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O consumidor e a prerrogativa de foro

Capítulo IV – A PRERROGATIVA DE FORO DO CONSUMIDOR-

4.4. O consumidor e a prerrogativa de foro

Como já exposto, o acesso aos órgãos jurisdicionais e a facilitação da defesa do consumidor em Juízo configuram direitos básicos do consumidor (art. 6º, VII e VIII do CDC). Entendemos que as referidas normas conferem fundamento à conclusão de que, em geral, o consumidor tem direito a litigar no foro do seu domicílio.

Em outras palavras, quando a lei confere ao consumidor direitos básicos consistentes em abertura das vias de acesso aos órgãos judiciários e em facilitação da defesa dos direitos em Juízo, deve ser admitido em favor dele (consumidor) a prerrogativa de foro.

Numa lide de consumo individual, o processamento e o julgamento da demanda deverão acontecer, preferencialmente, no foro do domicílio do consumidor. Na ação coletiva, serão aplicadas as regras próprias273.

Nos contratos de adesão, pacificou-se entendimento nos tribunais do país sobre a nulidade absoluta da cláusula do foro de eleição, quando sua aplicação serve de obstáculo à defesa do consumidor em Juízo, admitindo-se sua proclamação de ofício pelo juiz.

A propósito, confira-se o precedente do E. Superior Tribunal de Justiça, Conflito de Competência 41.728, Segunda Seção, relator o Ministro Fernando Gonçalves, julgado em 11.5.2005, DJ 18.5.2005,destacando-se:

O entendimento desta Corte, em casos semelhantes, está pacificado no sentido de que, em se tratando de relação de consumo e tendo em vista o princípio da facilitação da defesa do hipossuficiente, não prevalece o foro contratual de eleição quando estiver distante daquele em que reside o consumidor em razão da dificuldade que este terá para acompanhar o processo. “Nesse sentido, transcrevo:

‘Competência. Conflito. Foro de Eleição. Código de Defesa do Consumidor. Banco. Contrato de Abertura de Crédito em contaespecial.

- O Código de Defesa do Consumidor orienta a fixação dacompetência segundo o interesse público e na esteira do que determinam os princípios constitucionais do acesso à justiça, docontraditório, ampla defesa e igualdade das partes.

- Prestadoras de serviços, as instituições financeiras sujeitam-se àorientação consumerista. - É nula a cláusula de eleição de foro inserida em contrato deadesão quando gerar maior ônus para a parte hipossuficiente defender-se ou invocar a jurisdição, propondo a ação de consumo em local distante daquele em que reside.

- Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de

Canoas.’ (CC 32.868/SC, Relator Min. NANCY ANDRIGUI, DJ de 11.03.2002)

‘Conflito de competência. Ação de busca e apreensão. Consórcio.Contrato de adesão. Foro de eleição. Declinação da competência ‘ex offício’. 1. Segundo entendimento mais recente desta Seção, pode o Juiz deDireito, para facilitar a defesa dos direitos do consumidor (art. 6º, inciso VIII, da Lei nº 8.078/90), declinar de sua competência, ‘ex

offício’, ignorando o foro de eleição, previsto em

contrato de adesão (CC nº 17.735-CE e CC nº 21.540-MS). Ressalvada aorientação do Relator. 2. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo suscitante, onde reside o consumidor.’(CC 22.000/PE, RelatorMin. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, DJ de 08.02.1999) ‘PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃOMONITÓRIA. MÚTUO CONCEDIDO POR ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. FORO DE ELEIÇÃO EM BELO

HORIZONTE. CONTRATO CELEBRADO EM

BRASÍLIA, LOCAL DO DOMICÍLIO DOS RÉUS. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. SERVIÇO.FACILITAÇÃO DA DEFESA.

I. Não prevalece o foro contratual de eleição, se configurada quetal indicação, longe de constituir-se uma livre escolha, mas meraadesão a cláusula pré- estabelecida pela instituição mutuante, implica em dificultar a defesa da parte mais fraca, em face dos ônus que terá para acompanhar o processo em

local distante daquele em que reside e, também, onde foi celebrado o mútuo.

II. Precedentes do STJ.

III. Conflito conhecido para declarar competente o Juízosuscitante, da 10ª Vara Cível de Brasília, DF.’ (CC 23.968/DF, Relator Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, DJ de 16.11.1999)

“Ante o exposto, conheço do conflito e declaro competente o Juízode Direito da 1ª Vara da Comarca de Itararé/SP, o suscitado.

O alcance da norma do artigo 101, inciso I do Código de Defesa do Consumidor passa pelo próprio conceito de consumidor274. Se mais

amplo o conceito, maior o campo de incidência da norma.

