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O estudo das tomadas de decisão frente aos dilemas evolutivos nos leva a compreender que as estratégias do CV englobam um contínuo que podemos definir como “contínuo lento-rápido”.

A perspectiva do “contínuo lento-rápido” aprimora a tradicional Teoria de Seleção r-K (Pianka, 1970) que estabelece estratégias básicas e fixas de CV para as diferentes espécies de organismos existentes, sendo a estratégia “r” referente a uma estratégia rápida de maximização da aptidão e a estratégia “K” uma estratégia lenta. Segundo a Teoria de Seleção r-K, existiriam ambientes, dentro de um contínuo, definido com base nas condições ecológicas, do tipo “r” ou “K”. Na extremidade “r” deste contínuo encontraríamos o que se pode chamar de um perfeito vácuo ecológico, onde não haveria condições ecológicas que afetassem a disponibilidade de recursos para os indivíduos, não havendo efeito da densidade populacional ou da competição entre os indivíduos pelos diversos tipos de recurso. Devido à disponibilidade excessiva de recursos, sob estas condições, a estratégia de CV mais vantajosa, que seria selecionada em ambientes com estas condições, é a de investir todos os esforços em reprodução, estabelecendo uma estratégia de rápida maturação sexual, com grandes ninhadas e pouco investimento parental, muitas vezes caracterizado por um ciclo de vida curto, no qual

47 o organismo se reproduz somente uma vez. No ambiente natural, no entanto, não encontramos tais condições perfeitas, sempre havendo um mínimo de competição pelos recursos. Por outro lado, o extremo “K” seria representado por um ambiente onde os efeitos da densidade populacional são máximos. Devido à baixa disponibilidade de recursos, nestas condições a competição entre os indivíduos é extrema, e a estratégia de ciclo de vida mais vantajosa, que seria selecionada em ambientes com estas condições, é de um desenvolvimento lento, canalizando todos os esforços disponíveis na produção de uma prole extremamente apta, com grande capacidade de competir por estes recursos.

Nas últimas décadas a Teoria da Seleção r-K vem sendo aprimorada, com a incorporação de outras condições ambientais e individuais que levam à existência de variações no estabelecimento das estratégias de CV, como a idade dos indivíduos (Gadgil & Bossert, 1970), o aprimoramento dos modelos de densidade-depenedente e consequente efeito da disponibilidade de recursos (Kozlowski e Wiegert, 1987; Michod, 1979), efeitos de agentes de mortalidade, como taxa de predação e morbidades (Abrams and Rowe 1996) e variação especial e temporal das condições ambientais (imprevisibilidade ambiental), como variações anuais na disponibilidade de recursos e nas condições climáticas (Kawecki and Stearns 1993).

O aprimoramento culmina com o estabelecimento do contínuo “lento-rápido”, resultado da inserção da plasticidade fenotípica no modelo, através da compreensão de que apesar de haver um ajuste da população ao longo da evolução e assim o estabelecimento de uma estratégia de CV, os organismos estão constantemente tomando decisões e ajustando-se de maneira adaptativa às condições ambientais, como ajustes dependentes da taxa de densidade populacional ou da imprevisibilidade na disponibilidade de recursos, não sendo as estratégias totalmente rígidas (Ellis, et al. 2009).

48 As estratégias de CV poderiam então ser definidas como adaptações espécie- específicas que evoluíram sob as pressões seletivas exercidas pelas condições socioecológicas do ambiente de adaptabilidade evolutiva das diferentes espécies (Ellis et al., 2009; Reznick, Bryant & Bashey, 2002; Voland, 1998). Além disso, as estratégias de ciclo de vida variam dentro das espécies como mecanismo para ajuste às condições do ambiente de desenvolvimento ontogenético, também gerando táticas comportamentais diferenciadas de acordo com as condições do ambiente imediato. O estabelecimento dos diferentes tipos de estratégias e táticas dentro desse contínuo, respectivamente frente às condições do ambiente de criação desses indivíduos ou do ambiente imediato, também são influenciadas pelas variações individuais (Belsky et al., 1991; Chisholm, 1996; Ellis et al., 2009). O ajuste se dá frente a pistas, que servem como indicadores das condições ambientais. Entre as pistas ambientais mais relevantes encontramos a taxa de mortalidade de jovens e adultos (Daly & Wilson, 2001), a densidade populacional (Walker & Hamilton, 2008), a disponibilidade de recursos (Schmitt et al., 2005) e de parceiros sexuais (Griskevicius et al. 2010). Desse modo, é possível estudar as estratégias de CV através da comparação de populações e espécies com diferentes estratégias estabelecidas ao longo de sua evolução e frente a diferenças nas condições ambientais atuais, assim como entre indivíduos que vivenciam e vivenciaram condições ambientais diferenciadas (Ellis et al., 2009).

