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Conteúdos e estratégias

3.2 Caracterização do processo ensino-aprendizagem

3.2.3 Conteúdos e estratégias

Tal como descrito anteriormente, estes alunos têm características específicas e particulares que os distinguem dos alunos que frequentam os currículos de ensino normais. Este fator, aliado às condições físico-espaciais e materiais de trabalho levou a que a planificação das atividades para estes alunos fosse diferente do que está instituído e preconizado nas escolas. Assim, relativamente à disciplina de Educação Física lecionada ao PIEF A, iniciou-se o ano com uma avaliação das capacidades condicionais: força, resistência, velocidade e flexibilidade. A força foi avaliada no trem superior, através da execução do maior número possível de repetições de flexão/extensão de braços em posição de prancha e com apoio nos joelhos, e no trem inferior, através de um salto horizontal a pés juntos. Foi ainda avaliada a força média através da execução do maior número possível de repetições abdominais (o aluno parte da posição de deitado com os membros inferiores fletidos e tenta sentar-se usando a força abdominal). A resistência aeróbia foi avaliada através da corrida de uma milha no menor tempo possível, a velocidade foi avaliada de forma idêntica, mas num percurso de 40 metros, e a flexibilidade através do teste “senta e alcança”, em que o aluno sentado com os membros inferiores em extensão, tenta alcançar a maior distância possível com as mãos na direção dos pés.

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Quadro 3 – Registo da avaliação das capacidades condicionais.

No quadro 3 verificamos o progresso (azul), estagnação (amarelo) ou retrocesso (vermelho) das capacidades condicionais nos alunos do PIEF A. Os resultados observados no final do ano letivo são melhores, tendo-se observado tendências de melhoria em todas as capacidades condicionais avaliadas.

Relativamente às modalidades, definiram-se conteúdos idênticos aos propostos aos alunos do ensino regular (ver quadro 4), no entanto a execução técnica em exercício analítico foi posta de parte, e introduzida quase sempre em situação de jogo, reduzido e/ou condicionado, com forte presença da componente competitiva. Esta estratégia tentou ir de encontro às motivações e interesses dos alunos, sempre com pouca vontade de trabalhar fosse em que área fosse. A vontade de ganhar, por vezes aliada à vontade de se vingar de um ou outro colega devido a disputas trazidas da rua, que em nada têm a ver com a escola, promoveu a participação intensa em quase todos os momentos. Não foi fácil controlar a impetuosidade inicial dos alunos, que tentavam resolver desaguisados através de disputas nas aulas, e que por vezes resolviam fora das mesmas, conflitos nelas criados. Ainda assim, foram aprendendo a diferenciar e a jogar, e com mais ou menos reforço os conflitos foram sendo resolvidos através de disputas saudáveis nas atividades apresentadas. Aprenderam a saber perder, mas sobretudo a saber ganhar. Momento 1 2 3 1 2 3 1 2 3 1 2 3 1 2 3 1 2 3 Aluno 1 6 6 7 14 15 16 1,20 1,24 1,26 09:48 09:40 09:21 8''29 8''38 8''28 -2 0 0 Aluno 2 5 6 8 14 16 16 1,22 1,30 1,33 09:36 09:21 09:00 8''32 8''14 8''10 -4 -3 0 Aluno 3 7 9 13 14 17 18 1,30 1,43 1,39 09:36 09:33 09:25 8''48 8''88 8''42 -5 -4 -3 Aluno 4 8 6 8 15 19 20 1,32 1,38 1,49 09:27 09:17 08:59 7''89 7''77 7''88 -3 -3 -1 Aluno 5 7 8 9 16 16 19 1,20 1,33 1,39 09:00 08:46 08:40 8''23 8''17 8''09 -1 0 .+1 Aluno 6 11 14 16 22 27 33 1,35 1,43 1,46 09:19 09:05 08:48 7''32 7''52 7''33 .+1 .+3 .+4 Aluno 7 13 14 16 24 26 33 1,55 1,58 1,67 08:12 08:07 07:55 6''24 6''10 5''92 0 .+1 .+3 Aluno 8 11 11 15 23 24 25 1,55 1,60 1,70 09:27 09:21 09:05 7''90 7''82 7''65 .+3 .+3 .+5 Aluno 9 6 8 8 12 16 17 1,27 1,35 1,42 09:36 09:17 09:15 8''33 8''67 8''43 0 .+2 .+4 Aluno 10 7 9 11 13 18 19 1,23 1,30 1,33 09:36 09:33 09:25 8''29 8''27 8''17 -1 0 .+1 Aluno 11 5 6 6 12 11 12 1,00 1,12 1,20 09:48 09:30 09:21 8''78 8''38 8''30 -1 -1 0 Aluno 12 12 12 13 20 20 22 1,44 1,50 1,60 08:27 08:19 07:59 7''65 7''35 7''43 -1 -1 -1 Aluno 13 7 9 8 14 16 17 1,33 1,39 1,45 09:36 09:33 09:25 8''09 8''48 8''34 .+2 .+3 .+4 Aluno 14 5 6 9 12 12 13 1,31 1,39 1,49 09:36 09:33 09:25 9''10 9''01 8''79 -2 -2 0 Aluno 15 6 6 9 14 15 15 1,23 1,30 1,34 09:36 09:33 09:25 8''56 8''65 8''45 0 .+2 .+3

