• Nenhum resultado encontrado

O consumidor-idoso e a prerrogativa de foro Ações individuais

Capítulo IV – A PRERROGATIVA DE FORO DO CONSUMIDOR-

4.7. O consumidor-idoso e a prerrogativa de foro Ações individuais

As ações individuais serão analisadas, num primeiro momento, em relação à posição do consumidor-idoso no pólo da demanda. Observamos, mais uma vez, que, apenas se a relação jurídica de consumo versar sobre os direitos - a) à vida, b) à liberdade, ao respeito e à dignidade, c) aos alimentos, d) à saúde, e) à educação, cultura, lazer e esporte, f) à profissionalização e ao trabalho, g) à previdência social, h) à assistência social, i) à habitação, l) ao transporte – e caracterizados como direitos individuais indisponíveis, o consumidor- idoso terá à sua disposição a aplicação dos dois diplomas legais: Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto do Idoso.

Como autor, entendemos que poderá ele valer-se ou não da prerrogativa de foro. É ele consumidor-idoso quem fará a opção de litigar no foro do seu domicílio, ou em outro foro que a lei processual lhe faculte (do local dos fatos, do local dos danos, do domicílio do réu, etc.).

Como defendido anteriormente, não havendo menção expressa na petição inicial sobre a renúncia à prerrogativa de foro, poderá o juiz questionar a parte sobre o assunto. Não poderá simplesmente determinar a redistribuição da ação, diante daquela prerrogativa. Insista-se: é ele consumidor- idoso quem dirá se houve um equívoco na distribuição e solicitará, se o caso, a redistribuição para o foro do seu domicílio.

Somente em situações excepcionais, em que ficar evidente que a renúncia à prerrogativa de foro traduz manifesto prejuízo à defesa dos direitos do consumidor-idoso em Juízo, poderá o juiz – mesmo contra vontade da parte – ordenar a redistribuição da ação. A conveniência deve ser da parte e não do advogado, de tal sorte que, se o juiz verificar que o depoimento pessoal do consumidor-idoso será necessário, que a produção de provas no domicílio do idoso,

inevitável, poderá determinar a redistribuição. Não terá relevância o fato do advogado possuir escritório no foro escolhido para a distribuição da ação.

Houve um interessante e recente precedente no E. Tribunal de Justiça, Agravo de Instrumento n. 586.817—5/1—00, 10ª. Câmara de Direito Público, relator o Desembargador Reinaldo Milluzzi, julgado em 13.11.2006, em que o agravante buscou conjugar a aplicação do Estatuto do Idoso e do Código de Defesa do Consumidor, destacando-se no relatório:

Trata-se de agravo de instrumento tirado contra a r decisão copiada a fl. 73, que acolheu exceção de incompetência oposta pela Fundação CESP e determinou a remessa dos autos a uma das Varas Cíveis da Comarca de São Paulo.

“Aduzem os agravantes que são aposentados, domiciliados em Bauru, e propuseram ação de obrigação de não fazer com pretensão à cessação dos descontos indevidos em seu beneficio previdenciário, bem como a devolução dos descontos já realizados. Alegam, em síntese, que a Lei n° 10 741/03 (Lei do Idoso) inovou a matéria relativa à competência, avocando para o domicílio do idoso as ações em que este for parte, que não se trata de competência relativa, e que existe uma relação de consumo entre os agravantes e o agravado, sendo que neste caso deve ser aplicada a regra do art 100, I, do CDC

.

A solução do aludido recurso foi pelo reconhecimento da aplicação do Estatuto do Idoso ao lado do Código de Processo Civil (art. 100, IV, letra “d” do CPC) em favor do autor, mas não se enfrentou a questão da relação de consumo, conforme destacado:

“Além disso, os autores são aposentados, domiciliados na cidade de Bauru, e lá recebem aposentadoria do INSS e uma suplementação da Fundação Cesp, assim como é ali que satisfazem a obrigação. A pretensão deles é suspensão dos descontos a título de devolução do benefício revisão, bem como a devolução das diferenças já descontadas e, se vencedores na ação, lá receberão o benefício.

