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A partir da década de 1970, diversos estudos empíricos sobre políticas públicas passaram a oferecer evidências de que a atuação das burocracias públicas ocorria sem neutralidade e que a implementação envolvia a tomada de decisões dos agentes públicos, por meio de fatores subjetivos e relacionados à racionalidade organizacional e administrativa (LOTTA, 2012). De acordo com Faria (2012), entre os motivos que tornaram possíveis as análises de implementação está o reconhecimento de que esse processo poderia ser responsável pela pouca efetividade das políticas públicas.

A análise de implementação de políticas públicas preocupa-se com um conjunto de ações de agentes, públicos ou privados, direcionadas à consecução de objetivos definidos anteriormente no processo de formulação das políticas públicas (LIPSKY, 1980; MAJONE & WILDAVSKY, 1984; HOWLETT & RAMESH, 1995; VAN METER & VAN HORN, 1996; SABATIER & MAZMANIAN, 1996; WILSON, 1989; HILL & HUPE, 2010; LOTTA, 2012; LIMA & D’ASCENZI, 2013).

Na prática, a implementação compreende a execução de uma política, programa ou estratégia – a exemplo da PEP –, por meio de providências concretas (FARIA, 2012; WINTER, 2014). Nesse sentido, passou a ser fundamental compreender como os funcionários da administração pública utilizam de suas atribuições e de suas subjetividades para interpretar planos, executar tarefas e perseguir os objetivos consubstanciados no processo de formulação das políticas públicas na investigação do processo de implementação de uma política pública (LOTTA, 2012; HILL & HUPE, 2014).

Alguns fatores costumam ser observados nas análises de implementação das políticas públicas, visando investigar os processos de execução de ações, programas e estratégias (LIPSKY, 1980; MAJONE & WILDAVSKY, 1984; HOWLETT & RAMESH, 1995; VAN METER & VAN HORN, 1996; SABATIER & MAZMANIAN, 1996; WILSON, 1989; HILL & HUPE, 2010; LOTTA, 2012; LIMA & D’ASCENZI, 2013). Após uma extensa revisão da literatura, o conjunto de fatores identificados como pertinentes para o estudo de implementação foi aqui analisado. Em seguida; os fatores a serem incluídos no presente estudo foram então classificados e reunidos em quatro grandes categorias: (a) contexto de implementação; (b) fatores institucionais organizacionais; (c) fatores individuais e relacionais e (d) discricionariedade administrativa. Estes fatores, assim reunidos, serão abordados no Capítulo 5 – A Implementação na Linha de Frente.

A primeira categoria, relacionada ao (a) contexto de implementação, leva em conta as realidades que compõem o cenário da implementação (LIPSKY, 1980; MAJONE & WILDAVSKY, 1984; HOWLETT & RAMESH, 1995; VAN METER & VAN HORN, 1996; SABATIER & MAZMANIAN, 1996; WILSON, 1989; LOTTA, 2012; LIMA & D'ASCENZI, 2013; HILL & HUPE, 2010).

Na segunda categoria, reuniu-se (b) os fatores institucionais organizacionais, incluindo a discussão do plano normativo (LIPSKY, 1980; MAJONE & WILDAVSKY, 1984; LOTTA, 2012; LIMA & D’ASCENZI, 2013); as informações e o conhecimento da política pública (WILSON, 1989; LIMA & D’ASCENZI, 2013); as tarefas executadas pelos profissionais (HOWLETT & RAMESH, 1995; VAN METER & VAN HORN, 1996; WILSON, 1989; HILL & HUPE, 2010); a personalidade burocrática; os interesses dos beneficiários das políticas ou das instituições implementadoras (WILSON, 1989); a cultura organizacional (WILSON, 1989; LOTTA, 2012); a capacidade administrativa e os recursos do Estado (LIPSKY, 1980; HOWLETT & RAMESH, 1995; VAN METER & VAN HORN, 1996; LIMA & D’ASCENZI, 2013).

