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CAPÍTULO I – O CENÁRIO HISTÓRICO

1.4 Contexto de Lutas – suas origens – Guerra do Contestado

A Guerra do Contestado é parte integrante do cenário histórico que estamos tratando. Esta Guerra foi um conflito armado ocorrido entre os anos de 1912 e 1916 na região sul do Brasil, especificamente em um território disputado pelos Estados de Santa Catarina e Paraná. O estopim da revolta foi a reunião de dezenas de pessoas em torno de um “monge” chamado José Maria, em agosto de 1912.

Expulsos por tropas de Santa Catarina e combatidos pela polícia paranaense (na localidade do Irani, em um conflito onde morreu o próprio José Maria), os “caboclos” (como eram chamados os trabalhadores rurais da região – normalmente mestiços) deram continuidade a sua “guerra santa” formando novos redutos a partir de novembro de 1913.

Surgiram acampamentos formados por gente das mais diversas origens: pequenos agricultores expropriados, aqueles que foram expulsos de suas propriedades, onde

estavam estabelecidos, mas que, devido à Estrada de Ferro, perderam direito à terra; posseiros expulsos por fazendeiros, fazendeiros envoltos em disputas pelo poder na região, bandidos a procura de refúgio, crentes em busca de palavras santas. Os combates entre esses “fanáticos” e as tropas oficiais perpassaram os três anos seguintes, chegando a envolver o mais moderno equipamento bélico e mais de 7.000 soldados no auge da guerra.

Vários autores33 destacam que esta guerra não pode ser entendida sem levarmos em consideração as transformações econômicas, políticas e sociais ocorridas na região a partir de finais do século XIX. Tal conjuntura foi marcada, sobretudo, pela construção da Estrada de Ferrovia São Paulo – Rio Grande a EFSPRG, pela instalação de enormes serrarias, além da implantação de colônias para imigrantes estrangeiros, empreendimentos estes ligados ao Sindicato Farqhuar, administrado por Percival Farquhar.

Percival Farquhar (1864 - 1953). Nascido de família rica “Quakers” na Pensilvânia – EUA, de tradição protestante, completou seus estudos na Universidade de Yale, um dos centros estudantis da elite, formando-se em Engenharia. Foi vice-presidente da

Atlantic Coast Eletric Railway Co., e da Staten Island Electric Railway Co. empresas que

controlavam os serviços de bondes em Nova Yorque. Foi também, sócio e diretor da Companhia de Eletricidade de Cuba sócio e vice-presidente da Guatemala Railway. Farquhar foi um homem visionário, controvertido, audacioso e polêmico, tornando-se o maior investidor privado do Brasil entre 1905 e 191834.

A história escrita de Farquhar é repleta de contradições, o que se torna extremamente difícil de identificar o que é lenda, quais são as louvações e quais as acusações feitas por terceiros. Um homem destacado em suas posições, arrojado financista, com trânsito livre pelos mercados de capitais da Europa, e que segundo narrativas “homem capaz de

financiar qualquer coisa”35.

33 Tarcísio Motta de Carvalho, Terra, Luta de Classes e Estado: a Guerra do Contestado (1912-1916),

Universidade Federal Fluminense – RJ. SERPA, Élio Cantalício, A guerra do Contestado (1912-1916). Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 1999. 75 p. Oswaldo R. Cabral (Oswald Rodrigues). A campanha do contestado, Florianópolis: Lunardelli, 1979. 358p. Delmir Jose Valentini, Da cidade santa à corte celeste: memórias de sertanejos e a guerra do Contestado. 2. ed. Caçador: Universidade do Contestado, 2000. 191 p.. Marli Auras, Guerra do Contestado: a organização da irmandade cabocla, Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 1984. 177p. Douglas Teixeira Monteiro, Os Errantes do Novo Século: Um Estudo sobre o Surto Milenarista do Contestado, Livraria Duas Cidades, São Paulo, 1974

34Disponível em: http://pt.wikipedia.org/ - Acessado em 15/05/2008. 35

O início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, foi um momento de grande complicação para Faquhar, pois, foi interrompida a sua fonte de recursos para financiamentos de seus projetos, o que enfraqueceu grandemente o já precário império Faquhar, que desde que fora criado tinha sobre si, o poder de contrair dívidas sobre dívidas, pois, como já visto, o Império era somente o financiador, uma espécie de provedor dos projetos. Tendo-se endividado grandemente, desmoronou. Suas empresas entraram em concordata em outubro de 1914, pois, havia perdido todo o capital investido. Reergue-se novamente após o término da Guerra, utilizando-se das mesmas táticas anteriores, quebrando-se novamente na grande crise financeira mundial do ano de 1929. Deixou o Brasil após a Revolução de 1930, onde seus espaços empresariais foram contidos pelo governo de Getúlio Vargas.