“Por conseguinte, para garantia do acesso à Justiça, devem demandar em seu próprio domicílio.

“Vale dizer, os autores podem ajuizar a demanda em seu domicílio, local onde a obrigação deve ser satisfeita, razão pela qual cabe a aplicação extensiva do art 100, IV, ‘d’, do CPC, regra especial que prevalece sobre a regra geral da alínea ‘a’

“Neste sentido são os precedentes desta Corte, cuja transcrição se faz pertinente:

‘PREVIDÊNCIA SOCIAL - Privada - Pensão - Complementação — Propositura no foro de satisfação da obrigação — Admissibilidade — Ação de natureza previdenciária — Garantia do amplo acesso à Justiça — Competência do domicílio do segurado — Recurso provido — JTJ 259/3 60.’ ‘COMPETÊNCIA — Previdência privada — Suplementação de pensão — Cobrança — Propositura no foro do domicilio do beneficiário — Admissibilidade — Aplicação do artigo 100, inciso

IV, d, do Código de Processo Civil — Exceção de incompetência — Rejeição — Recurso não provido — JTJ 248/264.’

“Por fim, é ainda interessante que os autores, ora agravantes, contam com mais de 60 anos de idade, são pessoas de poucas posses e, desta maneira, e igualmente cabível, por extensão, a aplicação do art. 80 da Lei 10741/03.

“Ante o exposto, pelo meu voto dou provimento ao recurso, para reconhecer a competência do Juízo da 5ª. Vara Cível da Comarca de Bauru para processar e julgar a ação”.

Entendemos que poderiam incidir no aludido conflito as normas do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto do Idoso. Primeiro, porque está consagrada na jurisprudência a tese de que às entidades de previdência privada aplicam-se as normas da Lei n. 8.078/90, conforme súmula 321 do Superior Tribunal de Justiça296. E segundo, porque se tratavam de consumidores idosos discutindo descontos no complemento da aposentadoria, que configura direito fundamental no Estatuto do Idoso (art. 29).

Oportuna a análise de outro precedente do Tribunal de Justiça, Agravo de Instrumento n. 408.496-4/1, 4ª. Câmara de Direito Privado, relator o Desembargador Maia da Cunha, julgado em 11.8.2005, reconhecendo-se a prerrogativa de foro do consumidor-idoso, como autor, numa alusão exclusiva ao Código de Defesa do Consumidor, destacando-se:

296 Súmula 321 do Superior Tribunal de Justiça: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável

Insurge-se o agravante contra a r. decisão que, nos autos da ação declaratória de nulidade de cláusula contratual, manteve a competência da comarca em que residem os autores, com base no Código de Defesa do Consumidor, sustentando a agravante, em suma, que a exceção de incompetência deveria ser acolhida porque o foro competente é o do seu domicílio porque se trata de relação civil não abrangida pelo Código de Defesa do Consumidor.

“Este é o relatório.

“O recurso não merece provimento.

“Agiu acertadamente o digno Magistrado prolator da r. decisão agravada ao rejeitar a exceção de incompetência do juízo porque se trata de relação de consumo a compra e venda de imóveis, circunstância que deve ser interpretada dentro do sistema protetivo do Código de Defesa do Consumidor, dentre os quais aquele em que se deve facilitar a sua defesa em juízo.

“É pacífica a jurisprudência no sentido de que a regra geral de competência não prevalece sobre a regra específica de proteção ao consumidor no que tange à facilitação da defesa que lhe dá o direito de acionar ou ser acionado no foro do seu domicilio, O acolhimento da pretensão da agravante viola direito básico, do consumidor, consistente na facilitação de defesa, tal como estabelecido nos artigos 60, VII e 51, IV e XV, da Lei n 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor).

“...

“Cabe anotar que o precedente trazido à baila pela agravante é muito clara que a não incidência do Código de Defesa do Consumidor, naquele caso, se dá pelo fato de as partes terem contratado em igualdade de condições (daí a ausência de fornecedor), fato não

ocorrido nestes autos em que os adquirentes são pessoas simples e idosas e a vendedora (fornecedora ) uma das maiores empresas do mercado imobiliário do Estado.

