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Construindo uma cultura de respeito

No documento REVISTA COMPLETA (páginas 76-80)

Há cinco anos, o projeto de extensão Una-se contra a LGBTfobia, que tem origem no Instituto de Comunicação e Artes do Centro Universitário Una, em Belo Horizonte (MG), promove ações que visam à construção de uma cultura do respeito aos direitos humanos e à diversidade sexual e de gênero no ambiente universitário com foco em uma formação cidadã dos futuros profissionais.

Pensar em uma cultura do respeito significa considerar as múltiplas relações que se dão em uma ins- tituição de Ensino Superior, os diversos atores envolvidos, com suas visões de mundo, vivências e ex- pectativas. Desse modo, incentivar uma cultura de respeito aos direitos humanos e à diversidade sexual e de gênero no ambiente universitário implica, por exemplo, acolher calouros LGBT do Instituto de Comunicação e Artes ou que se interessam pelo tema, propiciando-lhes um momento de escuta e en- contros informais: seja em um grupo no aplicativo WhatsApp, com o sugestivo nome “O afeto te afeta?”, seja no grupo “Una-se” no Facebook, no qual se trocam referências bibliográficas sobre o assunto e se postam reportagens que discutem a questão LGBT e de outras minorias. Semestralmente, piqueniques são organizados em praças da capital mineira para conversas informais e troca de experiências.

Pensar em uma cultura do respeito significa também compreender que as ações não podem ser voltadas apenas a estudantes. Requer considerarmos os vários sujeitos que dão vida, fazem a escola exis- tir como escola em suas múltiplas e complexas interações: professores, funcionários administrativos (re- cepcionistas, porteiros, dos serviços gerais...), coordenadores de cursos, membros dos colegiados e diretores de diferentes campi. É importante que todos e todas sintam-se fazendo parte de um local no qual o respeito às diferenças seja um valor maior e estejam abertos a repensarem (e, em alguns casos, desconstruírem) conceitos e práticas, pois, como lembram Prado e Machado:

Se há um elemento paradoxal no preconceito é que ele nos impede de ‘ver’ que ‘não vemos’, e ‘o que é que não vemos’, ou seja, ele atua ocultando razões que justificam de- terminadas formas de inferiorizações históricas, naturalizadas por seus mecanismos. Em outras palavras, o preconceito nos impede de identificar os limites de nossa própria per- cepção da realidade (PRADO; MACHADO, 2008, p. 67).

O projeto Una-se contra a LGBTfobia busca ser um catalisador, propiciando experiências de sensi- bilização, empatia e conscientização no ambiente universitário. Assim, por exemplo, em abril de 2015, foi aprovada no Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão do Centro Universitário Una a resolução apre- sentada pelo Una-se contra a LGBTfobia, em parceria com o curso de Direito da Una, que garante o res- peito ao uso do nome social para estudantes travestis e transexuais da instituição em todos os documentos internos – chamada, listas de presença, provas e trabalhos. A resolução ainda orienta que

“os discentes que solicitarem o reconhecimento e a adoção do nome social, no âmbito do Centro Universitário Una, serão tratados exclusivamente por esse nome nos conta- tos que com eles tiverem os membros do corpo docente ou administrativo da institui- ção”7. 7Resolução n. 144/2015. Disponí- vel em: <https://www.una.br/box/uploads/ 2015/09/Resolu----o-144-2015- Disciplina-ado----o-do-Nome- Social-e-a-utiliza----o-de-espa--os-s egregados-por-g--nero.pdf>. Acesso em: 11 set. 2016.

Embora o nome social de travestis e transexuais já fosse considerado em alguns campi da institui- ção, tal atitude dependia da boa vontade e do empenho de professores e coordenadores mais sensíveis à discussão5. A aprovação da resolução assegurou esse direito de forma ampla, sinalizando, de maneira

clara, para toda a comunidade acadêmica (professores, estudantes e funcionários) que alunos e alunas travestis e transexuais devem ter suas identidades de gênero respeitadas6.

