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Construindo Sociedades da Informação para as Necessidades Humanas

Declaração da Sociedade Civil para a Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação (CMSI)

Adotada por unanimidade pela Plenária da Sociedade Civil da CMSI, em 8 de dezembro de 2003

Nós, mulheres e homens de diferentes continentes, contextos culturais, perspectivas, experiências e formações, integrantes de diferentes públicos de uma emergente sociedade civil global, considerando fundamental a participação da sociedade civil na primeira cúpula promovida pelas Nações Unidas para tratar dos assuntos relativos a Comunicação e Informação, a Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação, estivemos trabalhando durante dois anos nesse processo, devotando nossos esforços para moldar e construir um conceito de sociedades da informação e comunicação que coloquem as pessoas como foco e sejam inclusivas e justas.

O trabalho em conjunto, tanto on-line quanto off-line, como entidades da sociedade civil, praticando um uso inclusivo e participativo das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), possibilitou-nos compartilhar pontos de vista e construir posições comuns, além de desenvolver coletivamente uma visão sobre as sociedades da informação e comunicação.

Nesta etapa do processo - a primeira etapa da Cúpula, em Genebra, dezembro de 2003 - nossas vozes e os interesses gerais que expressamos coletivamente não estão adequadamente refletidos nos documentos oficiais. Assim, propomos que este documento faça parte dos resultados oficiais da Cúpula. Convencidos de que esta visão pode se tornar realidade por intermédio das ações e vidas de mulheres e homens, comunidades e povos, apresentamos nossa própria visão para todas e todos, como um convite à participação neste diálogo corrente e à união de forças na construção de nosso futuro comum.

1. Uma sociedade visionária

No centro de nossa visão sobre as sociedades de informação e comunicação está o ser humano. A dignidade e os direitos de todos os povos devem ser promovidos,

respeitados, protegidos e afirmados. Reparar o injustificável hiato entre os níveis de desenvolvimento e entre opulência e extrema pobreza deve, portanto, ser nossa principal preocupação.

Estamos comprometidos com a construção de sociedades da informação e comunicação com foco nas pessoas e que sejam inclusivas e justas. Sociedades nas quais todas as pessoas possam livremente criar, acessar, utilizar, compartilhar e disseminar informação e conhecimento, para que, então, indivíduos, comunidades e povos se fortaleçam para melhorar sua qualidade de vida e atingir seu potencial máximo. Sociedades baseadas nos princípios de justiça social, política e econômica e na participação plena e no fortalecimento completo dos indivíduos e, dessa forma, sociedades que verdadeiramente contemplem os desafios-chave para o desenvolvimento que se apresentam no mundo, hoje em dia. Sociedades que busquem os objetivos de desenvolvimento sustentável, democracia e eqüidade de gênero, para o alcance de um mundo com mais paz, justiça, igualdade e, portanto, mais sustentável, sustentado nos princípios sagrados na Carta das Nações Unidas e na Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Aspiramos construir sociedades da informação e comunicação em que o desenvolvimento seja guiado por direitos humanos fundamentais e orientado para que se atinja uma distribuição mais eqüitativa de recursos, levando à eliminação da pobreza de uma forma não-exploradora e ambientalmente sustentável. Para atingir este fim, acreditamos que as tecnologias podem ser empregadas como ferramentas fundamentais, e não como um fim em si mesmas, reconhecendo-se, assim, que o combate à Brecha Digital é apenas um passo no caminho que leva ao desenvolvimento para todas e todos.

