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2. Espectador: trajetória até o advento da televisão

4.1. Conteúdo colaborativo

Neste último capítulo trataremos do empoderamento e da reconfiguração do espectador a partir da difusão das novas tecnologias. Desejamos concluir raciocínio sobre os sistemas de controle e as tensões a que estão submetidos. Novos hábitos e os números de audiência confirmam o empoderamento do espectador. A seguir, serão mostradas experiências e espaços de inserção de conteúdo colaborativo dos espectadores nos canais de televisão. Depois, apresentaremos reflexão sobre as estratégias adotadas pelas emissoras e grandes corporações no controle da informação e da produção de conteúdos.

4.1. Conteúdo colaborativo

No Brasil, o canal Multishow foi pioneiro ao lançar em 2009 o programa "Retrato Celular" - só com cenas gravadas por celulares, que focam relacionamentos a partir de webcams. Se a última grande novidade da televisão são os reality shows, por que não se inspirar nos blogs e no YouTube e fazer algo mais reality e menos show? Esse pensamento, traduzido no conceito "self-reality", levou a Conspiração Filmes a realizar a série "Retrato Celular". Durante duas semanas 24 telefones com alta qualidade na captação de som e imagem foram entregues a jovens de quatro Estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul). Eles poderiam filmar o que quisessem de suas vidas. Um dos aparelhos foi parar no extremo norte da Noruega, levado pelo maratonista mineiro Camilo Geraldi. "Ao filmarem as próprias vidas, as pessoas escolhem o que querem mostrar e acabam se mostrando. Nós não criamos estereótipos. Mas, às vezes, elas mesmas se estereotipam", disse ao jornal Folha de São Paulo o diretor-geral Andrucha Waddington, emocionado ao citar um longo e silencioso plano de imagem feito pelo músico carioca Leandro Sapucahy, de seu filho Leonardo, de nove

anos: "Nunca vi material tão íntimo".

O Canal também colocou no ar "Urbano", para transmitir bate-papo realizado pela internet e também gravado por pequenas câmeras acopladas ao computador. Além disso, ficou no ar de abril de 2008 a novembro de 2009 o “Fiz TV”, uma experiência brasileira da empresa Abril que oferecia espaço para a veiculação de vídeos produzidos

pelo público e postados no http://www.fiztv.com.br/. A tela do portal na Internet (imagem 08) apresentava os vários canais com diferentes conteúdos culturais para a livre escolha dos usuários.

Imagem 08: Página do Fiz TV

Ainda segundo o jornal Folha de são Paulo, novos canais a serem lançados pela Abril também contarão com programas da TV 2.0, de acordo com André Mantovani (ex-MTV), responsável pelos projetos televisivos do grupo. "A grande novidade que essas iniciativas trazem à TV é a riqueza do conteúdo. Não técnico, mas do ponto de vista dos roteiros. Você assiste a um vídeo produzido pelo telespectador e não consegue prever o final. A TV convencional, assim como o cinema de Hollywood, é muito

previsível”, declara.

André cita como destaque "Não Perca a Cabeça", de alunos da Escola de Comunicações e Artes da USP. A atriz Bárbara Paz é uma garota que veste uma camiseta escrita "gostosa" e sofre insólita tentativa de estupro. Outro é "Conversas de Elevador", série com mais de 20 episódios. O criador, Felipe Reis, aproveita as madrugadas para filmar em seu prédio. Seu personagem passa por várias situações no elevador, de cantadas frustradas a uma briga com um anão, que o rapaz, distraído com o iPod em alto volume, acaba espremendo contra a parede.

imagem e do som pode ficar em segundo plano quando o foco é o conteúdo. Ele diz que o objetivo da opção do Multishow pela TV 2.0 é gerar identificação com o telespectador, especialmente porque o canal é voltado para jovens. "Apesar de a TV continuar presa à grade de programação, essa é uma maneira de nos aproximarmos de uma geração que consome internet." (disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1204200824.htm>).

