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contemplar os castigos e os tormentos pelos quais são torturados os filhos dos homens Foi arrebatado no corpo? Fora do corpo? Em todo caso Deus sabe que ele fo

No documento Padres Do Deserto (páginas 175-187)

arrebatado.

OROSTO DE SATÃ

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os personagens até então diferentes de Satã, de Lúcifer, da Serpente e do Dragão. O Diabo "nasceu" durante os primeiros séculos do cristianismo, é quase contemporâneo dos primeiros anacoretas do deserto. É o que torna preciosos seus testemunhos a respeito dele — e o que explica também que sua visão tenha finalmente prevalecido até os dias de hoje.

Diabo complexo, evidentemente, possuidor de personalidades e de funções múltiplas, já que é um aglomerado de concepções hebraicas (Satã, Lúcifer, a Serpente tentadora), elas próprias tributárias da mitologia

babilônica, de concepções gregas

(daimon

e

diabolos)

e egípcias (os

n'ta\

espíritos maus, fantasmas, aparições que nada mais são que as antigas divindades pagas do Egito). É bem assim que ele aparece na literatura do

deserto, é bem assim que ele vem tentar o asceta: como um

daimon,

um

espírito habitante das zonas inferiores do ar, em torno da terra, como um

satan,

um Adversário em que se acham reunidas todas as forças de oposição ao poder de Deus, como um n'ter, enfim, um fantasma aterrorizador e carrasco. Demônio, adversário e fantasma, essa multiplicidade de naturezas explica a multiplicidade das funções do Diabo: ser sedutor e tentador, representando todo o atrativo do mundo e da beleza profanos, mas também ser monstruoso — que assusta e ataca o monge —, um Diabo espantalho que repugna e repele. Todas as tentações e as lutas dos Padres do deserto oscilarão sem cessar entre essas duas representações do poder diabólico, entre o horror e a beleza.

Nesse último caso, o Sedutor e Tentador se apresenta evidentemente sob formas humanas e mesmo sobre-humanas: como uma mulher de uma beleza maravilhosa ou como um anjo de luz. No primeiro, ao contrário, ele aparece sob formas eminentemente inumanas e mesmo sub-humanas: como um bicho (serpente, lobo, dragão) ou como uma criatura híbrida e monstruosa. Anjo ou Bicho, qual o verdadeiro rosto de Satã?

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É muito difícil, nos dias de hoje, imaginar a força e a sinceridade com que os anacoretas do Egito acreditavam no Diabo e nos demô-

OROSTO DE SATÃ

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mas cujo corpo fantástico só se compunha de ar, evaporou-se entre suas mãos

lançando urros apavorantes; e, como o infeliz o perseguisse de maneira vergonhosa,

ele o deixou cheio de confusão e acrescentou àquilo uma zombaria cruei E uma

grande multidão de demônios se reuniu para assistir àquele espetáculo, lançando

grandes gritos e explodindo de rir.

Mas ocorre de as tentações serem menos espetaculares. O Sedutor não se torna sempre visível e freqüentemente não passa de uma voz, uma impressão, um pensamento mesmo, lancinante, insidioso, que nos atrai para o mundo e nos faz duvidar de nós mesmos. Assim, durante as longas horas passadas na solidão, há momentos de brusca lassidão durante os quais a angústia e o desgosto se apoderam do asceta. Esse torpor surge de preferência perto do meio-dia, quando o deserto irradia um calor insuportável, quando o próprio tempo parece interminável e a vida parece de repente privada de sentido. Esse

sentimento, os Padres do deserto o conheciam bem e chamavam-no

acedia

ou

acídia, do

grego

akedía:

indiferença, desgosto, apatia do coração e da alma. "É sobretudo perto do meio do dia que ele atormenta o monge", escreve Cassiano

nas suas

Instituições dos monges do Egito,

"tal como uma febre regular cujos

acessos retornam periodicamente. Por isso muitos anciãos chamaram-no o demônio do meio-dia." O anacoreta começa a "sentir horror do lugar onde vive, nojo de sua cela, desprezo de seus irmãos. Sente-se incapaz de voltar para casa, de trabalhar, de orar". Depois, à medida que as horas passam, "quando o meio do dia se aproxima, o cansaço e a fome tornam-se mais pesados. O anacoreta se sente tão esgotado quanto após um longo percurso no deserto ou um jejum de vários dias. Não pára de olhar para o horizonte, de espreitar algum visitante. Sai, entra, ergue os olhos a todo momento para o céu, para o sol cujo trajeto lhe parece interminável!"

A acedia é um mal da solidão, um mal da vida ascética do deserto, um mal do ser — renunciando ao combate, à busca do homem novo. Mas até onde pode ir esse mal? Se tem sua origem nas raízes do ser, nas zonas mais profundas do psiquismo, ele então se confunde com o asceta ou ao menos com

sua parte interna, tenebrosa3. Assim,

3Parte "tenebrosa" que explica que o demônio apareça tào freqüentemente com os traços de um "homenzinho negro", de um "pequeno etíope horroroso" saindo da cabeça ou do corpo do asceta. Os etíopes — porque negros — foram freqüentemente considerados os receptãculos do demônio. 213

A CARNE DOS ANJOS

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eles vêm diante do defunto, na proporção de seus méritos. Para alguns defuntos, os

santos vão à frente deles até a Porta da vida e os abraçam. Para outros, eles vão à sua

frente numa distância proporcional a seus méritos. Para outros ainda, eles se

deixam aproximar antes de se levantar e de abraçá-los. Outros, enfim, não merecem

de modo algum ver os santos se levantarem por eles e abraçá-los.

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Mas o paraíso pode às vezes descer à terra. A vida que levam os anacoretas no deserto já é uma antecipação da vida celeste, e é natural que essa antecipação se manifeste por alguns sinais. Nesse mundo, onde as ilusões são constantes, onde o próprio demônio assume o aspecto de um anjo para melhor enganar os solitários, compreende-se a importância de sinais precisos e seguros que indicam ao asceta que ele está no caminho certo. Pois existe uma espécie de "tentação pelos anjos" tal como existe uma tentação pelos demônios. Inúmeros são os textos que mencionam os dissabores desse ou daquele anacoreta culpado de ter acreditado cedo demais que

havia atingido a

hesychia,

de ter se considerado, prematuramente, como um anjo:

Um dia o

apa

João disse a seu irmão mais velho que gostaria de ser como os anjos,

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