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O contexto dos media em Moçambique

No documento O setor dos media no espaço lusófono (páginas 147-151)

A democracia multipartidária em Moçambique foi implementada em 1990, com a aprovação da primeira constituição que regula as liberdades cívicas e políticas, assim como a realização das primeiras eleições multipartidárias, em 1994, depois de 16 anos de guerra que opuseram as forças governamentais e a Resistência Nacional de Moçambique (Renamo). A introdução da demo- cracia multipartidária teve lugar após um longo período de regime de partido único, com a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) no poder desde a independência nacional (Cahen, 1993).

Assim, a partir de 1994, o país organiza eleições regulares para a Presi- dência da República e dos deputados da Assembleia da República. Estas eleições têm sido sempre ganhas pela Frelimo, transformando-a num partido dominante1 (Levistsky e Way, 2012). Os sistemas de partido dominante são

característicos de grande parte dos países da África Subsaariana, sobretudo dos países da África Austral, com a realização regular das eleições, mas com a vitória sempre dos mesmos partidos políticos, muitos dos quais ligados aos movimentos de libertação.

Nestes sistemas, enquanto o partido dominante fica cada vez mais forta- lecido, verifica-se a fragilização, fragmentação e desorganização dos partidos

1 A perspetiva de classificação de Moçambique no sistema dos partidos dominantes tem

sido inspirada no sistema de classificação proposto por diversos autores da área das ciências po- líticas. Conforme argumenta Sartori (2005), este sistema de partido dominante existe quando um único partido ganha a maioria parlamentar em pelo menos três eleições consecutivas e captura a presidência (Bogaards, 2004: 115). Todas as cinco eleições gerais realizadas, em Moçambique, foram maioritariamente vencidas pela Frelimo.

da oposição. O poder legislativo e judicial é controlado pelo partido dominan- te, permanecendo alguns níveis de intolerância, corrupção, fraudes e baixos níveis de participação (Landsberg, 2004; Bogaards, 2004; Forquilha e Orre, 2011). Este tipo de sistema, para além de fazer prevalecer elevados níveis de corrupção, é caracterizado por reduzidos espaços de exercício das liberda- des, devido ao elevado nível de controlo exercido pelo partido dominante.

O desenvolvimento de uma economia de mercado em Moçambique pro- moveu a formação de um empresariado ligado ao partido Frelimo, reduzindo- -se os espaços de distinção entre as esferas de influência política e económica. Tal situação é semelhante à de outros países que provêm de uma economia orientada e dominada por empresas estatais. Em Moçambique, o processo da transformação de empresas estatais em privadas ou públicas constituiu uma oportunidade de enriquecimento para as elites políticas. Isto foi possí- vel, porque os políticos no governo beneficiaram do processo de privatização das empresas na posse do Estado (Harrison, 1999; Jain, 2001; Tanzi, 1998). A passagem da economia orientada para a do mercado contribuiu para a for- mação do que Halon (2009: 3) chama de «capitalismo selvagem». Neste pro- cesso, as empresas que eram estatais passaram para as mãos dos membros da elite da Frelimo, sobretudo os generais e líderes políticos (Nuvunga, 2007). Assim, os grandes grupos empresariais e os principais setores económicos do país são controlados por políticos ou gente a eles ligados, em certos ca- sos antigos dirigentes governamentais do período do partido único (Harrison, 1999; Chichava, 2014).

Esta dinâmica contribuiu para o reforço das ligações entre os grandes em- presários e os políticos; em alguns casos são os próprios políticos que exer- cem e possuem interesses nas atividades empresariais. Por exemplo, era pu- blicamente conhecido que o antigo Presidente da República, Armando Emílio Guebuza, e seus familiares tinham interesses empresariais, sendo proprietários de holdings em setores importantes da economia nacional (USAID, 2005). Nas diversas esferas do poder executivo e legislativo, é comum existirem gover- nantes (até ao nível dos ministros) com ligações ao setor empresarial; na As- sembleia da República também.

Uma outra dimensão reside na criação de uma rede composta pela eli- te política e empresarial que, protegida pela sua ligação ao partido no po- der, coloca em causa o empreendedorismo e a competitividade. Por outro lado, como iremos mostrar mais adiante, este cenário de controlo político

no mercado económico afeta o exercício das liberdades, a nível político e da própria imprensa, sobretudo num contexto em que a principal fonte de subsistência dos media é a publicidade, grande parte vinda do governo, das empresas públicas e das grandes empresas.