Sua chegada no Brasil, muito provavelmente, deve-se ao distrato com o

Bolivian Syndicate e ao compromisso com o governo brasileiro para a construção da Estrada

de Ferro Madeira-Mamoré (1907 – 1912), ligando as localidades de Porto Velho a Guajará- Mirim no estado de Rondônia. O Tratado de Petrópolis, de 17 de novembro de 1903, com a Bolívia, que conferia ao Brasil a posse do Estado de Roraima, o governo brasileiro comprometia-se, entre outras coisas, com a construção da ferrovia Madeira-Mamoré, para a escoação da produção boliviana através do Rio Amazonas.

Farquhar cercou-se de amigos importantes, como Alexandre Mackenzie e Ruy Barbosa, e usou um intermediário brasileiro para a compra da concessão de construção da Madeira-Mamoré – Joaquim Catrambi, o qual operou como seu testa de ferro. Catrambi obteve junto ao Governo Rodrigues Alves a concessão para a construção da ferrovia em 1906. Em 1907, Faquhar assumiu esta ferrovia, que foi inaugurada em 30 de abril de 1912. No mesmo ano de 1907, Farquhar fundou a Madeira-Mamoré Railway Company, fundada em Boston (EUA), em agosto de 1907. Após a revolução de 1930 viu seus espaços contidos, durante o governo Getúlio Vargas, e assim terminou por deixar o Brasil.

Farquhar foi o controlador da Brazil Railway e da Southern Brazil Lumber and

Colonization Company, empresas estas, responsáveis pelo extrativismo florestal, tanto pela

construção da Estrada de Ferro quanto pelo povoamento das terras concedidas, atividades estas, que acabaram provocando a “Guerra do Contestado”, na qual morreram mais de 10.000 brasileiros.

Em 1908, Farquhar, através da Brazil Railway Company adiquiriu o controle da Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande – EFSPRG, devido à potencialidade de lucros que obteria com a exploração de madeira que seria exportada, das florestas virgens do Meio-

Oeste Catarinense, florestas de grandes araucárias que sob suas copas amparavam árvores de madeiras nobres como a imbuía de mais de 10 metros de circunferência.

Nas terras concedidas através da concessão do governo, foi criada a Southern

Brazil Lumber & Colonization Company, que se tornou amplamente conhecida como Lumber.

Empresa colonizadora e tornou-se também, a maior serraria para exportação de madeira. Chegou a ter 6.000 funcionários.

Todas estas atividades, tanto da construção da ferrovia, como da exploração extrativista daquela região, o que como já visto anteriormente, causou a expulsão daqueles que ali estavam estabelecidos no caminho dos tropeiros em viagem do Rio Grande do Sul à Paraná e São Paulo, mas que tiveram suas terras como terras inabitadas. Estas mudanças ocasionaram um violento e intenso processo de expulsão de posseiros e a resistência a esse processo, baseada no Costume e numa concepção de justiça fortemente defendida por aqueles caboclos, que foram assim, aspectos essenciais para entendermos a adesão de milhares de pessoas aos redutos e cidades santas no Contestado. Carvalho sobre as lutas enfrentadas pelos caboclos nos mostra o seguinte:

Para a região do Contestado, a “saída” encontrada para estas duas necessidades foi a expulsão de pequenos posseiros, há muito presentes na região e a instalação de importantes projetos de colonização, especialmente européia. Assim, mesmo que as legislações estaduais estivessem se constituindo de forma a adotar uma postura liberal em relação às posses, a especificidade do planalto catarinense exigiu a efetiva regularização da propriedade da terra, o que gerou conflitos intraclasse dominante, mas também entre estes e os caboclos. (2002, p. 9)

O conflito arrastou-se até o ano de 1916, quando em 20 de outubro deste ano, por meio do “Acordo de Limites” assinado pelo governador de Santa Catarina – Felipe Schimidt e pelo governador do Paraná – Afonso Camargo, sendo o encontro mediado pelo Presidente da República Wenceslau Brás, no Palácio do Catete no Rio de Janeiro, sendo que, este acordo já havia sido homologado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo Decreto no. 3.304, de 03 de agosto daquele ano.

Com o encerramento da Guerra do Contestado, com a morte de seus líderes, os que não foram mortos, permaneceram naquelas terras e agora, estavam sem liderança e sem esperança quanto ao futuro. Não havia mais o sonho do “Novo Reino” e com isso, os errantes permaneceram na vida de conflitos com os imigrantes, inclusive com àqueles que se instalaram na região de Ipoméia. Estes conflitos estenderam-se até a década de 20.

É nesse contexto de história da imigração alemã, que chegará a terras brasileiras, a família que irá proporcionar o início da história da “A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos últimos Dias”. Contexto não apenas de crescimento e expansão, mas contexto de lutas e de conflitos armados conforme vemos abaixo (figura 9). Havia também, crises com relações aos conflitos mundiais, 1ª e 2ª Guerras Mundiais, quanto às crises vividas pelos colonos, pela luta de posse da terra, pela luta armada em prol de um momento apocalíptico e da origem tanto dos chamados evangélicos quanto do catolicismo, demonstrado tanto pelos alemães quanto pelas outras etnias que aqui chegaram bem como as implicações da transição do período das Repúblicas (velha e nova República).

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