Reafirmamos que a comunicação é um processo social fundamental, uma necessidade humana básica e um dos pilares de todas as organizações sociais. Todas as pessoas, em todos os lugares, a qualquer momento, devem ter a oportunidade de participar de processos de comunicação e ninguém deve ser excluído de seus benefícios. Isso implica que todas as pessoas tenham acesso aos meios de comunicação e possam exercer o direito à liberdade de opinião e expressão, o que inclui o direito a ter opiniões buscar, receber e transmitir informações e idéias através de qualquer meio de comunicação, independentemente de fronteiras. Ao mesmo tempo, o direito à privacidade, o direito de acessar informações públicas e o domínio público do conhecimento, além de muitos outros

direitos humanos universais de relevância específica aos processos de informação e comunicação, também devem ser promovidos. Junto com o direito ao acesso, todos esses direitos e liberdades ligados à comunicação devem ser ativamente garantidos para todas e todos, claramente expressos em leis nacionais e reforçados com as condições técnicas adequadas.

A construção de tais sociedades implica envolver indivíduos em suas capacidades de cidadãos, assim como suas organizações e comunidades, como participantes e tomadores de decisão no processo de moldar sistemas, políticas e mecanismos de governança. Isso significa criar e propiciar um ambiente que comporte o engajamento e o comprometimento de todas as gerações, tanto mulheres quanto homens. Significa também garantir o envolvimento de diversos grupos sociais e lingüísticos, culturas e povos, populações urbanas e rurais, sem exceção. Além disso, os governos devem manter e promover serviços públicos onde houver demanda dos cidadãos e estabelecer a consulta e a participação dos cidadãos como um pilar das políticas públicas, a fim de garantir que os modelos de sociedade de informação e comunicação sejam constantemente abertos a correções e melhorias. Reconhecemos que nenhuma tecnologia é neutra em seus impactos sociais, por isso a possibilidade de termos processos de tomada de decisão “tecnologicamente neutros” é uma falácia. É complicado fazer cuidadosas escolhas sociais e técnicas no que tange à introdução de novas tecnologias, desde a fase inicial de planejamento até as etapas de implementação e operação. Impactos sociais e técnicos negativos dos sistemas de informação e comunicação que são descobertos tardiamente ao longo do processo de planejamento são, em geral, extremamente difíceis de se corrigir e, por isso, podem causar prejuízos duradouros. Nós antevemos sociedades da informação e comunicação nas quais as tecnologias sejam desenvolvidas de forma participativa, para os usuários finais e com a participação deles, de modo a prevenir ou minimizar os impactos negativos.

Antevemos sociedades em que o conhecimento humano, a criatividade, a cooperação e a solidariedade sejam considerados elementos fundamentais; em que não só a criatividade individual, mas também a inovação coletiva, baseada no trabalho coletivo, sejam promovidas. Sociedades em que os recursos do conhecimento, da informação e da comunicação sejam reconhecidos e protegidos como herança comum da humanidade; sociedades que garantam e estimulem a diversidade cultural e lingüística e o diálogo intercultural, em ambientes que sejam

livres de discriminação, violência e ódio.

Temos consciência de que a informação, o conhecimento e os meios de comunicação estão disponíveis em uma magnitude nunca antes sonhada pela raça humana, mas também estamos cientes de que a exclusão do acesso aos meios de comunicação, à informação e às habilidades necessárias para participar da esfera pública é ainda uma forte limitação, especialmente nos países em desenvolvimento. Ao mesmo tempo, informação e conhecimento estão progressivamente sendo transformados em recursos privados que podem ser controlados, vendidos e comprados como se fossem simples commodities e não os elementos balizadores da organização e do desenvolvimento social. Desse modo, reconhecemos como um dos grandes desafios das sociedades de informação e comunicação a urgência de buscar soluções para essas contradições.

Estamos convencidos de que, com a vontade política suficiente para mobilizar esta riqueza de conhecimento humano e os recursos apropriados, a humanidade poderia, certamente, atingir as metas da Declaração do Milênio e até superá-las. Como organizações da sociedade civil, aceitamos nossa parte de responsabilidade para tornar realidade estes objetivos e nossa visão.

* Mais notícias sobre a Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação foram atualizadas diariamente na página eletrônica do Observatório de Políticas Públicas de Infoinclusão (OPPI), em www.infoinclusao.org.br.