Na escola, quando um docente se recusa a chamar uma estudante travesti pelo seu nome social, está ensinando e estimulando os demais a adotarem atitudes hostis em relação a ela e à diversidade sexual. Trata-se de um dos meios mais eficazes de se traduzir a pedagogia do insulto em processos de desumanização e exclusão no seio das instituições sociais (PRADO; JUNQUEIRA, 2011, p. 62).

Após a resolução, o Centro Universitário Una tem repensado práticas e processos operacionais de modo a torná-los mais inclusivos. Cursos de sensibilização e capacitação e oficinas voltados para pro- fessores e funcionários de todos os setores orientam sobre o assunto, esclarecendo dúvidas quanto a conceitos e práticas não-preconceituosas.

Mas, de fato, o maior ganho é retirar alunos e alunas travestis e transexuais da invisibilidade, re- conhecendo-os em suas especificidades. Reconhecer o nome social tem grande impacto na trajetória es- colar de estudantes travestis e transexuais, como muitos afirmaram à época7. A mesma resolução

assegurou o uso do banheiro de acordo com sua identidade de gênero, solucionando um impasse no qual, infelizmente, com frequência, veem-se estudantes travestis e tran- sexuais – que banheiro utilizar? É comum, diante desse impasse, escolas oferecerem como solução o uso do banheiro exclusivo às pessoas com deficiência ou o banheiro da sala dos professores. É uma falsa solução, pois desconsidera o aluno ou aluna trans e desnuda um despreparo da instituição, que evita se posicionar.

Outra importante iniciativa para a população transexual de Belo Horizonte foi im- plementada no segundo semestre de 2015: o TransForma-Esajuna surge da parceria entre o Una-se contra a LGBTfobia e o Escritório de Assistência Jurídica (Esajuna) do curso de Direito do Centro Universitário Una. O objetivo do projeto é a retificação ju- dicial do nome civil de pessoas transexuais, mudando-lhes os nomes, por exemplo, na carteira de identidade e outros documentos.

Proposto por um estudante do curso de Direito da Una, Carl Benzaquen, hoje au- xiliado pelo projeto, o Transforma-Esajuna já atendeu cerca de 20 pessoas, cuja maio- ria não é estudante da instituição8. O próximo passo é, em breve, promover a

retificação do gênero nos documentos.

Com esse projeto, são beneficiados também os estudantes dos cursos de Serviço Social, Psicologia e Direito que cumprem estágio no Escritório de Assistência Jurídica da Una. “Periodicamente são oferecidas oficinas de capacitação para orientá-los a re- ceber essa população tão discriminada. Assim, o projeto contribui para uma formação mais plural e cidadã desses estudantes”, informa o coordenador do projeto, professor Bruno Pacheco9. Um dos eventos promovidos com o intuito de ampliar a formação dos

alunos do curso de Direito é o Colóquio “Transexualidades e Direitos”, que, em 2016, encontra-se em sua segunda edição (a primeira ocorreu em setembro de 2015). Par- ceria entre o Una-se contra a LGBTfobia e o curso de Direito da Una, o colóquio pro- move o encontro entre academia e militância trans de Belo Horizonte e região para se discutir a legislação (ou a falta dela) no que se refere aos direitos das pessoas transexuais.

5 O Instituto de Comunicação e

Artes (ICA) já considerava o nome social de seus estudantes em docu- mentos como a chamada há, pelo menos, dois anos.

6 A resolução fundamentou-se em

decisão do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Pro- moções dos Direitos de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais (CNCD/LGBT), publicada no dia 12 de março no Diário Oficial da União, que estabeleceu em seu ar- tigo primeiro: "devem ser garanti- dos pelas instituições e redes de ensino, em todos os níveis e moda- lidades, o reconhecimento e a ado- ção do nome social àqueles e àquelas cuja identificação civil não reflita adequadamente sua identi- dade de gênero, mediante solicita- ção do próprio interessado”.