274 A propósito, colhe-se valiosa lição da jurista e Ministra do Superior Tribunal de Justiça Fátima

Nancy Andrigh- “Os Direitos do Consumidor na Jurisprudência do STJ” - “Os esforços para se chegar à pacificação do conceito de consumidor partiram de duas linhas de pensamento que integram a doutrina corrente. A primeira, que segue o entendimento denominado escola subjetiva, segundo a qual, ao se verificar que o destinatário final de um produto ou serviço exerça atividade econômica, civil ou empresária, não poderia ser qualificado como consumidor, porque o produto ou serviço por ele adquirido integraria, ainda que de maneira indireta a sua cadeia produtiva. A segunda linha de entendimento recebe a denominação de escola objetiva, e defende que, ainda que o destinatário desempenhe atividade econômica civil ou empresária, será considerado consumidor sempre que adquirir o bem para fins diversos da integração na cadeia produtiva. A relação de consumo fica caracterizada pela destruição do valor de troca do bem ou do serviço. Trata-se, portanto, da contraposição, de um lado, do conceito econômico do consumidor, e de outro, do seu conceito jurídico. Até há pouco tempo, a Quarta e a Sexta Turmas do STJ adotavam o conceito econômico de consumidor direto, ou seja, filiavam-se à escola subjetiva. A primeira e a terceira Turma, por outro lado, adotavam um conceito jurídico de consumidor direto e, portanto, filiavam-se à escola objetiva. Após muita discussão o conceito que veio a prevalecer na Segunda Seção foi o conceito jurídico de consumidor direto, ou seja, uniformizou-se quanto à definição de consumidor o conceito defendido pela escola objetiva. A pacificação quanto à definição de quem pode ser considerado consumidor ocorreu em junho de 2004, e serve para demonstrar, no ano em que se comemora os 15 anos de vigência do CDC, que CONSUMIMOS nada mais, nada menos, que 14 anos para uniformizar, nas Turmas de Direito Privado, o conceito de consumidor. Todavia, para mim, considero que, além de uma significativa vitória para os consumidores, a pacificação do conceito em torno da escola objetiva representou também a vitória do trabalho sério, incansável e persistente daqueles advogados que, mesmo vendo suas teses inovadoras quedarem-se, não se abateram e, com isso, colaboraram significativamente para a conscientização de muitos juízes do dever inexorável que temos todos na defesa do cidadão hipossuficiente.” (p. 3-4).

No E. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, colhe-se precedente consistente no Agravo de Instrumento n. 70010519965, julgado pela 19ª. Câmara Cível, em 22.03.2005, relator o Desembargador Heleno Tregnago Saraiva, que coloca a questão com rara felicidade:

É necessário destacar que a autora citada opta pela denominada corrente finalista, que restringe a figura do consumidor àquele que adquire um produto para uso próprio e de sua família, o consumidor não-profissional. Porém, nosso posicionamento é aquele já exposto, qual seja, o que dá uma maior amplitude à norma inserida no caput do art. 2º, do CDC.

“Assim, partindo de tal premissa, não há como se afastar a incidência da regra do art. 101, I, daquele diploma legal, haja vista se tratar de norma que visa facilitar, ao hipossuficiente, melhores condições de exercer a defesa de seus direitos, que resultaria próximo do impossível de ser exercida na Comarca de Curitiba.

“Por isso, o foro do domicílio do autor deve prevalecer sobre o de eleição, decorrente de cláusula inserta em contrato de adesão, cujos termos devem de ser interpretados, sempre, em favor do aderente.

“A jurisprudência desta Corte consagra este entendimento, como se vê das ementas a seguir transcritas, de lavra do Desembargador Carlos Rafael dos Santos Junior:

‘AGRAVO DE INSTRUMENTO. REVISÃO DE CONTRATO BANCÁRIO. COMPETÊNCIA.

DOMICÍLIO DO AUTOR. CDC. A incidência do

CDC às relações bancárias, faz certa a possibilidade de o consumidor, como hipossuficiente que é, aforar ação revisional no foro do seu domicílio. Prevalência do CDC, art. 101, I, em detrimento do foro de eleição. Deram provimento. (A.I. n°599364890, Porto Alegre, 19ª Câmara Cível, julgado em 31/08/99).

‘AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. FORO DE SEU DOMICÍLIO.

Incidente o regramento do CDC, a ação revisional de contrato de compra e venda de imóvel pode ser ajuizada no foro do domicílio do consumidor. Art. 101, I, CDC. Improveram. (A.I. n° 70000523752, Gravataí, 19ª Câmara Cível, julgado em 08/02/00)’.”