“O fato é que, não obstante as razões recursais, a demanda envolve relação de consumo e a facilitação da defesa do consumidor em juízo determina a competência do foro do domicílio do agravado.” (grifo e negrito nossos)

O julgamento poderia utilizar-se da incidência conjunta do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto do Idoso. Importante salientar que a discussão de um contrato de financiamento imobiliário para aquisição de residência diz respeito ao direito de moradia do idoso, abrangido pelos direitos fundamentais previstos no Estatuto do Idoso (art. 37 e 38).

E como réu, entendemos que a solução do consumidor- idoso seja aquela já propugnada na incidência do artigo 80 do Estatuto do Idoso. Sendo de natureza absoluta, a incompetência pode ser argüida, a qualquer tempo e grau de jurisdição, por simples petição (art. 113 do CPC). Não se exige a exceção de incompetência. Levantada a incompetência absoluta pelo consumidor-idoso, o juiz dever ordenar a redistribuição da ação ao juízo competente – do foro do

domicílio do primeiro. Entretanto, se o consumidor-idoso não suscitar a matéria na primeira oportunidade, deverá arcar com as custas judiciais pelo retardamento.

Se a incompetência absoluta for invocada pela parte contrária ou, pronunciada pelo juiz de ofício, entendemos que haverá lugar para a manifestação expressa do consumidor-idoso, como réu, quanto à prerrogativa de foro.

Poderá o consumidor-idoso, enquanto réu, renunciar ao direito, declinando as razões. Nesta hipótese, caberá ao juiz avaliá-las e decidir se a manifestação de vontade deve ser considerada válida. Somente em situações excepcionais, poderá o juiz rejeitar a renúncia à prerrogativa de foro.

Ou seja, entendemos que a solução do consumidor-idoso seja aquela já propugnada na incidência do artigo 80 do Estatuto do Idoso. Sendo de natureza absoluta, a incompetência pode ser argüida, a qualquer tempo e grau de jurisdição, por simples petição (art. 113 do CPC). Não se exige a exceção de incompetência. Levantada a incompetência absoluta pelo consumidor-idoso, o juiz dever ordenar a redistribuição da ação ao juízo competente – do foro do domicílio do primeiro. Entretanto, se o consumidor-idoso não suscitar a matéria na primeira oportunidade, deverá arcar com as custas judiciais pelo retardamento.

Se a incompetência absoluta for invocada pela parte contrária ou, pronunciada pelo juiz de ofício, entendemos que haverá lugar para a manifestação expressa do consumidor-idoso, como réu, quanto à prerrogativa de foro.

Poderá o consumidor-idoso, enquanto réu, renunciar ao direito, declinando as razões. Nesta hipótese, caberá ao juiz avaliá-las e decidir se a manifestação de vontade deve ser considerada válida. Somente em situações excepcionais, poderá o juiz rejeitar a renúncia à prerrogativa de foro. Ou seja, quando restar evidente que a modificação da competência apresentará

conveniências para o interesse público e à própria tutela dos direitos (coletivos ou individuais indisponíveis) do consumidor-idoso.

A diferença no tratamento das questões apresenta razão de ser297. Como autor, presumidamente, o consumidor-idoso exerce a livre opção acerca do foro de distribuição da ação. Por isso, admite-se a validade até mesmo da manifestação tácita de vontade – se o consumidor-idoso propôs a demanda fora do seu domicílio, tem-se que renunciou tacitamente à prerrogativa de foro. Na qualidade de réu, o consumidor-idoso não participa da escolha do foro de processamento e julgamento da ação. Sendo assim, a ele deve ser permitido que, por uma manifestação expressa - e não tácita - possa abrir mão da prerrogativa de foro. Trata-se de uma hipótese excepcional de competência absoluta com possibilidade de modificação – específica – pelo próprio interessado298.

