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CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTOS GERAIS DAS TEORIAS DE ANÁLISE

A. Heterogeneidade do discurso e do sujeito

A.1 Heterogeneidade constitutiva

2.1 O problema da definição dos gêneros discursivos

2.1.1 Definição do gênero discursivo segundo Bakhtin

2.1.1.1 Conteúdo Temático

Há uma diversidade de definições para o conteúdo temático dos textos. Antes de o abordarmos, achamos por bem diferenciar tema dos textos e conteúdo temático dos gêneros. Maingueneau (2000, p. 139), por exemplo, define o tema como correspondente ao que “intuitivamente podemos exprimir como ‘do que isso fala?’ ”, enveredando sua definição para uma perspectiva de tema de um texto e não para tema do conteúdo temático de um gênero.

Fiorin (2004, cópia xerog., p. 2), por sua vez, afirma, nos moldes de Bakhtin, que “a temática não é o assunto de que trata o texto, mas a esfera de sentido de que trata o gênero”. Sob esse ponto de vista, esse autor refere-se ao conteúdo temático dos gêneros e não ao tema de um texto, isto é, para ele, o tema é o assunto proveniente do conteúdo temático.

Para elucidar isso, o autor apresenta exemplos de temáticas para os gêneros, conforme abaixo:

Numa conversa de amigos, a temática são os acontecimentos de nossa vida, mesmo íntima; numa oração, a temática é o agradecimento, ou a súplica a Deus ou aos santos; numa carta comercial, a temática é o tratar de um negócio; num requerimento, a temática é um pedido a uma autoridade pública (2004, p. 02).

No tratamento temático dos gêneros, a posição de Koch & Elias (2006, p.110) é consoante à de Fiorin.

Do ponto de vista do conteúdo temático, na poesia, predomina a expressão dos sentimentos do sujeito, sujeito este que fala de si e dá vazão às emoções. Por sua vez, no artigo de opinião, veiculado em revistas ou jornais, o conteúdo, geralmente, consta de acontecimentos de ordem política, econômica, social, histórica e cultural, e raramente sobre acontecimentos ou vivências pessoais.

Ainda, em citação de Bronckart (2003, p. 97), temos a apresentação de posições teóricas em torno do conteúdo temático, visto como:

um conjunto das informações que nele são explicitamente apresentadas [...] as informações constitutivas do conteúdo temático são representações construídas pelo agente produtor. Trata-se de conhecimentos que variam em função da experiência e do nível de desenvolvimento do agente e que estão estocados e organizados em sua memória, previamente, antes do desencadear da ação de linguagem.

Nesse sentido, seguindo o raciocínio desse autor, dependendo do gênero textual convencionalizado, o agente produtor vai imprimir determinados temas ao texto. Para ilustrar isso, Bronckart (idem) apresenta, ainda, alguns exemplos dos possíveis temas de um texto: tema dos objetos ou fenômenos do mundo físico (“a descrição de um animal e de suas condições de vida”); temas referentes ao mundo social (“discutir valores em uso num grupo”); temas de caráter mais subjetivo; ou pode-se, também, combinar esses temas em um único texto.

Diante do exposto, esclarecemos que a nossa orientação teórica será conduzida na distinção entre tema, enquanto a informação ou o assunto de um texto, e esfera de sentido de um gênero (conteúdo temático). O primeiro está relacionado ao segundo e, na materialização do texto, o tema está vinculado às tipologias textuais, já que os temas aparecem em virtude de como estão encadeados no texto.

Como nosso interesse é delimitar um gênero escolar, devemos considerar as partes que o materializam, ou seja, a organização das tipologias textuais. Por isso, neste ponto, sentimos a necessidade de ressaltar a diferença entre tema e conteúdo temático porque, se os textos são materializações dos gêneros, as organizações dos temas dos textos, enquanto informações, seguem diretrizes globais do conteúdo temático dos gêneros.

Dessa maneira, o conteúdo temático está estritamente vinculado à organização das informações do texto, delineando um gênero específico, o qual prevê um feixe de expectativas temáticas que deve ser mobilizado em seqüências tipológicas textuais que organizam o conteúdo temático do gênero. Sob esse ponto de vista, os gêneros definem o tipo de assunto que neles será tratado, diferenciando-os entre si, pois delimitam a presença de conteúdos temáticos que só podem ser tratados neles.

Considerando, então, a estreita ligação entre o conteúdo temático e a organização das informações constitutivas de um texto, identificaremos o conteúdo temático das produções textuais escritas que constituem o nosso corpus de análise, recorrendo à proposta teórica de Bronckart (2003) a partir da organização de um texto.

Segundo esse autor (2003), o texto é constituído por “três camadas superpostas”: a infra- estrutura geral do texto; 2) os mecanismos de textualização e 3) os mecanismos enunciativos. Cada um desses níveis, conforme já observamos, no capítulo 1, compreende sub-níveis dos quais, pelo menos um, de algum modo, se relaciona com o conteúdo temático do texto.

Dos sub-níveis do nível mais profundo, infra-estrutura geral do texto22, interessa-nos apenas o primeiro: o plano mais geral do texto, já que é ele que está relacionado com o conteúdo temático, uma vez que se “refere à organização de conjunto do conteúdo temático; mostra-se visível no processo de leitura e pode ser codificado em um resumo” (BRONCKART, 2003, p. 120).

Quanto aos mecanismos de textualização, estes se subdividem em 3 sub-níveis: 1) conexão; 2) coesão nominal e 3) coesão verbal. Todos esses sub-níveis, segundo Bronckart (2003, p. 122), “por estarem ligados à linearidade do texto”, estão presentes para criarem as séries isotópicas23

, que garantam por meio de uma recorrência de núcleo sêmico24

a manutenção do tema.

