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Consumidor equiparado: artigo 29, do Código de Defesa do Consumidor

CAPÍTULO III CONCEITO JURÍDICO DE CONSUMIDOR

3.2. O Consumidor e o Código de Defesa do Consumidor

3.2.4. Consumidor equiparado: artigo 29, do Código de Defesa do Consumidor

Abrindo o capítulo que dispõe sobre as práticas comerciais, tais como a oferta de produtos ou serviços, a publicidade, a cobrança de dívidas, a inclusão de nome de devedores em banco de dados, e contratuais, o artigo 29, do Código de Defesa do Consumidor, enuncia equipararem-se “aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele225 previstas”.

Herman Benjamin noticia que, de início, não seria essa a disposição do artigo. Comunica que integrava o corpo do artigo 2º, do Código de Defesa do Consumidor. Entretanto, movimento empresarial intencionava eliminar a prescrição, motivo pelo qual houve a alteração para o Capítulo V, do Código de Defesa do Consumidor, mas sem qualquer prejuízo226.

Com posição contrária, entendendo que houve prejuízo com a fragmentação do conceito do consumidor, Maria Antonieta Zanardo Donato, para quem a falta de unicidade conduziu “o intérprete da norma a conclusão que são, por vezes, aquém da pretendida, levando-o noutras vezes a extrair interpretações por demais extensivas227”.

Em que pese a divergência, para todos a importância da prescrição está na aplicação a sujeitos mesmo que não determináveis, como expressão da efetividade da tutela coletiva em sentido amplo, realmente difusa.

Além da indistinção, a prescrição permite a prevenção até mesmo em abstrato, na medida em que a simples exposição já qualifica o sujeito como consumidor, possibilitando a aplicação do sistema próprio e protetivo apresentado pelo Código, circunscrito, todavia, à proteção para as práticas comerciais e contratuais.

Digna de nota é a técnica utilizada, que leva à interpretação sobre a ausência de exigência de celebração de qualquer negócio jurídico para que haja atuação em favor do sujeito exposto. Em decorrência disso, fica afastada a

225 Antonio Junqueira de Azevedo critica a redação, pouco clara e com erro de concordância, pois, “se são dois

capítulos, a redação somente poderia ser ‘expostas às práticas neles previstas’”. (AZEVEDO, Antonio Junqueira de. A arbitragem e o direito do consumidor. In: Revista de direito do consumidor, nº 23-24. São Paulo: Revistas dos Tribunais, jul./dez. 1997, p. 38)

226 BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos. In: Ada Pellegrini Grinover... [et al]. Código brasileiro de

defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, p. 39, p. 223.

227 DONATO, Maria Antonieta Zanardo. Proteção ao consumidor: conceito e extensão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 62.

necessidade de análise do caso concreto para a proteção. Assim, pois, o artigo 29, do Código de Defesa do Consumidor, elenca como “requisito a mera exposição ou sujeição da(s) pessoa(s) às práticas comerciais para que seja deferida a tutela protecionista, extrapolando a dimensão dos conceitos preconizados pelas outras ciências228”.

É verdade que o Código dispensa o negócio jurídico; todavia, focado na atividade desenvolvida no mercado de consumo, reconhece a submissão intersubjetiva entre o fornecedor e o sujeito exposto. Neste momento, deixa em segundo plano o conceito da figura básica, de padrão, especialmente o elemento teleológico, valendo-se da figura da equiparação229.

Sem restrição, o conceito equiparado do artigo 29, do Código de Defesa do Consumidor, imprime uma definição de política legislativa230. Maria Antonieta Zanardo Donato salienta que “Esse é, sem sombra de dúvida, o ápice do elastério contido na qualificação jurídica do consumidor231”.

Política conseqüência das profundas mudanças sociais que afastaram a idéia de ser o ordenamento jurídico “conjunto completo e coerente de normas, não necessitando de qualquer complementação e ou intromissão externa, já que suas antinomias e lacunas eram aparentes e poderiam ser resolvidas dentro do seu próprio âmbito232”.