Força Resistência Aeróbia Velocidade Flexibilidade

Momento 1 - início do ano letivo; 2 - carnaval; 3 - final do ano letivo

Capacidad es Condici

onais

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Unidade Temática

Conteúdos

Jogos Pré-desportivos

Jogo da Rabia Jogo dos Passes Bola no Fundo Bola ao Poste Bola ao Capitão Jogo do Mata Futebol Humano

Andebol

Regras

Técnica (passe, receção e remate) Jogo reduzido e condicionado Jogo Formal

Voleibol

Regras

Técnica (passe, manchete e remate)

Jogo reduzido e condicionado Jogo Formal

Basquetebol

Regras

Técnica (passe de peito, picado e de ombro, receção, lançamento parado, em suspensão e na passada)

Jogo reduzido e condicionado Jogo Formal

Futebol

Regras

Técnica (passe, receção e remate) Jogo reduzido e condicionado Jogo Formal

Atletismo

Técnica de corrida Estafetas 110m barreiras 100m 400m 1000m Salto em altura Salto em comprimento

Ginástica

Rolamento engrupado à frente e atrás, e com pernas afastadas

Rolamento saltado Roda

Avião

Apoio facial invertido

Trampolim: salto em extensão, salto engrupado, salto carpa e salto com ½ pirueta)

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Natação

Adaptação ao meio aquático Iniciação ao estilo costas Iniciação ao estilo crol

Badmington

Regras Técnica Jogo 1x1 Jogo 2x2

Patinagem

Deslize em “V” Travagem em “T”

Curvar com pés paralelos e com passo cruzado

Figuras: quatro e avião

Orientação

Regras

Leitura do mapa e legendas A pé e de bicicleta

Prova clássica com percurso formal e percurso norueguês

BTT

Equilíbrio Agilidade

Percursos rápidos e sinuosos

Ping-Pong

Regras Técnica Jogo 1x1 Jogo 2x2

Ténis

Regras Técnica Jogo 1x1 Jogo 2x2

Capacidades Condicionais

Resistência Velocidade Força Flexibilidade

Quadro 4 – Conteúdos da disciplina de Educação Física – PIEF A.

Para além da vantagem evidente de usufruírem de um espaço só para si, tiveram acesso também, sempre indo de encontro às suas pretensões, e incluído num sistema interno de recompensas (criado pelo grupo docente, em que, mediante o comportamento, semanalmente os alunos recebiam ou não créditos que poderiam posteriormente trocar pela participação em atividades - ex. cinema, teatro, almoço no centro comercial, etc.), à prática de atividades muito diversas.

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Quadro 5 – Registo dos créditos obtidos pelos alunos às diferentes disciplinas

(exemplificativo).

Embora por vezes a logística não fosse fácil e os custos elevados, foi possível integrar no currículo da disciplina de Educação Física as seguintes atividades:

Jogos pré-desportivos, Andebol, Voleibol, Basquetebol, Futebol, Atletismo, Ginástica, Natação, Badmington, Patinagem, Orientação, BTT, Ténis de mesa, Ténis.

Salienta-se o facto de o planeamento ter sofrido constantes ajustes em função das motivações dos alunos.

