• Nenhum resultado encontrado

2. Espectador: trajetória até o advento da televisão

3.2. Tecnologia digital e televisão

Na obra A Televisão na Era Digital, Newton Cannito diz que a realidade proposta pela televisão é um jogo, um mundo artificial com regras e subterfúgios: o gênero consegue condicionar expectativas dos espectadores, assim como coloca à disposição deles uma configuração das múltiplas realidades que a TV oferece.

Esta variedade de gêneros, subgêneros e formatos foi proporcionando maior liberdade ao espectador que tem a seu favor o controle remoto, uma tecnologia que permite o maior trânsito entre programas. A TV ganhou ao tentar oferecer conteúdos dinâmicos para evitar a fuga do espectador, aprimorando seus formatos narrativos e desenvolvendo uma interface com o jogo, com conteúdos mais interativos e abertos ao diálogo com o público.

O jogo é naturalmente interativo: existem em função do diálogo com a platéia. Mas o fato de ser interativo não significa que não exista autoria ou que o autor se

15 Artes – Cartelas, selos, gráficos e outros recursos de computação, plásticos e estéticos, utilizados para facilitar a compreensão pelo público de mensagens e narrativas da televisão.

submeta ao espectador. A criação de uma narrativa é baseada na organização do enredo e dos links entre cenas. Já no jogo, a criação é baseada na construção do ambiente de interação composto pelos personagens, pelo espaço e pelas regras desse universo. É na definição do ambiente e nos limites da interação que se evidenciam a ideologia e a autoria do criador do jogo. (CANNITO, 2010, p.46)

Se no teatro, no cinema e depois na televisão o espectador foi assimilando linguagens e processos de produção, determinando modos de representação e inserção, na década de 1990 ele vê surgir um cenário de tecnologias e possibilidades nunca antes experimentado: o acesso aos computadores e ao universo da virtualidade.

A hegemonia da televisão abriu caminho para os novos meios digitais, como a hipermídia, realidade virtual, videogames e redes sociais. A Internet surge como um grande banco de dados, multimídia, que vai construir novos modos de relações com o espectador que agora utilizando um mesmo monitor (écran) pode produzir texto, postar fotos, assistir a vídeo e áudio e compartilhar conhecimento. Mais uma vez, o espectador apreende as técnicas e passa a utilizar a tecnologia.

No universo dos meios digitais, o telespectador passa a interagir com uma máquina que vê e anuncia – um sujeito anônimo, sem identidade, mas que tem o seu papel estrutural potencializado. Um usuário também pode interagir com um aplicativo e obter dele algum resultado, mesmo sem ter a mais vaga idéia de como textos, imagens e sons são produzidos nas entranhas do computador e de como respondem às suas demandas. No computador, os circuitos eletrônicos, os processadores e as memórias (hardware) , assim como as linguagens formais, ou algoritmos, os aplicativos (software) já estão programados para cumprir determinadas funções e só podem realizar essas funções para as quais estão programados. (MACHADO, 2007, p.139)

Outra mudança importante está relacionada às narrativas, que no cinema e na televisão são definidas anteriormente. Agora, elas aparecem como um campo de possibilidades governado por um programa. Os ambientes e seres virtuais que aparecem na tela podem ser alterados, introduzidos, dispostos e destruídos por esse megapersonagem que é o usuário. Arlindo Machado (2007, p.144) passa a chamar o receptor ativo e imerso de interator. Ele afirma que expressões como usuário, espectador e receptor já não dão conta da nova situação participativa. Nos novos ambientes de imersão possibilitados pelos simuladores de acontecimentos virtuais, boa parte das estratégias narrativas que habitualmente eram atribuídas a um sujeito narrador interno à diegese passa agora a ser assumida por dois sujeitos simultaneamente: de um lado, o interator, o sujeito-EU que se deixa imergir na simulação, espécie de

demiurgo[16] que faz desencadear os acontecimentos da diegese; de outro, um sujeito-

SE, um programa de geração automática de situações narrativas, que dialoga com o primeiro. A tecnologia abre caminho para a participação de um novo espectador.

Se tomarmos como exemplo alguns games, o jogador assume o papel de um deus, capaz de criar, governar e até mesmo aniquilar um universo inteiro. É o que acontece com o The Sims [17](imagem 01) – um simulador de acontecimentos narrativos em

ambiente doméstico que permite ao jogador (interator) construir sua casa, criar a decoração e construir os personagens, estabelecer relações amorosas, assim como determinar o destino da família. No avatar Second Life [18], também são criados

personagens e estabelecida personalidade para eles, seus relacionamentos, podendo o jogador também determinar o futuro e o destino de cada um.

No caso dos ambientes colaborativos hoje bastante frequentados na internet, principalmente pelos jovens, a máquina geradora de narrativas automáticas tem a função de administrar a entrada e saída dos diversos internautas, bem como controlar o seu comportamento, a sua ação e a comunicação entre eles, enquanto estiverem on-line. Segundo Machado (2007, p.152), nos videogames as personagens são em geral partes do programa e a única personagem não programada é o interator. Já nos ambientes colaborativos, que permitem a vários interatores jogar entre si, todos são interatores e, portanto, nenhuma personagem é programada.

O que acontece nos jogos e programas de computador é determinado pelos seus criadores, porém é sempre possível fazer download de novos elementos, expansão e atualizações. Há também estruturas abertas que permitem a inclusão de upgrades e complementos que multiplicam o potencial de combinações. Programas de geração de narrativas virtuais nunca são definitivos, uma vez que a Web oferece milhares de arquivos adicionais, oficiais ou clandestinos que ampliam, redirecionam ou subvertem as regras previamente estabelecidas. No extremo do processo, existem ainda os hackers

que podem distribuir arquivos, introduzir personagens e até destruir toda uma estrutura forçando a permanente reinvenção dos “sistemas”.

16 Demiurgo – Na filosofia de Platão, significa: Deus que cria o Universo, organizando a matéria preexistente. Criatura intermediária entre a natureza divina e a humana. (Dicionário Novo Aurélio – Século XXI, 1998).

17 The Sims – Série de jogos eletrônicos de simulação da vida, onde se pode criar e controlar a vida de pessoas virtuais, desenvolvido pelo designer de jogos Will Wright e lançado em 2000 pela empresa Maxis.

18 Second Life - Ambiente virtual, em formato de jogo eletrônico de uma rede social, que simula a vida real e social do ser humano a partir de personagens virtuais. Criado em 1999 e lançado em 2003, é mantido pela empresa norte-americana Linden Lab.

É neste ambiente de imersão e infinitas possibilidades que o espectador do cinema e da televisão potencializou suas experiências audiovisuais, porém esta evolução exige uma profunda mudança de postura diante do mundo e, ao oferecer liberdades sem limites, o universo digital apresenta desafios a criatividade e grandes riscos.

Imagem 01: Tela do The Sims

(Disponível em < http://games.planeta-informatica.com/the-sims-3-e-anunciado-para-x360-ps3-wii-e- ds/the-sims-3-4>)

A seguir nos concentraremos em alguns recursos tecnológicos que estão modificando as relações humanas, também mostraremos novos modelos de negócios e serviços oferecidos pelos grandes conglomerados para conquistar os espectadores em um sistema planetário.

Em decorrência da atualidade do tema e da dinâmica dos acontecimentos que envolvem as novas tecnologias, além de autores consagrados, também buscamos em centros de pesquisa e portais especializados as informações, idéias e inovações que a cada dia são anunciadas como novas aplicações da tecnologia que chegam para revolucionar o dia a dia do espectador.