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A adesão de Portugal à CEE faz-se em 1986, coincidindo com um período de crise progres- siva do modelo da PAC então vigente, crise essa que, como vimos, haveria de culminar com a reforma de 1992.

O processo de negociação do “dossier agricultura”, que durava desde 1980, foi progressiva- mente construindo o conceito de “especificidade” da agricultura portuguesa, assente no atraso da agricultura portuguesa, que tornaria Portugal, proporcionalmente ao Produto e à população, no maior contribuinte líquido da Comunidade (Varela, 2007).

Varela (2007), ilustra esta “especificidade” com base em alguns exemplos, que transcreve- mos:

• à semelhança de Portugal, também a Irlanda, a Dinamarca, a Bélgica e a Holanda eram pequenos países; no entanto a PAC, ao sub-apoiar os produtos mediterrâni- cos (vinho, azeite, horto-frutícolas, etc.) relativamente às produções típicas da zona Norte da Europa (cereais, carne de bovino, leite, etc.), fortemente apoiadas pelo FEOGA-Garantia, beneficiava a Irlanda (leite e carne de bovino), a Dinamarca (cere- ais, carne de bovino e leite), a Bélgica (cereais) e a Holanda (leite e carne de bovino), em detrimento da agricultura portuguesa “cujas principais vocações (se exceptuar- mos o leite) estavam na sua vertente mediterrânica”;

• a Grécia, tal como Portugal, era um pequeno país com acentuada predominância do clima mediterrânico; no entanto, a PAC apoiava substancialmente a Grécia nos sectores do algodão, tabaco, açúcar e oleaginosas, ao passo que em Portugal, como consequência do proteccionismo colonial, estas produções não apresentavam ex- pressão significativa;

• as importações portuguesas de bens alimentares eram dominadas pelos cereais, cultura para a qual, no caso do sequeiro, o país não tinha aptidão; como tal, Por- tugal dependia fortemente do abastecimento no mercado mundial, cuja cotação, à data, rondava os 20,000 escudos/t, ao passo que a cotação no mercado comunitário rondava os 30,000 escudos/t; assim, em virtude do princípio da preferência comuni- tária, Portugal tornar-se-ia num pagador ao FEOGA, o que não acontecia na Irlanda, na Dinamarca, na Bélgica, na Holanda nem na Grécia.

Este conceito de “especificidade” da agricultura portuguesa serviu, nesta fase, para refor- çar a posição negocial de Portugal no sentido de conseguir uma “compensação financeira” que permitisse (Varela, 2007):

• neutralizar a contribuição líquida para o FEOGA;

• relançar a agricultura portuguesa nas produções para as quais o território apresen- tava aptidão natural, “região por região, produto por produto”.

Com o avanço das negociações, foi ganhando corpo a possibilidade de ser consagrado um período de transição também “específico” para Portugal, não só pela já referida “especifi- cidade” da agricultura portuguesa, mas também por um conjunto de incompatibilidades institucionais com as regras comunitárias, ao nível do funcionamento dos mercados, uma vez que, em Portugal, predominavam as situações em que os preços ao produtor de uma parte significativa dos produtos agrícolas considerados essenciais (cereais, leite, algumas carnes e oleaginosas), eram decididos, centralmente, pelo Estado, independentemente das condições de mercado, sendo, desta forma, justificados — e financiados — por razões socioeconómicas e políticas (Varela, 2007).

A estas incompatibilidades, juntava-se a insuficiência infra-estrutural do sector agrícola, nomeadamente ao nível da rede de abate, dos silos e instalações de secagem de cereais, das instalações para calibragem e conservação de fruta, dos mercados de produção e dos mercados abastecedores, das bolsas de cotação de produtos agrícolas, entre outros. Acres- cia ainda que, por exemplo no caso da rede de silos, as infra-estruturas existentes estavam associadas a um modelo de “comércio de Estado”, em condições monopolísticas, por in- termédio de uma empresa pública5(Varela, 2007).