Para esta norma de extensão, não há qualquer referência à destinação final. Diante desta falta, há posição no sentido de admitir, aqui, a inclusão do pequeno empresário e o profissional liberal como consumidores. Por meio da prescrição contida no artigo 29, do Código de Defesa do Consumidor, teria se tornado possível a resolução de questões relacionadas à abusividade de situações que escapavam às relações de consumo, mas sempre tendo por viés de interpretação a vulnerabilidade. Essa prescrição permitiria levar à esfera privada mecanismos de relativização da vontade e reequilíbrio como o reconhecimento da exigência da boa-fé objetiva nas tratativas pré-contratuais, do abuso de direito, da

228 DONATO, Maria Antonieta Zanardo. Proteção ao consumidor: conceito e extensão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 47.

229 BESSA, Leonardo Roscoe. Relação de consumo e aplicação do código de defesa do consumidor. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 53.

230 MARQUES, Claudia Lima. Campo de aplicação do CDC. In: BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. Marques, Claudia Lima. Bessa, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 81.

231 Ibidem, p. 57.

232 NOVAIS, Alinne Arquette Leite. A teoria contratual e o código de defesa do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 143-148.

função social do contrato na execução, da excessiva onerosidade, além da responsabilidade pós-contratual. Função a ser questionada após a edição do Código Civil de 2002233.

Diz-se questionada, porque o Código Civil de 2002 é fundado na eticidade, razão das normas genéricas ou cláusulas gerais; na socialidade, com a superação do manifestou caráter individualista, o que abre espaço à função social do contrato e da propriedade; e na operabilidade, com a eliminação de dúvidas e maior liberdade do julgador para compor a indeterminação de eventual preceito. Elementos que já seriam suficientes a harmonizar as relações privadas regidas pelo Direito Civil, sendo desnecessária a aplicação do Código de Defesa do Consumidor em analogia.

Aliás, neste contexto, Cláudia Lima Marques registra que a jurisprudência valorizou a técnica do Código de Defesa do Consumidor para a equiparação do artigo 29, passando a “exercer um controle de cláusulas abusivas em contratos de adesão que estariam inicialmente fora do campo de aplicação do CDC234”.

Sérgio Pinheiro Marçal, com fundamento na interpretação sistemática, sob pena de quebra e ingerência nos atos comerciais e civis estranhos ao objetivo de proteção ao consumidor, apresenta entendimento contrário, negando haja disposição para abranger as relações mantidas entre fornecedores. Diz restrita a aplicabilidade do artigo 29, do Código de Defesa do Consumidor, aos consumidores em potencial235.

Luiz Gastão Paes de Barros Leães entende ser a aplicação do artigo 29, do Código de Defesa do Consumidor, estrita à finalidade das práticas comerciais e dos contratos que regulam as relações de consumo “e não, por exemplo, para o fim de aplicação dos regimes de responsabilidade, previstos na lei236”.

233 ANDRADE, Fábio Siebeneichler de. As cláusulas abusivas nos contratos de adesão e seu regime na lei de defesa do consumidor e no código civil. In: Revista Forense, vol. 401, jan./fev. 2009. Rio de Janeiro: Forense, p. 205. No mesmo sentido, indicado em nota de rodapé para consulta: DALL´AGNOI JÚNIOR, Antônio. Direito do consumidor e serviços bancários e financeiros - aplicação do CDC nas atividades bancárias. In: Revista de

Direito do Consumidor, n. 27, p. 7 e segs.

234 MARQUES, Claudia Lima. Campo de aplicação do CDC. In: BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. Marques, Claudia Lima. Bessa, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 79.

235 MARÇAL, Sérgio Pinheiro. Código de defesa do consumidor: definições, princípios e tratamento da responsabilidade civil. In: Revista do direito do consumidor, nº 6. São Paulo: Revista dos Tribunais, abr./jun. 1993, p. 100-101.

236 LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. Inexistência de relação de consumo entre o ‘shopping center’ e seus frequentadores’. In: Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro. São Paulo: Malheiros Editores, abr./jun. 2001, p. 217.

3.3. O conceito de consumidor em algumas legislações estrangeiras: simples