Na terceira categoria, agruparam-se os (c) fatores individuais e relacionais envolvendo as percepções, crenças profundas, ideias, atitudes, comportamentos, ideologias, interações, expectativas geradas entre os profissionais, além de experiências profissionais anteriores (LIPSKY, 1980; WILSON, 1989; LOTTA, 2012; LIMA & D’ASCENZI, 2013; HILL & HUPE, 2010).

A quarta e última categoria diz respeito à (d) discricionariedade administrativa, conceituada como a liberdade de atuação dentro dos limites permitidos em lei, ou seja, no caso concreto, o profissional de linha de frente, amparado pelo seu conhecimento técnico, o regimento profissional e as normas administrativas, pode agir com uma margem de liberdade na administração pública (LIPSKY, 1980; HILL & HUPE, 2010; MEYERS & VORSANGER, 2010; LOTTA, 2012).

As análises de implementação costumam adotar duas perspectivas distintas de análise: a perspectiva de cima para baixo (ou top-down) e a de baixo para cima (ou bottom-up) (LIMA & D’ASCENZI, 2013). A primeira perspectiva, denominada de cima para baixo, trata a implementação como um processo racional, planejado e uniforme, realizado por atores no nível de formulação e em patamares de alto escalão das políticas públicas (WINTER, 2010). A segunda perspectiva, denominada de baixo para cima, compreende a implementação como um processo dinâmico, não planejado e negociado entre os agentes implementadores e os beneficiários das políticas públicas (LOTTA & PAVEZ, 2010).

Destaca-se que nem sempre a adoção da perspectiva de cima para baixo e de baixo para cima são úteis para a compreensão de determinado objeto (FARIA, 2012). Assim, Matland (1995) sugere uma síntese entre as duas perspectivas, argumentando que ambas são complementares. No presente estudo, embora o parâmetro de análise seja a atuação dos trabalhadores da linha de frente das políticas públicas, buscou-se não adotar exclusivamente uma perspectiva de cima para baixo ou de baixo para cima, considerando que ambas apresentam relação na consecução desta análise.

Mahoney e Thelen (2010) fornecem elementos para refletir sobre o contexto institucional de implementação das políticas públicas. Estes autores argumentam que as instituições estão carregadas de relações de poder e em constante processo de mudança incremental, sofrendo influência do contexto sócio-político-econômico (MAHONEY & THELEN, 2010). Sob esta abordagem, o processo de implementação de políticas públicas ocorre num cenário institucional complexo, informado não apenas por regulamentos e possibilidade da coação estatal, mas, também, de conflitos socioculturais. De acordo com Mahoney e Thelen (2010), a principal causa desses conflitos está relacionada aos recursos disponíveis, sejam estes de natureza econômica ou humana. A quantidade de recursos disponíveis, e a consequente forma de alocação destes, podem gerar conflitos sociais.

Wilson (1989) cita inúmeros exemplos de como certas crenças profundas dos profissionais ajudam a moldar a forma como as tarefas são executadas na administração pública:

As agências governamentais não são bolas de bilhar impulsionadas aqui e ali pelo impacto de forças e interesses. Quando burocratas são livres para escolher um curso de ação, suas escolhas irão refletir a gama completa de incentivos que operam sobre eles: alguns vão refletir a necessidade de gerir uma carga de trabalho; outros irão refletir as expectativas dos colegas de trabalho e colegas de profissão em outros lugares; outros, ainda, podem refletir suas próprias convicções (WILSON, 1989, p. 88).

As análises de implementação reconhecem que a administração pública e, principalmente, os funcionários que a compõem, não possuem uma atuação neutra (WILSON, 1989).

Em resumo, a administração pública guarda uma diversidade de relações sociais, as quais podem ser analisadas em cada ambiente institucional particular. A variedade dessas relações na administração pública está permeada por diversos fatores, de ordem objetiva, como normas administrativas, estatutos, protocolos, e fatores de caráter subjetivo,

relacionados à satisfação de demandas de usuários dos serviços públicos, às interações cotidianas entre profissionais, além das crenças destes.