Para compreendermos o conceito dessa expressão (séries isotópicas), convém, primeiramente, explicitarmos cada um de seus constituintes. Assim, segundo o dicionário Aurélio 22 Esta camada do texto é, conforme descrevemos no capítulo 2, constituída por 4 subníveis: 1) o plano mais geral do texto, 2) os tipos de discurso que comporta, 3) as modalidades de articulação entre esses tipos de discurso e 4) as seqüências que nele eventualmente aparecem.

23

“Isotopia: conceito criado por Greimas (1966) no domínio da semântica estrutural e vulgarizado em seguida em análise do discurso (semiótica, estilística*...). A isotopia designa globalmente os procedimentos que concorrem para a

coerência de uma seqüência discursiva ou de uma mensagem. Fundada na redundância de um mesmo traço no

desenvolvimento dos enunciados, tal coerência diz respeito principalmente à organização semântica do discurso” (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2004, p. 292)

24

Núcleo sêmico diz respeito a um assunto tratado no texto. Ex.: “latir” e “cachorro” carregam o mesmo núcleo sêmico, que, disseminado ao longo do discurso, permite a manutenção do tema.

(1986, p. 1.574), o termo “série” é definido como uma “ordem de fatos ou de coisas ligadas por uma relação”. A isotopia é entendida, por sua vez, como a iteração de elementos semânticos no desenvolvimento sintagmático do enunciado “que produz um efeito de continuidade e permanência de um efeito de sentido ao longo da cadeia do discurso” (BERTRAND, 2003, p. 420 - 421). Percebemos, dessa forma, que a iteratividade dos elementos semânticos no discurso é regida por uma determinada ordem, cuja disposição desses elementos numa seqüência encadeada vai garantir a continuidade temática do texto. Portanto, é a partir da coerência temática que o encadeamento de isotopias propicia em um texto, que é possível mensurar a lisibilidade dos textos25

.

Seria, então, a partir da esfera de sentido do gênero (conteúdo temático), que os temas são disseminados ao longo do texto, sendo, dessa forma, regidos pelo conteúdo temático do gênero. Entretanto, a recíproca é verdadeira. Quem escolhe o gênero para ancorar seu discurso e os temas que categorizam o mundo é o sujeito enunciador. Logo, o discurso e a escolha do gênero advêm de escolhas enunciativas. Escolher o gênero X ou Y não é gratuito. O sujeito do discurso (enunciador/enunciatário) escolhe temas para interpretar o mundo e escolhe gêneros para ancorar materialmente os seus textos.

Retomando a proposta de Bronckart sobre os mecanismos de conexão, estes “contribuem para marcar as articulações da progressão temática” (2003, p. 122); os de coesão nominal têm dupla função: a de introduzir os temas e ou os personagens novos e assegurar sua retomada ou sua substituição no desenvolvimento do texto (anáfora); finalmente, os de coesão verbal, “asseguram a organização temporal e/ou hierárquica dos processos (estados, acontecimentos ou ações) verbalizados no texto e são essencialmente realizados pelos tempos verbais” (BRONCKART, 2003, p. 127).

Por fim, os mecanismos enunciativos integram dois sub-níveis: posicionamento enunciativo (que não será analisado neste trabalho) e vozes; e as modalizações. O primeiro subdivide-se em duas partes. A primeira parte diz respeito ao posicionamento do enunciador, que assume ou “se posiciona em relação ao que é enunciado” (BRONCKART, 2003, p. 130); enquanto que a segunda se refere a vozes, “entidades que assumem a responsabilidade do que é enunciado” (BRONCKART, 2003, p. 326). As vozes, por sua vez, conforme aludimos anteriormente no item 1.1.2.3 Mecanismos enunciativos, à página 75, distinguem-se em voz do autor empírico (voz do autor do texto), vozes 25

Sobre lisibilidade dos textos entende-se o estabelecimento de grades de leitura por meio de isotopias. Assim, as leituras possíveis de um determinado texto serão orientadas conforme as isotopias assumidas pelo leitor. Segundo Greimas (1976), dependendo do conhecimento sócio-cultural do leitor, ora uma ora outra isotopia será reconhecida.

sociais (heterogeneidade constitutiva, de instituições) e vozes de personagens. Assim, essas vozes participam do processo de construção do conteúdo temático do texto na medida em que estão implicadas “nos acontecimentos ou ações constitutivas do conteúdo temático de um segmento de texto” (BRONCKART, 2003, p. 327).

O segundo sub-nível dos mecanismos enunciativos, as modalizações, referem-se a “avaliações, julgamentos, opiniões, sentimentos sobre alguns aspectos do conteúdo temático do texto” (BRONCKART, 2003, p. 131). Grosso modo, modalização é uma posição tomada pelo sujeito falante perante o seu enunciado. Dessa maneira, a relação que esse sub-nível estabelece com o conteúdo temático é justamente essa: o posicionamento do enunciador frente ao tema tratado no discurso.

Considerando que um texto pode ser definido como uma unidade de sentido e que estamos tratando da organização textual, todos os níveis com seus respectivos sub-níveis são interdependentes e, por assim o serem, todos estão ligados ao conteúdo temático. Contudo, por princípios de análise, consideraremos os sub-níveis que estiverem relacionados diretamente ao estabelecimento da tematização do texto. Neste horizonte, da camada infra-estrutura geral do texto, apenas o sub-nível do plano geral do texto será aqui considerado; dos enunciativos, serão consideradas as vozes e as modalizações; enquanto que os sub-níveis dos mecanismos de textualização serão considerados na totalidade.