Planeamento Anual – PIEF A

Modalidade

Aulas Previstas

(x90min)

1.º Período

Capacidades Condicionais Jogos Pré Desportivos Andebol Basquetebol Atletismo Ginástica Natação Patinagem 2 4 3 3 3 2 2 2

Total

21

Créditos (0; 1 ou 2)Disciplina ADisciplina BDisciplina CDisciplina DDisciplina EDisciplina FDisciplina GDisciplina HTotal SemanalTotal Acumulado

Aluno 1 Aluno 2 Aluno 3 Aluno 4 Aluno 5 Aluno 6 1 2 1 0 2 1 1 1 9 14 Aluno 7 Aluno 8 Aluno 9 Aluno 10 Aluno 11 Aluno 12 Aluno 13 Aluno 14 Aluno 15

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2.º Período

Capacidades Condicionais Andebol Voleibol Basquetebol Futebol Atletismo Ginástica Natação Badmington Patinagem Orientação BTT Ping Pong 1 1 3 1 3 2 2 2 2 1 2 2 2

Total

24

3.º Período

Capacidades Condicionais Voleibol Futebol Atletismo Ginástica Natação Patinagem Orientação BTT Ping Pong Ténis 1 1 1 2 2 2 2 3 3 1 3

Total

21

Quadro 6 – Planeamento anual da disciplina de Educação Física do PIEF A.

Facilmente se adivinha pelo elevado número de atividades exploradas, que a prioridade não foi o aprofundamento das caraterísticas técnico-táticas das modalidades em si, mas antes uma exploração um pouco mais superficial, experimentação e abordagem do maior número de atividades possível (maior diversidade possível). Assim, os alunos puderam experimentar as vantagens, desvantagens, dificuldades e destrezas, exigidas nas mais diversas modalidades desportivas, podendo optar, com algum conhecimento, pela prática daquela(s) que vai mais de encontro às suas motivações.

O planeamento foi pensado de forma a surpreender os alunos com uma modalidade diferente de aula para aula, procurando assim que se mantivessem motivados e

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expectantes. Nos jogos desportivos coletivos tentou-se sempre na primeira aula introduzir os gestos técnicos mais importantes. De forma integrada e competitiva, propôs-se aos alunos uma panóplia de exercícios em que houvesse um vencedor e um vencido, em que pudessem mostrar claramente o que sabem fazer e se são ou não melhores que os seus pares (ver anexo I – exemplo de plano aula de andebol). Nas aulas seguintes foram sendo criados jogos reduzidos e adaptados, aumentando gradualmente a dificuldade até chegar ao jogo formal. As regras foram sendo introduzidas ao longo da unidade.

Nos jogos desportivos individuais, a estratégia foi idêntica, sendo que não tendo o aluno o apoio de uma equipa, a dificuldade em lidar com o insucesso foi maior. Assim, tentou-se proporcionar aos alunos momentos em que sentissem prazer ao realizar as atividades, mesmo tendo pouco sucesso quando se trata de vencer (jogar sem contagem de pontos no ténis, por exemplo). Outra estratégia que resultou em pleno foi criar algum tipo de ligação afetiva do aluno com a modalidade (no atletismo realçar atletas da sua terra com elevado sucesso, ou no BTT proporcionar-lhes um momento em que puderam consertar/tratar da mecânica das suas próprias bicicletas, ou ainda na orientação usar as bicicletas - ver anexo II – exemplo de plano de aula de orientação/BTT).

A avaliação sumativa recai, em cada período, sobre três grandes domínios e a classificação final é atribuída em função do valor resultante obtido, calculado a partir de médias ponderadas, de acordo com as percentagens definidas para os mesmos. Foi dada primazia ao domínio socio-afetivo, em que a assiduidade, a pontualidade assumem um peso menor, comparativamente com a participação e empenho nas atividades, assim como o comportamento (autodisciplina; respeito pelos outros, respeito pelas regras de funcionamento das aulas e pelos materiais e equipamentos). O domínio psicomotor surge em seguida numa escala de preponderância e por fim o domínio cognitivo (ver quadro 6).

Quadro 7 – Grelha de registo da avaliação sumativa. Cap.