7A aprovação da resolução no Cen-

tro Universitário Una recebeu ra- zoável cobertura da mídia local pelo fato de a instituição ser uma das pioneiras em adotar essa medida em Minas Gerais. Estudantes transe- xuais foram entrevistados, ressal- tando os benefícios da aprovação. Para mais informações, ver “Nome social de travestis e transexuais será utilizado na chama” (disponível em: <http://www.otempo.com.br/cida- des/nome-social-de-travestis-e- transexuais-ser%C3%A1-utilizado- na-chamada-1.1030127. Acesso em: 12 set. 2016), “Faculdades de BH adotam nome social de estu- dantes transgêneros” (disponível em: <http://g1.globo.com/minas- gerais/noticia/2015/04/faculdades- de-bh-adotam-nome-social-de-estu dantes-transgeneros.html>. Acesso em: 12 set. 2016).

8 O número se refere até o primeiro

semestre de 2016.

9 Disponível em: <http://revista-

viag.com.br/em-minas-projeto- contra-lgbtfobia-ganha-premio-de- direitos-humanos-e-cidadania/>.

O e ve n t o é a b e r t o a o p ú b l i c o d e u m m o d o g e r a l , re c e b e n d o , e m m é d i a , 7 0 p e s s o a s p o r e d i ç ã o.

Em j u l h o d e s t e a n o , o Tr a n s f o r m a - E s a j u n a f o i u m d o s g a n h a d o re s d o X I I Prê - mio de Direitos Humanos e Cidadania LGBT, do Centro de Luta pela Livre Orien- t a ç ã o Se x u a l d e Mi n a s Ge r a i s ( C E L LO S - M G ) , O N G re s p o n s á ve l p e l a o r g a n i z a ç ã o d a Pa r a d a d o Or g u l h o LG BT d e Be l o Ho r i zo n t e . O p rê m i o re c o n h e c e a t i t u d e s q u e f o r t a l e c e r a m a l u t a d o Mov i m e n t o LG BT e b e n e f i c i a r a m g a y s , l é s b i c a s , b i s s e x u a i s , t r a v e s t i s e t r a n s e x u a i s n o ú l t i m o a n o. E m 2 0 1 5 , o C e n t r o Un i v e r s i t á r i o Un a j á h a v i a re c e b i d o o p rê m i o d e v i d o à re s o l u ç ã o q u e g a r a n t e o u s o d o n o m e s o c i a l . Ta i s a ç õ e s vo l t a d a s à p o p u l a ç ã o t r a n s b u s c a m c o m b a t e r o a l t o g r a u d e p re c o n - c e i t o e v i o l ê n c i a q u e t ê m e n f re n t a n d o e s s a s p e s s o a s e m u m c i c l o p e r ve r s o d e e x - c l u s ã o , q u e p a s s a p e l a f a m í l i a , p e l a e s c o l a e p e l o t r a b a l h o. Qu a n d o u m a t r a n s n ã o c o n s e g u e ve n c e r a l u t a p e l a s o b re v i vê n c i a d e n - t r o d a e s c o l a , a c a b a s a i n d o m e s m o a n t e s d e c o n c l u i r o e n s i n o f u n d a - m e n t a l . Di v e r s o s f a t o r e s c o m o a p r e s s ã o , o e s t i g m a , o n o m e o u a t é m e s m o o n ã o s a b e r l i d a r c o m e s s a p e s s o a , f a z o q u e a f u g a d a e s c o l a possa acontecer. Hoje temos dados de pesquisas realizadas que mostram, p o r e xe m p l o , q u e g r a n d e p a r t e d a p o p u l a ç ã o d e t r a ve s t i s e t r a n s e x u a i s n ã o c h e g o u a o e n s i n o m é d i o p o rq u e a e s c o l a a s e xc l u i u a n t e s m e s m o d e c h e g a re m l á ( R E I D E L , 2 0 1 3 , p. 6 4 - 6 5 ) .

