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O conteúdo temático: o objeto do discurso e a finalidade discursiva

1 INTRODUÇÃO

4.2 A DIMENSÃO VERBO-VISUAL DO GÊNERO VIDEOAULA ONLINE

4.2.1 O conteúdo temático: o objeto do discurso e a finalidade discursiva

Começamos esta seção por retomar a concepção bakhtiniana de tema. Tema, para Bakhtin, não se refere a um determinado conteúdo. É, na verdade, o todo

semântico do enunciado. O conteúdo temático, portanto, é a maneira como o gênero lida, discursivamente, com elementos da realidade. Não é possível, então, separar o conteúdo temático de um enunciado de sua situação social de interação.

No corpus selecionado, o objeto do discurso trata da redação do Enem, ou melhor, o núcleo desse objeto se constitui da redação do Enem. Em volta dele, pairam outros objetos do discurso, como a Língua Portuguesa, as dores de um vestibulando, etc. Independentemente do recorte do corpus para análise, seria uma tarefa complexa definir o objeto do discurso das videoaulas do YouTube em geral. Tal complexidade se dá em virtude de o ciberespaço – lugar que “abriga” o YouTube – ser um universo não totalizável. No YouTube, as videoaulas abundam de forma exponencial e, todos os dias, novos canais surgem e os já existentes publicam novos conteúdos. Essa abundância faz com que as fronteiras do que é videoaula, do que é vídeo de conteúdo e do que é vídeo educacional não sejam demarcadas claramente. Dentro do YouTube, todas as postagens são denominadas vídeo, não havendo uma fronteira que separe conteúdos educacionais dos demais, como entretenimento. No conjunto de vídeos que entendemos ser educacional, não há um único objeto do dizer que caracterize o gênero videoaula online – bem como não há um objeto do dizer que caracterize o gênero aula –, mas pode haver subcategorias definidas a partir do objeto do discurso. Por exemplo, as videoaulas que compõem o corpus da presente pesquisa são videoaulas de redação para o Enem. Redação, em si, pode ser considerada uma subcategoria da videoaula, e redação do Enem, uma subcategoria. A lógica mercantilista da cibercultura é construída com base no que se chama de nichos. Entendemos, na análise desse corpus, que os nichos das videoaulas são definidos pelos objetos do dizer. Em outras palavras, os objetos do dizer representam recortes a que os canais escolhem. Dentro do objeto do dizer redação do Enem, outros objetos do dizer são mobilizados.

A #VIDEOAULA01 direciona seu objeto do dizer para dicas de redação para o

dia da prova do Enem. Dentro disso, Pamela Brandão – a enunciadora da #VIDEOAULA01 – reúne dicas de como organizar o tempo na hora da escrita de

redação, como ler a proposta de redação do Enem, como fazer projeto de texto, etc. A #VIDEOAULA01 está inserida em um aulão de véspera, o que direciona seu objeto do discurso para o que é esperado de: 1. Um aulão; 2. De véspera. Um aulão costuma ter como objeto do dizer uma síntese do conteúdo e/ou das habilidades a serem

desenvolvidas. É muito comum, em aulões, os enunciadores reunirem dicas, técnicas, macetes e estratégias para uso de de última hora.

A #VIDEOAULA02 tem seu objeto do dizer determinado pelo interlocutor que enviou sua redação, nesse caso, Pedro Henrique. A partir da leitura da redação do interlocutor, o Corretor Sincerão direciona seu discurso para determinados objetos, como: como fazer alusão histórica na redação do Enem, falta de argumentatividade, uso de repertório na redação, o discurso adequado para uma redação modelo Enem, os 5 elementos de uma proposta de intervenção do Enem, além de correção gramatical. De forma geral, o objeto do dizer da #VIDEOAULA02 gira em torno das cinco competências da redação do Enem.

Na #VIDEOAULA03, Umberto direciona seu objeto do dizer para o processo de

escrita de uma redação do Enem. Essa videoaula apresenta basicamente um passo-

a-passo em que o próprio Umberto escreve uma redação enquanto explica sobre as etapas do processo. Como o tema de redação sobre o qual ele escreve é “Iniciativas para que o esporte seja inclusão social”, o objeto do dizer da primeira parte do vídeo gira em torno da questão do esporte no Brasil, elencando causas e consequências da falta de investimento em esporte. Depois disso, o objeto do dizer se direciona para a estrutura da redação do Enem, momento em que Umberto faz seu projeto de texto usando o que pensou sobre o tema.

Nos dados analisados, notamos, então, que há atravessamentos temáticos dentro do grande objeto do dizer que é redação do Enem. Bakhtin (2003 [1979]) defende que há duas frentes que definem o que é um enunciado: o projeto discursivo e sua execução. Portanto, estendemos nossa análise do objeto discursivo para o projeto que coloca essas videoaulas online em circulação.

O projeto discursivo da videoaula online está relacionado ao objeto de dizer que, nesse corpus, gira em torno da redação do Enem. Entendemos que a finalidade discursiva das videoaulas aqui analisadas é ensinar como escrever o gênero discursivo redação do Enem, dando condições ao interlocutor para, a partir do tema, elaborar o próprio texto em uma situação comunicativa. O projeto discursivo é, então, pedagógico, em nível micro, ou seja, a materialidade discursiva específica da videoaula demonstra um projeto discursivo educativo, de letramento de certo gênero do discurso. Mas não podemos deixar de levar em conta o fato de que as videoaulas estão não só disponíveis no YouTube, como foram produzidas para ele. Em outras

palavras, o enunciador ao projetar o discurso – ou preparar a aula/conteúdo, escrevendo um roteiro, por exemplo – leva em consideração não só o interlocutor previsto – que é consumidor de conteúdo –, mas também o “lugar” em que esse enunciado circulará e o suporte.

Nesse ponto, percebemos que a finalidade discursiva a princípio educacional está atravessada por outras finalidades. Isso se deve ao fato de que, para a plataforma, o objetivo de cada vídeo é o mesmo: manter o usuário conectado por mais tempo. Para o algoritmo do YouTube a retenção é a finalidade discursiva. O YouTube é monetizado por meio de anúncios publicitários, isto é, a plataforma ganha dinheiro com propaganda. Ela abre espaço – e incentiva – inúmeros movimentos sociais, gera impacto e produz discursos na contemporaneidade. Como um espaço aberto, o

YouTube tem sido terreno fértil para múltiplas vozes ecoarem. Para produzir um vídeo

para o YouTube, não é preciso recursos profissionais, como equipamentos e equipe. Então, pessoas comuns, amadoras, passaram a produzir conteúdo sobre seus interesses, suas trajetórias e suas lutas, promovendo uma desarquierização do conhecimento, característica da modernidade tardia. Em última instância, o objetivo da plataforma é crescer como empresa.

Para o produtor de conteúdo, cada vídeo pode ter uma finalidade específica. Mas nenhuma finalidade discursiva de videoaula produzida para o YouTube está desconectada da finalidade da plataforma, que rege o algoritmo. E isso impacta a seleção de conteúdo, o formato do vídeo, a linguagem explorada, os recursos multimodais, etc. Quando o parâmetro de uma aula passa a ser a retenção, uma vez que o usuário pode fechar a janela a qualquer momento, o planejamento dessa aula segue uma lógica diferente da de uma aula tradicional.