Como sublinhado pelo professor Kazuo Watanabe275, o artigo 101, inciso I da Lei n. 8.078/90 disciplinou a prerrogativa de foro do consumidor nas causas de discussão da responsabilidade civil, seja ela contratual ou extracontratual.

Ora, nesta linha de pensamento e adotado um conceito amplo de consumidor, a prerrogativa de foro alcançará a quase totalidade das ações que envolvam conflito de consumo.

275 Kazuo Watanabe – “Código Brasileiro de Defesa do Consumidor – Comentado pelos autores do

Anteprojeto”, obra coletiva, p. 897. O autor admite que reviu posicionamento anterior e mais restrito sobre o tema.

A prerrogativa de foro do consumidor sempre foi interpretada como uma regra em seu benefício276. Portanto, ele pode renunciar ao

seu direito. Como autor, o consumidor pode escolher o foro do domicílio do fornecedor réu para ajuizar a ação. Como réu, o consumidor pode não opor resistência à tramitação da demanda em foro diverso do seu domicílio277.

Tratando-se de uma competência territorial, a prerrogativa de foro do consumidor tem natureza relativa ou natureza absoluta?

A melhor solução parece ser aquela pugnada pelo professor Arruda Alvim 278:

“Como regra específica está previsto que a ação de responsabilidade civil pode ser proposta no domicílio do autor (consumidor, vítima ou sucessor), que se afirma lesado e que busca a responsabilidade civil. Não é esta regra de ordem pública no sentido de que, querendo esse autor, poderá propor a ação no domicílio do fornecedor de produtos ou de serviços. Mas é de ordem pública para o fim de inadmitir-se que a seu respeito haja eleição de foro, inaplicável o artigo 111, segunda parte, do Código de Processo Civil.”

Isto é, apesar de uma norma de ordem pública, a prerrogativa de foro do consumidor pode ser objeto de renúncia no momento – e somente nele, daí porque não comporta a inclusão de uma cláusula de eleição de foro num contrato de adesão – do ajuizamento da demanda. Parece-nos o melhor

276 Kazuo Watanabe – “Código Brasileiro de Defesa do Consumidor – Comentado pelos autores do

Anteprojeto”, obra coletiva, p. 898.

277 Patrícia Miranda Pizzol – “A Competência no Processo Civil”, p. 635.

caminho para, dentro de um sistema que busca a proteção do consumidor, garantir a facilitação da defesa dos seus direitos em Juízo.

A prerrogativa de foro vale nas ações individuais279. E, neste passo, a dificuldade será, como já explicado, definir-se o alcance tanto do conceito de consumidor, como de responsabilidade.

Nas ações coletivas280, há quem defenda a aplicação do disposto no artigo 93 da Lei n. 8.087/90281. Para a professora Ada Pellegrini Grinover282, o referido artigo 93 do CDC, embora inserido no capítulo das “ações coletivas para a defesa dos interesses individuais homogêneos”, presta-se a reger a competência das ações que tenham como objeto os direitos difusos e coletivos.

Entendemos que também nas ações coletivas, se todos os consumidores – atingidos diretamente ou indiretamente nos interesses e direitos que fundamentaram a demanda - residirem numa só comarca (ou seção judiciária no caso de competência da Justiça Federal), será ali o foro competente.

Porém, nem sempre será possível a identificação de um único “domicílio do consumidor”. É possível que nas ações coletivas exista uma pluralidade de consumidores residentes em diversas comarcas (ou seções judiciárias).

279 Para alguns autores, ela vale apenas nas ações individuais: Arruda Alvim – “Código do

Consumidor Comentado”, p.454.

280 O termo “ações coletivas”, como regra, é empregado no trabalho como gênero do qual são

espécies: a) ação popular, b) ação civil pública, c) ação de improbidade administrativa, d) ação declaratória de inconstitucionalidade, e) ação declaratória de constitucionalidade. Há passagens em que a locução assume o significado de ação civil pública.

281 “Art. 93: Ressalvada a competência da justiça federal, é competente para causa a justiça local: I –

no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local; II – no foro da Capital do Estado ou no Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.”

282 Ada Pellegrini Grinover – “Código Brasileiro de Defesa do Consumidor – Comentado pelos

Nesta hipótese, entendemos que a opção entre o artigo 93 e o artigo 101, I, ambos do CDC será feita na identificação do que facilitar a defesa do consumidor em Juízo. Por exemplo, o ajuizamento da ação coletiva no domicílio de uma associação para proteção dos interesses e direitos dos consumidores, valendo-se da prerrogativa de foro para melhor defender os interesses dos consumidores em Juízo.