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1 INTRODUÇÃO

2.1 A CONCEPÇÃO DIALÓGICA DE LINGUAGEM

2.1.5 A tríade dos gêneros

2.1.5.1 Tema

A concepção de tema – ou conteúdo temático – na perspectiva bakhtiniana é cara à noção de gênero por ser construída a partir das relações de interação que concedem ao enunciado um valor axiológico. Isso porque analisar o tema implica levar

em consideração seu contexto de circulação e a historicidade dos sujeitos envolvidos na interação. É importante ressaltar que o conteúdo temático não se retinge ao assunto, de forma superficial, pois abarca as atribuições de sentido construídas pelos sujeitos. Reduzir tema a assunto implica entendê-lo como aquilo sobre o que se fala. No entanto, o tema é um conteúdo ideologizado por meio do verbal e do extraverbal. (BAKHTIN, 2010).

Cabe aqui a distinção entre tema e significação em Bakhtin. A significação está relacionada aos elementos estáveis – e reiteráveis – do sistema linguístico, enquanto o tema apresenta caráter concreto e singular, em virtude de sua localização sócio histórica. Grillo explica que:

O tema incorpora o caráter ativo da compreensão de um enunciado, ou seja, o processo interpretativo do co-enunciador se dá na sua capacidade de dialogar com o enunciado, por meio da sua inserção em um novo universo pessoal. (GRILLO, 2006, p. 139)

Esse aspecto complexo do tema se deve ao fato de que ele se constitui em situações reais de interação, envolvendo, por consequência, aspectos sociais, culturais e históricos. Desse modo, a construção de sentido se dá de forma particular e contextualmente marcada, atribuindo ao enunciado determinado valor social. Bakhtin (2003) defende que o excedente de visão do sujeito delimita o sentido que esse sujeito atribui a determinado acontecimento. No que concerne ao tema – conteúdo ideologizado –, pode-se perceber seu caráter não reiterável, uma vez que, mesmo que o assunto seja o mesmo, a situação de comunicação vai influenciar o sentido atribuído bem como sua valoração. A palavra por si, em sua abstração como constructo linguístico, não apresenta um tema. Embora o tema esteja materializado no material linguístico, extrapola tal materialidade ao envolver aspectos extraverbais e resulta em diferentes formas de significar.

Nesse sentido, tomar o tema como objeto de análise implica tomar, também, a significação. Bakhtin (2010, p. 134) explicita que “além do tema, ou, mais exatamente, no interior dele, a enunciação é dotada de uma significação”. De forma interdependente, as noções de tema e significação estão interligadas, ambas construindo relações de sentido, seja por meio de sua materialização como signo linguístico e como fato social. A significação, nesse sentido, está atrelada ao que é dito concretamente e o tema à enunciação, se completando para a construção de

sentido. Bakhtin explica que, para compreender o que distingue tema e significação, é preciso que seja considerado o processo de compreensão de um enunciado. Desse modo, “qualquer tipo genuíno de compreensão ativa deve conter já o germe de uma resposta. Só a compreensão ativa nos permite apreender o tema” (BAKHTIN, 2010, p. 136).

Tal aspecto ressalta o caráter dialógico do tema, que é atravessado pelo tema de outros enunciados já ditos e direcionado a réplicas por parte do interlocutor. Faraco (2009, p. 59) afirma que, de acordo com a perspectiva bakhtiniana, “todo enunciado espera uma réplica e – mais – não pode esquivar-se à influência profunda da resposta antecipada”. Levando em consideração o dialogismo do enunciado, entende-se que o conteúdo temático é também dialógico e depende da noção de acento de valor. O tema, produto da enunciação viva, está atravessado, por consequência, pela apreciação; a significação, potencialidade de significar, ainda não foi permeada pelo acento apreciativo, mas quando isso acontecer, ela integrará o tema, possibilitando a construção de sentidos.

O Círculo de Bakhtin se debruça, além do tema da enunciação, sobre o tema do gênero. Bakhtin (2010) acredita que cada gênero apresenta uma tendência a certos conteúdos temáticos. Nesse sentido, os gêneros discursivos recorrentemente são mobilizados no tratamento dado aos conteúdos ideologizados, configurando um mesmo campo de significados – na maior parte das vezes – no que se refere ao tema. Nesse caso, a cada novo enunciado, além do tema da enunciação – que é irrepetível – um tema geral, conectado ao gênero discursivo, também é mobilizado. Esse tema geral possui um caráter mais estável, em virtude de sua tipificação, possivelmente gerada pelo fato de que o gênero, para ser configurado como tal, constrói historicamente uma forma relativamente estável, como postula o Círculo de Bakhtin.

Nas palavras do autor, “os gêneros correspondem a situações típicas da comunicação discursiva, a temas típicos, por conseguinte, a alguns contatos típicos dos significados das palavras com a realidade concreta em circunstâncias típicas” (BAKHTIN, 2003, p. 293). Outro aspecto que também interfere na construção dessa generalização temática é a esfera discursiva. Assim, um gênero direciona de alguma forma como os conteúdos temáticos tendem a ser recebidos e valorados. É preciso ressaltar que, como o próprio Bakhtin acentua, tal tipificação é uma construção social,

sendo, portanto, flexível. O que há, em suma, é um jogo de forças que calibra o sentido dos enunciados tanto pelo gênero discursivo, quanto pela enunciação concreta.

A construção de sentidos viabilizada pelo tema é um objeto interessante de ser analisado na videoaula. Por ser um gênero tradicionalmente situado na esfera educacional10, a construção dos sentidos se dá pelo aluno, que, ao interpretar o que

está sendo dito – verbal e extraverbalmente –, não só ressignifica seu universo, mas, antes disso, parte dele para atribuir valor ao que assiste. A valoração que parte do aluno é, portanto, parte do resultado que o tema tem ao ser materializado em uma prática real, como é o caso da videoaula “youtubiana”. Essa valoração é um aspecto levando em consideração nas condições de produção da videoaula, uma vez que o conteúdo da aula é planejado de forma a procurar prever a atribuição de sentido e de valor que o telespectador-aluno construirá.

Essa interpretação-valoração é materializada de forma muito mais explícita na internet, onde os sujeitos sentem-se mais confortáveis em escrever comentário com feedbacks, tanto positivos quanto negativos. A definição temática de uma videoaula “youtubiana” é tão ou mais planejada que a de uma aula presencial, pois o contexto cibercultural aponta para a construção do sentido todos-todos, como já explicitado. Além do planejamento, a edição da videoaula entra em cena para que o tema seja mais alinhado, ainda, à expectativa de resposta que o produtor de conteúdo tem. Outro fator que interfere na interpretação da videoaula “youtubiana” como gênero discursivo produzido na cibercultura, é o estilo, que será explorado na próxima seção.