Em reportagem publicada no jornal Estado de São Paulo, Felipe Serrano fala das comunidades com centenas de milhares de internautas que se organizam para transmitir “ao vivo” programas de TV de todo o mundo. Habilidosos operadores colocam tudo de graça para download e ainda criam suas próprias versões das legendas em diversos idiomas.

Esses internautas já formam uma audiência que não se limita a fronteiras geográficas ou a acordos entre emissoras e produtores de conteúdo. Ainda que seja um público pequeno comparado ao da televisão tradicional, essa audiência global consome séries, filmes e programas de TV ao mesmo tempo em que são transmitidos em qualquer país. Sem imaginar que pode estar infringindo direitos autorais, cada pessoa faz a TV do seu jeito. Assiste ao programa que quiser e na hora mais conveniente. Programas que são produzidos por qualquer emissora, não importa o dia, o mês ou o ano que

tenham ido ao ar. (disponível em <

http://br.tecnologia.yahoo.com/article/03062009/25/> acesso em 03/06/2009).

Para o cientista chefe do Cesar - Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife, Silvio Meira, com a internet, o que era audiência se tornou comunidade; o que era espectador virou usuário. Diante do novo cenário, as emissoras, produtoras e estúdios têm disponibilizado a esse espectador-internauta canais na web com clipes, séries e filmes.

Serrano dá como exemplo os números do mercado norte-americano: Nos Estados Unidos, de acordo com os números da ComScore, de março de 2010, 77,8% dos internautas haviam assistido a 14,5 bilhões de vídeos no mês. Uma média de 5,5 horas de vídeos por usuário. No Brasil, o diretor de conteúdo do Terra TV, Antonio Prada, informou que somente em um mês o portal exibiu mais de 50 milhões de vídeos, para mais de 7 milhões de visitantes. Silvio Meira tem a completa dimensão do que nos espera. "O que falta é a universalização da banda larga de alta velocidade. Quando todo mundo tiver 100 megabits por segundo, pouco vai importar se a TV tem 500 canais. Um

garoto vai transmitir da sua webcam o campeonato de futebol de botão do colégio e vai ter gente assistindo do outro lado".

Ao participar, no Senado Federal, de audiência pública sobre o futuro da Internet no Brasil (em 02 de junho de 2009) o vice-presidente mundial do Google, Vinton Cerf, reforçou que a rede tem a capacidade de imitar todos os serviços de comunicação já existentes – veículos impressos, rádio e TV, é uma ferramenta poderosa na disseminação de informações e está aberta às inovações: “a internet se beneficia do fato de que não exige permissão para se testar novas ferramentas e produtos. Essa abertura tem sido muito importante porque permite que as pessoas inovem sempre”(disponível

em http://www.abert.org.br/novosite/abert_informa/abert_informa_detalhe.cfm?cod=

9D9E2D9D-3048-8732-60BBB30C07ADF06A. Acesso em 10/06/2009).

Dênis de Moraes frisa que o ciberespaço não foi concebido como uma esfera autônoma, divorciada das realidades socioculturais, que mantém uma relação de complementaridade com o real, viabilizada pela progressiva convergência tecnológica.

O virtual é uma existência potencial, que tende a atualizar-se. A atualização envolve criação, o que implica produção inovadora de uma idéia ou de uma forma. O real, por sua vez, corresponde à realização de possíveis estabelecidos e que em nada mudarão em sua determinação ou em sua natureza [...] Os processos de significação não se anulam, eles se acrescentam e muitas vezes se mesclam. A cibercultura não se superpõe às culturas preexistentes, nem as aniquila. A dialética ativa desdobramentos e remissões: no lugar de divisões e estacas demarcatórias, estabelecem-se os nexos, as bricolagens e as hibridações. (MORAES, 2001 p.73-74)

Moraes concorda que a supremacia dos meios tradicionais persiste e provavelmente persistirá e que, porém, não há como negar que inquietações sociais e resistências à lógica dominante se propagam pela Internet sem ingerência de governos e corporações empresariais ou militares. “No cenário que aparecia um manjar dos deuses para raciocínios lúgubres e derrotistas, percebemos agora uma oxigenação” (2001, p.139).