A proposta de qualificação da prerrogativa de foro do consumidor-idoso como regra de competência absoluta fundamenta-se, na interpretação sistemática dos princípios constitucionais e direitos fundamentais, ganhando relevância a proteção da dignidade da pessoa humana, do consumidor e do idoso, bem como o acesso à Justiça. Também se baseia nos direitos básicos do consumidor, em especial o acesso aos órgãos judiciários e a facilitação da defesa dos seus direitos em Juízo. E, ao final, extrai-se dos direitos fundamentais do idoso, sublinhando-se o acesso à Justiça com proteção judicial dos direitos difusos, coletivos, individuais homogêneos e individuais indisponíveis. Harmoniza-se com o interesse público e com a tutela do idoso.

A situação de pluralidade de domicílios não prejudica a análise. Como autor, o consumidor-idoso pode escolher qualquer deles para propositura da ação. Como réu, o consumidor-idoso pode ser demandado em

297 Como levantada para o próprio idoso, na aplicação do artigo 80 do Estatuto do Idoso.

298 Como dito anteriormente, os críticos mais afoitos não perceberão a diferença proposta no

tratamento entre a competência relativa e a competência absoluta, como proposto. Bastará verificar, entretanto, que, no caso do consumidor-idoso ser réu, dele não se exigirá uma exceção para levantar a incompetência.

qualquer dos seus domicílios, cabendo a escolha ao autor da ação299. Ainda no

caso do consumidor-idoso como réu, a escolha do foro do domicílio feita autor (fornecedor) será passível de impugnação, nas hipóteses em que a opção se revelar contrária à facilitação da sua defesa em Juízo.

Em outras palavras, nas ações em que o consumidor- idoso seja réu e tendo ele mais de um domicílio, poderá o fornecedor escolher qualquer deles para o ajuizamento da ação. Todavia, se a escolha recair sobre domicílio que dificulte a defesa do consumidor-idoso em Juízo, poderá ele se insurgir e solicitar a redistribuição da ação para outro domicílio. A análise levará em conta o prejuízo de qualquer ordem: comparecimento da parte ao fórum para depoimento pessoal, produção de provas oral e testemunhal, contratação de advogado, etc.

Por fim, vale ressaltar a discussão sobre a incidência da prerrogativa de foro do consumidor-idoso também na hipótese de mandado de segurança individual.

Entendemos que o fato da competência para conhecimento do mandado de segurança definir-se pela autoridade coatora pode ser harmonizado com aquela prerrogativa de foro do consumidor-idoso300. Sendo

federal, o mandado de segurança será impetrado na Justiça Federal. E se a autoridade for estadual, distrital ou municipal, o mandado de segurança será

299 Agravo de Instrumento n. 441.561-4/4-02, 4ª. Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça

de São Paulo, relator o Desembargador Maia da Cunha, julgado em 13.7.2006, destacando-se: “Assim se afirma porque, embora correta a r decisão quanto a natureza diversa dos condomínios horizontais e dos loteamentos, e processualmente mais ajustado, segundo a jurisprudência dominante, que, possuindo o réu duplo domicilio, possa ser demandado em qualquer deles segundo a regra do art. 94, § 1°, do Código de Processo Civil. E a regra processual permite a autora a escolha de qual dos domicílios do réu prefere para o processamento da ação, segundo a sua conveniência e oportunidade (Medida Cautelar n° 004 719, Rei Min.Pádua Ribeiro, DJ 02 04 2002).Além disso, forçoso convir que, podendo o autor optar por um dos domicílios do réu, faça-o, como no caso, naquele em que situado o imóvel em razão do qual são cobradas as despesas objeto da ação.” Pode-se dizer que houve respeito à prerrogativa de foro do consumidor-idoso, ainda que a escolha do foro tenha sido diversa da sua vontade. Mas, na linha de pensamento desenvolvida, não houve demonstração da consumidora que a cobrança das taxas da associação no foro do seu outro domicílio (que coincidia com a localização do imóvel, no âmbito do loteamento em que os serviços eram prestados) era prejudicial.

impetrado na Justiça dos Estados ou do Distrito Federal. A definição do foro competente (comarca ou seção judiciária) será pelo domicílio do consumidor-idoso.

4.8. O consumidor-idoso e a prerrogativa de