Uma estratégia de CV caracterizada como “lenta”, assim como uma estratégia do tipo “K”, pode ser caracterizada por traços que aumentem o valor reprodutivo residual de um organismo, exemplificada pela coordenação de comportamentos que refletem um planejamento a longo prazo, com alto investimento parental e social em não parentes, apresentando um período de maturação sexual tardio e a formação de vínculos reprodutivos duradouros e com poucos parceiros. Características como o investimento parental e social em não parentes podem ser inseridas neste tipo de estratégia, pois o alto investimento parental

49 leva a um grande dispêndio de tempo, recursos e energia investidos em uma pequena prole, em detrimento de investir estes esforços em uma prole maior com baixo investimento relativo e na busca e conquita de outros parceiros sexuais. Enquanto o investimento social em não parentes, como no caso de um comportamento altruísta, envolve a incerteza de retorno do investimento a curto prazo. Por outro lado, uma estratégia de CV “rápida”, assim como a estratégia do tipo “r”, pode ser caracterizada por traços que maximizem a velocidade de reprodução e o número de filhos, como uma maturação sexual precoce, maior taxa de fecundidade, menor tamanho corporal e menor investimento parental e social. A investigação para a determinação de uma estratégia de CV pode ser realizada por alguns traços, como: a quantidade de filhos, padrões de crescimento, idade e tamanho em que chegam à maturidade, estimativa das idades de nascimento e morte, número e proporção de sexo dos filhos, (Crawford & Krebs, 1998; Stearns, 1992; Voland, 1998) e investimento social (Figueredo et al., 2006; Figueredo et al., 2007; Svensson & Sheldon, 1998). Quando tratamos de estudos com humanos na sociedade moderna, variações individuais na estratégia de CV também podem ser observadas através de fatores como a qualidade do relacionamento dos indivíduos com seus pais, conjuges e filhos, a quantidade e qualidade de suporte social este indivíduo recebe e dá para parentes e não-parentes, sua religiosidade (característica que está relacionada a questões de responsabilidade social), o status socioeconômico e uma variedade de atitudes destes indivíduos que estão relacionadas à sua percepção e resposta às condições ambientais (Figueredo et al., 2007).

É importante que compreendamos que as variações nas estratégias do CV não são ilimitadas, sendo essas variações de uma estratégia básica estabelecida num longo período de evolução que deu origem a aquela espécie. Portanto, existem mecanismos fisiológicos e de desenvolvimento estabelecidos para a espécie que funcionarão como fatores limitantes à possibilidade de ajuste, sendo necessários grandes períodos de evolução e pressões seletivas

50 específicas para mudanças diretas nesses fatores limitantes. Animais que possuem o período de gestação longo, por exemplo, como no caso dos humanos, no estabelecimento de uma estratégia de curto-prazo não passarão a ter gestações mais curtas, pois isso acarretaria em filhos com o desenvolvimento incompleto, devido à existência de um programa de desenvolvimento fetal bem estabelecido para a espécie. Mas teriam como ajustes, o aumento da frequência com que têm filhos ou o adiantamento em alguns poucos anos do processo de maturação sexual, permitindo um maior período reprodutivo fértil ao longo da vida. Análises comparativas das estratégias de CV de diferentes primatas nos revelam a existência do “contínuo lento-rápido” (Ross, 1988). Enquanto pequenos pró-símios atingem a maturidade sexual em menos de 1 ano, após rápido crescimento e produzem ninhadas múltiplas uma ou duas vezes ao ano, primatas antropóides atingem a maturidade sexual entre 7 e 16 anos de idade e tem a maioria das ninhadas com um filhote, com espaçamento de 4 a 8 anos (Kappeler et al., 2003; Havey e Clutton-Brock, 1980). Sendo um dos primatas antropóides, os seres humanos encontram-se na porção lenta do contínuo, com um período de dependência prolongada dos jovens, maturidade sexual tardia e longevidade superior a outros mamíferos terrestres em vida livre (Hawkes 2006). Apesar de possuir algumas características de estratégia rápida, como um período relativamente curto de amamentação e intervalo entre os nascimentos. A determinação do por que humanos possuem essa combinação entre traços de estratégias rápidas e lentas tem sido um importante foco das análises do CV (e.g., Hawkes et al. 2003; Kaplan et al. 2000).

No presente estudo demonstraremos um especial interesse nas variações das estratégias do CV humano e sua flexibilidade fenotípica frente às contingências ambientais, o que permite uma compreensão mais integrada do funcionamento desse sistema de alocação de esforços. Deste modo não trabalharemos com variações ao longo de todo o contínuo “lento-

51 rápido” nas estratégias de CV, mas sim com variações entre níveis mais “baixos e altos” ou “rápidos e lentos” próximos das condições de uma estratégia mais “lenta” do Tipo K.

Compreendendo a existência de uma diversidade de estratégias de CV dentro do “contínuo lento-rápido”, focaremos nas condições ambientais e nos padrões de respostas que são esperados para as mesmas.

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