Cond. JPD And. Basq. Atlet. Gin. Nat. Pat. Comportamento Participação

Assiduidade/ Pontualidade Cooperação 1 Aluno 1 2 Aluno 2 3 Aluno 3 4 Aluno 4 5 Aluno 5 6 Aluno 6 7 Aluno 7 8 Aluno 8 9 Aluno 9 10 Aluno 10 11 Aluno 11 12 Aluno 12 13 Aluno 13 14 Aluno 14 15 Aluno 15 Avaliação final Resultado final Conhecimento teórico N.º Nome Domínio Cognitivo (15%) Domínio Psicomotor (25%) Domínio Socio-Afectivo (60%)

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Quanto à disciplina de Expressões lecionada ao PIEF B, a planificação foi feita maioritariamente de forma a ir de encontro às motivações dos alunos. Assim, dividimos o ano letivo em seis partes (cada período em duas), e planeamos para cada uma destas em conjunto com os alunos, sendo depois essa planificação retificada pelos docentes da disciplina. Partíamos em conjunto com os alunos para a escolha de um tema. Ouvíamos os alunos relativamente ao que seria exequível dentro de cada área de expressão. Debatíamos as diferentes ideias e ficava o registo. Mais tarde em conjunto com a colega (lecionava em par pedagógico), definíamos em concreto que atividades iríamos propor aos alunos. Tentámos sempre abranger as diversas áreas de expressão – expressão físico-motora, expressão musical, expressão plástica e expressão dramática.

Pode-se usar como exemplo atividades de dança relativamente à expressão físico- motora, de recolha de músicas e o uso da guitarra associadas à expressão musical, a decoração/ilustração de um palco de atuações ligada à expressão plástica e a preparação de um teatro musical cujas personagens eram os alunos quanto à expressão dramática, para se perceber quais as nossas prioridades quando planeávamos. A articulação entre as diversas áreas de expressão foi sempre uma prioridade, até porque, tendo os alunos diferentes motivações, criávamos sempre um clima de envolvimento e ocupação de todos, que nos facilitava imenso a gestão do comportamento da turma e dos conflitos constantes. Cumprir o currículo nunca foi uma preocupação, antes permitir aos alunos o desenvolvimento de competências associadas ao trabalho proposto. Um problema associado ao trabalho foi quase sempre a requisição de material. Este facto nunca conseguimos controlar, uma vez que as requisições tinham de ser feitas com muita antecedência, quando por vezes ainda não tínhamos sequer pensado a planificação. Foi uma luta diária, por vezes com custos associados.

Ainda no Pief B, relativamente às TIC, apesar de lecionada a solo, esta nunca foi uma disciplina em que os alunos mostrassem pouca motivação. O simples facto de terem acesso a um computador e à internet só por si já deixava os alunos ansiosos. O problema aqui teve outra origem – a falta de material. Havia apenas 5 computadores portáteis, requisitados semanalmente, para trabalhar com cerca de 15 alunos (em grupos de 2 ou 3 por computador). Aqui a estratégia adotada foi a de elaboração de trabalhos de grupo, sempre com a recompensa de utilização livre de internet de 15 minutos no final da aula. Apenas quem apresentasse trabalho/produção era autorizado a “navegar”. O trabalho proposto esteve sempre ligado à utilização das ferramentas básicas de um

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computador, com elaboração e apresentação de trabalhos, edição de fotos, vídeos e músicas, pesquisas, etc. Trabalhamos ainda nesta disciplina a preparação de trabalhos para a área de expressões, como a aprendizagem de técnicas manuais, a recolha de música ou até estratégias para superar dificuldades com que se iam deparando na execução dos trabalhos. Foi proposto não poucas vezes alguma pesquisa orientada, sobre temas que garantidamente despertassem o interesse dos alunos. Exemplo disso são pesquisas de factos históricos: a história da sua etnia, os grandes protagonistas de alguns desportos, a vida de atores/atrizes famosos, entre outros.

CAPÍTULO IV

ANÁLISE/REFLEXÃO

SOBRE A

ATIVIDADE PROFISSIONAL

RELATADA

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Capítulo 4 – Análise/Reflexão sobre a Atividade

Profissional relatada

Os cursos PIEF são uma realidade pouco conhecida, mesmo entre alguns dos intervenientes mais diretos no processo educacional público nacional (sejam professores, psicólogos, auxiliares de educação, encarregados de educação ou alunos). Esta é uma realidade constatada no terreno. O trabalho realizado nos PIEF não é fácil, por isso acresce nestes projetos o desafio de ser professor, de coordenar e envolver todos neste processo.