Do ponto de vista legal, para o exercício dos direitos e liberdades funda- mentais consagrados na nova constituição foram aprovadas uma série de leis ordinárias que permitem a sua materialização, a destacar a Lei dos Partidos Políticos n.º 7/91, a Lei das Associações, Lei n.º 8/91, a Lei n.º 9/91 que regula a liberdade de reunião e manifestação, a Lei de Imprensa n.º 18/91 e, atual- mente, a Lei do Direito à Informação n.º 34/14. No entanto, embora a maioria destas leis existam há mais de 25 anos, muitas ainda não sofreram nenhuma revisão. Por outro lado, nota-se ainda a permanência de uma série de leis ou artigos legais que contêm elementos restritivos às liberdades fundamentais, como são os casos da Lei n.º 12/79, de 12 de dezembro, do Segredo do Estado, da Lei n.º 19/91, de 18 de agosto, dos Crimes contra a Segurança do Estado, e da Lei n.º 16/2012, de 14 de agosto, de Probidade Pública.

A Lei do Segredo de Estado, no seu artigo 2, criminaliza a publicação de documentos de carácter público que possam ser considerados segredo do Estado, mesmo sem ter uma classificação evidente do que é considerado segredo, deixando ao critério arbitrário do diretor do Serviço Nacional de Se- gurança do Estado. Esta lei estabelece, no artigo 22, que a difamação do Presidente da República, ministros, juízes do Tribunal Supremo e secretários gerais de partidos políticos é considerada crime contra a segurança do Esta- do, a que cabe uma pena entre um a dois anos de prisão. Esta lei no seu nú- mero 3, do artigo 69, coloca em causa a liberdade de imprensa, quando alar- ga o conjunto dos que são passíveis, nas empresas de comunicação social, de serem responsabilizados de crimes de imprensa (FES & MISA, 2014). Por exemplo, a Lei de Crimes Contra a Segurança do Estado e a Lei de Imprensa foram ativadas para processar o economista Nuno Castel-Branco, em virtude de ter publicado crítica vigorosa ao então Chefe de Estado, Armando Guebu- za, cujo julgamento foi realizado, a 30 de agosto de 2015. Os dois jornalistas que publicaram as opiniões do economista nos seus jornais foram igualmente envolvidos no processo.

Neste contexto importa ter em conta que o Índice de Desenvolvimento Hu- mano (HDI: 2013) coloca Moçambique como um dos países mais pobres do mundo, situando-o na posição 178 do ranking de 187 países avaliados. O país

surge caracterizado com baixos índices de educação das pessoas adultas, elevadas taxas de mortalidades infantil, uma economia informal e elevados níveis de vulnerabilidade a diversas doenças.

A nível da educação, Moçambique possui taxas de analfabetismo ainda elevadas, situando-se 48,1% em 20082, sendo mais acentuada nas zonas

ruais (65.5%), comparativamente às zonas urbanas (26,3%) (MINED, 2012: 70). Segundo o Inquérito Demográfico e de Saúde (IDS) de 2011, nas zonas rurais, 41% das mulheres não frequentou a escola, enquanto nas zonas urba- nas a percentagem desce para 13%, contra 18% de homens nas zonas rurais e 4% nas zonas urbanas (MISAU, INE e ICFI, 2013: 43). O último Inquérito aos Orçamentos Familiares (IOF) 2014/2015 mostra que as mulheres continuam em desvantagem em relação aos homens, no que concerne ao domínio da lei- tura e da escrita, ao apresentarem uma taxa de analfabetismo, em 2014/2015, de 57,8%, comparativamente a 30,1% dos homens (INE, 2015: 68).

Com uma população de cerca de 26 423 623 de habitantes, Moçambi- que continua com um setor económico muito frágil, caracterizado pela de- pendência das importações dos principais produtos, um setor informal ainda muito forte e elevadas taxas de desemprego. No que diz respeito à macroe- conomia, em 2014 Moçambique possuía um PIB per capita em USD de 691,1, com uma taxa de crescimento de 7,2, inflação anual de 1,9. No ano 2014, o peso das importações sobre as exportações continuava a ser muito elevado, o que deixou o país com uma balança de pagamentos negativa, na ordem de – 4 860 004 USD (INE, 2015/2016).

A nível empresarial, a economia do país é dominada por grandes empre- sas, sobretudo multinacionais da área industrial e de exploração de recursos minerais. Segundo o IOF 2014/2015, a taxa de desemprego chega a atingir cerca de 22,1% nas zonas rurais, onde vive grande parte da população. As fracas oportunidades de emprego levam à alocação de grande parte da força de trabalho para o setor informal.

2 As projeções do Ministério da Educação apontavam para uma redução da taxa de analfa-

O mercado e sustentabilidade dos media em Moçambique

No documento O setor dos media no espaço lusófono (páginas 147-151)