nos países mais pobres como os africanos, alguns asiáticos e certos lugares no Caribe. A partir de 2008, os recursos ficaram estáveis e essa falta de novos investimentos gerou grandes problemas de caixa nos países – inclusive em países que tinha respostas muito positivas frente à epidemia, como o Brasil.

O começo dos anos 2000 foi marcado pelo aumento significativo do número de casos de HIV e Aids em populações empobrecidas, o que suscitou a necessidade de conectar as políticas públicas de prevenção às questões de saúde pública, direitos humanos e transformações na estrutura social (MONTEIRO, 2003). Nos últimos anos, o cenário das políticas públicas de prevenção brasileiras tem se modificado, sendo um dos motivos, a incorporação de novas tecnologias na prevenção à infecção pelo vírus HIV. Segundo Trindade (2008), as tecnologias de saúde integram os programas de assistência à saúde, podendo ser consideradas como a aplicação prática do conhecimento e envolvem insumos, procedimentos clínicos e cirúrgicos, remédios, estratégias de cuidado à saúde, entre outros.

A eclosão mundial da epidemia de HIV e Aids na década de 1980 provocou transformações profundas no campo das políticas públicas de saúde no Brasil. Quando os primeiros casos de Aids surgiram no país, o Estado sequer contava com uma política nacional de prevenção às infecções sexualmente transmissíveis. Na atualidade, as políticas públicas de prevenção brasileiras são formadas por intervenções comportamentais, estruturais e biomédicas. O Estado brasileiro adota desde a supressão contínua da carga viral pela utilização de antirretrovirais (Tratamento como Prevenção – TcP), a Profilaxia Pós-Exposição ao HIV, disponibiliza e estimula o uso de preservativos masculinos e femininos, bem como de gel lubrificante, além de formalmente defender o combate à discriminação, a abordagem da V&DH e a RD.