Facilmente se compreende, que a privação em que os agregados familiares destes alunos vivem facilmente suscita tensões e ruturas familiares, levando a situações de exclusão social por comportamentos autodestrutivos como o alcoolismo, a toxicodependência e a prostituição. Aqui se realça a importância da família. De acordo com Leandro, M.; Cerqueira A.; Nóbrega S. (2000), com o crescimento, as crianças

vão-se tornando seres sociais cujo corpo e pensamento são formados por um conjunto de sistemas de valores, práticas, e hábitos que lhe vão sendo transmitidos prioritariamente pela família.

Deste modo, trabalhar no sentido da inclusão social pressupõe conceber e materializar ações de intervenção a várias frentes, estabelecendo parcerias com os setores públicos, particulares e privados, trabalhando em domínios distintos mas complementares. Dada a abrangência do projeto, desde o início, os valores, o saber estar, o responsabilizar, foram uma preocupação constante e senão o primordial objetivo definido, seguramente um dos mais importantes.

Os percursos realizados ao longo da vida são também de extrema importância para perceber o modo como as pessoas vivem, as suas aspirações, representações e expetativas quanto ao futuro, e quanto ao modo como engendram processos de construção e reconstrução das suas identidades (Gonçalves H.,1994). A nível pessoal, o percurso de vida destes alunos era desestruturado, com comportamentos muito agressivos e baixa auto-estima, provavelmente carente de afetos. Daí que a estratégia tenha passado por cativá-los, mostrando-lhes que naquele curso teriam, mais que professores, amigos com os quais poderiam contar e que se preocupavam com o seu bem estar.

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De uma forma geral, a literatura mostra uma relação direta entre comportamentos problemáticos e dificuldades de aprendizagem (Bandeira,M.; Rocha S.; Souza, T.; Dell Prette, Z.; Dell Prette, A., 2006). No entanto, há duas vertentes claras na origem desta conclusão. Se por um lado, a ocorrência de comportamentos problemáticos pode levar a criança a apresentar problemas de aprendizagem, devido a dificuldades na memória, na atenção e no humor, por outro há a criança que apresenta dificuldades de aprendizagem que contribuem para a ocorrência posterior de problemas de comportamento. Basicamente, no contexto desta experiência, estas vertentes foram notórias. Aos alunos com dificuldades de aprendizagem, juntavam-se os alunos com problemas comportamentais. A gestão deste conflito na sala de aula exigiu muita paciência, e inteligência na abordagem a situações de todo impróprias num contexto social adequado. Se por vezes o castigo foi o método mais eficaz, noutras a evasão e a pouca importância dada a determinado comportamento foi a solução para a extinção do mesmo. Sobretudo, quando esse comportamento visava a provocação direta. Se é certo que a participação dos alunos sempre foi reconhecidamente positiva, não é menos certo que por vezes esta forma de trabalhar promoveu alguns conflitos exagerados.

Durante os primeiros anos de vida, a criança vivencia um conjunto de experiências no seu ambiente que podem favorecer comportamentos pró ou anti sociais. Nada de novo, se considerarmos que a produção de identidades não se constitui, efetivamente como um processo uniforme, mas depende de aspetos sociais e culturais como as referências culturais dos indivíduos, os seus percursos realizados ao longo da vida, as suas situações sociais concretas num dado momento particular e os objetivos ou estratégias que vão desenvolvendo (Gonçalves H.,1994). Daí advém também a exigência da lecionação a população com estas características. É impossível planear a longo prazo uma vez que desconhecendo a origem e o passado de cada um, o rigor e a adequação estarão longe do objetivo pretendido. O processo ensino/aprendizagem concebido foi alvo de muitos reveses, mas facilmente se percebeu que o caminho se faria caminhando, aprendendo tanto ou mais que os alunos.