A consagração desse período de transição específico, aparece no final de 1983 e consistiu

numa transição diferenciada, consoante os produtos fossem, ou não, considerados sensí- veis (Varela, 2007), donde resultaram dois tipos de transição:

• uma transição “clássica”, baseada numa harmonização dos preços durante um pe- ríodo de sete anos, aplicável aos produtos cuja situação, quer ao nível dos mercados, quer ao nível das infra-estruturas, não apresentasse problemas e permitisse a aplica- ção do acervo comunitário desde a data da adesão (Avillez et al., 2004; Varela, 2007); este tipo de transição foi adoptada para o açúcar, carne de ovino e caprino6, tabaco, lúpulo, sementes, linho, cânhamo, algodão, proteaginosas, forragens, floricultura, apicultura, matérias gordas vegetais, entre outros (Varela, 2007);

• uma transição “por etapas”, baseada numa harmonização de políticas durante dez anos, divididos em duas etapas de cinco anos cada, aplicável aos produtos cujos pre- ços domésticos eram mais elevados que os comunitários e em relação aos quais era indispensável a introdução de alterações significativas nas instituições e nas práti- cas relativas à gestão dos respectivos mercados, assim como, dadas as insuficiências infra-estruturais, se justificava a necessidade de um período prévio, no qual vigora- riam as regras do mercado nacional, prévias à adesão; este tipo de transição aplicou- se aos cereais e arroz, ao leite e lacticínios, à carne de bovino, à carne de porco, às aves e ovos7, aos frutos e hortícolas frescos e ao vinho (Varela, 2007).

A regra geral da transição clássica era a de uma aproximação progressiva dos níveis de pre- ços, das ajudas e dos direitos, ao nível do correspondente comunitário. Paralelamente se- riam desmantelados totalmente os direitos aduaneiros nas trocas intracomunitárias. No entanto, e uma vez que a maior parte dos preços domésticos dos produtos da transição clássica era superior aos preços comuns e dada a lentidão da tendência crescente des- tes, a aplicação da regra poderia conduzir a perdas importantes ao nível do rendimento dos agricultores portugueses, pelo que a Comunidade propôs o “congelamento” dos pre- ços portugueses no momento da adesão, sendo a aproximação conseguida pelo lento au- mento dos preços comunitários (Varela, 2007), pelo que é lícito concluir que “os preços nacionais foram harmonizados em alta” (Avillez et al., 2004).

6O sector da carne de ovino e caprino foi inicialmente afecto à transição por etapas, tendo sido posteri-

ormente transferido para a transição clássica, com vista ao aproveitamento imediato da ajuda à produção que esta OCM continha (Varela, 2007).

7O sector das aves e ovos foi, de forma inversa ao referido para a carne de ovino e caprino, inicialmente

afecto à transição clássica, tendo sido transferido para a transição por etapas, em coerência com os cereais — a base da sua alimentação — e também em virtude de uma necessidade de “reforçar a protecção da estrutura produtiva” (Varela, 2007).

Na transição por etapas, a primeira etapa seria reservada à preparação e melhoria estrutu- ral do mercado português, que continuaria a ser regido, em alguns aspectos, pelas regras nacionais pré-adesão, ainda que incompatíveis com o direito comunitário, no que ficou conhecido por “regime nacional anterior à adesão”. Somente na segunda etapa, os merca- dos em questão seriam sujeitos aos “mecanismos gerais de transição” e aos alinhamentos progressivos com as regras e preços comunitários (Varela, 2007).

No que respeita aos cereais, a evolução relativamente autónoma dos preços durante a pri- meira etapa da adesão, associada ao acentuado diferencial entre os preços domésticos e comunitários8 levou a que, à semelhança do procedimento adoptado para os produtos da transição clássica, fosse “congelado” o preço português, até que fosse alcançado pelo preço comunitário, garantindo-se assim o nível de rendimento dos cerealicultores portu- gueses (Varela, 2007).

Esta solução assumia, no entanto, um crescimento continuado dos preços comuns, facto que não se verificou completamente, tendo os preços comunitários estabilizado num ní- vel inferior ao dos preços domésticos portugueses (Varela, 2007). Assim, o diferencial de preços, no final da primeira etapa de adesão era ainda bastante acentuado, o que im- punha a introdução de alterações durante o período transitório previsto para a segunda etapa (Avillez et al., 2004).

A principal alteração introduzida foi a harmonização completa dos preços dos cereais com os preços comunitários, a partir de 1 de Janeiro de 1991 (Avillez et al., 2004), instituída pelo Regulamento (CEE) n.º 3653/90 do Conselho, o qual instituía simultaneamente uma ajuda temporária e degressiva, cujo montante inicial era estabelecido em função do rendimento garantido aos produtores portugueses no final da primeira etapa do período de transição. Esta ajuda, que ficou conhecida como ajuda co-financiada, em virtude de ser financiada conjuntamente pelo FEOGA - Garantia (65%) e pelo Estado português (35%), era atribuída em função das quantidades de cereais produzidas e colocadas no mercado e destinava-se a compensar as eventuais quebras de rendimento dos cerealicultores, decorrentes da har- monização antecipada dos preços, face ao já referido rendimento garantido aos produto- res portugueses.

8Apenas com carácter ilustrativo, para o trigo mole, o preço garantido aos produtores portugueses era de