Ao longo de sua trajetória, o Una-se contra a LGBTfobia tomou consciência de q u e c o n s t r u i r u m a c u l t u r a d e re s p e i t o re q u e r p ro m ove r d e b a t e s a m p l i a d o s s o b re o u t r a s m i n o r i a s q u e s o f re m i n j u s t i ç a s h i s t ó r i c a s . A s s i m , e m m a r ç o d e 2 0 1 5 , f o i l a n ç a d o o C i c l o d e d e b a t e s Mu l h e re s C o m u n i c a m : f e m i n i s m o , m í d i a e a ç ã o , c u j a p r o p o s t a f o i re s g a t a r a d i s c u s s ã o s o b re o Di a In t e r n a c i o n a l d a Mu l h e r s o b u m a ó t i c a d o s d i re i t o s . Pa r a a l é m d e h o m e n a g e n s , b u s c o u - s e t r a ç a r u m p a n o r a m a d a s c o n t r a d i ç õ e s e d e s a f i o s d a c o n d i ç ã o d a m u l h e r n a c o n t e m p o r a n e i d a d e . A s s i m , n o d i a 1 2 d e m a rç o , f o r a m o r g a n i z a d a s d u a s m e s a s - re d o n d a s c o m p o s t a s p o r o i t o p r o f e s s o r a s d o In s t i t u t o d e C o m u n i c a ç ã o e A r t e s d a Un a d e d i f e re n t e s á r e a s . A p r i m e i r a m e s a , “ Mu l h e r e p o l í t i c a : i n t e r f a c e s p l u r a i s” , a b o rd o u t e m a s c o m o c i b e r f e m i n i s m o , v i o l ê n c i a o b s t é t r i c a , m u l h e re s t r a n s e x u a i s e e m p re e n d e d o - r i s m o d e m u l h e re s n e g r a s . A s e g u n d a m e s a , “ Ol h a re s : c o m u n i c a ç ã o , c i n e m a , m o d a e l i t e r a t u r a” , a n a l i s o u o p a p e l d a m u l h e r e m d i f e re n t e s c a m p o s a r t í s t i c o s .

Figura 1 - Cartaz do primeiro Ciclo de Debates Mulheres Comunicam

Fonte: Arquivo Una-se contra a LGBTfobia.

O impacto do Mulheres Comunicam nas alunas e alunos foi extremamente positivo. No semestre seguinte, foram desenvolvidos pelos próprios estudantes diversos trabalhos pautados pelos debates ocor- ridos durante o evento. Em 2016, também em março, ocorreu sua segunda edição. Na ocasião, foi lan- çado o livro Mulheres Comunicam: mediações, sociedade e feminismos (editora Letramento). Na obra, “pensou-se em ‘mulheres’ e suas diferentes formas de se unirem em torno de diferentes necessidades re- lativas à questão do campo da comunicação, das mídias e de suas ações acerca das angústias que a so- ciedade reflete no campo acadêmico, atualmente” (VIEGAS et al., 2016, p. 14).

O ciclo de debates Mulheres Comunicam não foi o primeiro evento criado pelo projeto Una-se con- tra a LGBTfobia que buscou promover uma discussão mais ampla sobre direitos das minorias. Desde 2012, no segundo semestre letivo, ocorre o Mês da Diversidade Casa Una, que traz palestras, mesas-re- dondas, sessões comentadas de filmes, exposições fotográficas e performances artísticas com o intuito de estimular, por exemplo, a discussão sobre a diversidade sexual e de gênero, sobre o preconceito racial no Brasil, a inclusão de pessoas com deficiências e as manifestações culturais de jovens da periferia. O Mês da Diversidade encontra-se, em 2016, em sua quarta edição. Atualmente, conta com o apoio na organização de outros projetos do Centro Universitário Una.

Figura 2 - Cartaz do II Mês da Diversidade Casa Una

Fonte: Arquivo Una-se contra a LGBTfobia.

No documento REVISTA COMPLETA (páginas 76-80)