As dificuldades interpessoais da primeira infância podem repercutir-se na infância média acentuando a probabilidade de ocorrência de problemas comportamentais (Patterson, G. R.; DeBaryshe, B. D.; Ransey, E., 1989), o que, por sua vez, pode levar à rejeição pelo grupo de pares e até mesmo pelos pais e professores, assim como ao fracasso escolar e à depressão. Essas crianças, ao alcançarem a adolescência, têm maior probabilidade de se envolverem com grupos desviantes e, consequentemente ingressar

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num mundo de criminalidade. Praticamente todos estes alunos, de uma forma ou de outra, conheciam já um mundo diferente do que nós, professores, conhecíamos. Daí que a nossa aprendizagem com eles tivesse que ser efetiva e rápida, no sentido de se elaborarem estratégias de intervenção com a brevidade necessária. E o necessário, em alguns casos, era que se afastassem do grupo de amigos, que percebessem e procurassem a ajuda necessária. E neste aspetos, nós, equipa PIEF fomos essa ajuda.

A isto junta-se ainda um deficit familiar que já está enraizado. É a família quem primeiramente socializa os indivíduos para a relação com o outro (Leandro, M. et al, 2000). O meio familiar e social onde se nasce e cresce constitui um significante que prepara as pessoas para a compreensão da realidade em que vivem emergidas com os outros. Outros estudos constataram que o estilo autoritário materno era transmitido de forma intergeracional e estava relacionado com a ocorrência de comportamentos problemáticos(Oliveira, E. A.; Marin, A. H.; Pires, F. B.; Frizzo, G. B.; Ravanello, T.; Rossato, C., 2002), e que as crianças que apresentavam comportamentos problemáticos possuíam maiores índices de dificuldades nas relações parentais (Ferreira, M. C. T., Marturano, E. M., 2002). Na grande maioria, os comportamentos destas crianças foram aprendidos em meio familiar. Daí que a intervenção da equipa PIEF se centrasse muito no aspeto família, e da sua envolvência com a escola, através de encontros convívios propostos com alguma regularidade, não só com o objetivo da participação dos pais na vida escolar dos seus educandos, mas também procurando perceber que tipo de relação existia em meio familiar.

Tendo em conta estes aspetos, o grupo docente, em conivência com a direção do agrupamento de escolas, reunia semanalmente a fim de preparar a abordagem imediata, definindo semanalmente o rumo a seguir. Em termos de logística, por vezes não era fácil, tendo em conta a requisição de materiais ou preparação de atividades em tão curto espaço de tempo.

Aspeto negativo que se realça de imediato e salienta como passível de melhoria é o facto de um curso de caráter marcadamente integrativo ser proporcionado longe da escola sede, longe do contato com outros alunos, longe…

Em última análise, julgo poder constatar-se que apesar de todas as diferenças na estrutura curricular, nas condições logísticas e materiais proporcionadas, ou no estatuto socioeconómico do aluno, a diferença é inquestionavelmente feita pelas motivações e preparação dos professores na forma como assumem o desafio PIEF. A sua sensibilidade, perceção e capacidade de intervenção assertiva fazem toda a diferença

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quando falamos de evolução na aquisição de competências pelos alunos. Um professor do PIEF não pode ser apenas aquele que transmite conteúdos, tem de ser um amigo, tem que levar o aluno a acreditar que é um amigo, ganhar a sua confiança, predispô-lo a aprender. Enaltecer os seus sucessos revelou-se estratégia fundamental, mas incutir-lhes a possibilidade de um sucesso posterior, foi o verdadeiro desafio, mesmo antecedido de um contratempo. Fica a dica: a escolha dos melhores é importante, mas para isso o processo de seleção tem que evoluir.

Este tipo de alunos, embora questionando sempre o domínio dos conteúdos pelo professor, valoriza muito mais a afetividade, precisamente pelo deficit causado pelas relações humanas em ambiente familiar. Não é o currículo, a escola, os pais ou os professores que trazem estes alunos à escola. O ambiente criado é o fundamental, e por consequência a confiança construída nas relações aí estabelecidas.

Julgo que a disciplina de Educação Física se revelou fundamental para o crescimento destes alunos, quer em termos de conteúdo programático, quer em termos comportamentais e relacionais, quer em termos de higiene, pois sentimos, não poucas vezes, que a sua higiene pessoal passava pelo banho do final desta aula, tendo sido

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